A segurança dos produtos e serviços sempre foi uma preocupação constante dos consumeristas de todo o mundo, já que em várias situações esses defeitos afetam a saúde e principalmente a vida dos consumidores.
Desse modo, a legislação sempre reservou um espaço importante para a proteção da vida e saúde dos consumidores.
Depois da denúncia do advogado Ralf Nader, relatado no primeiro capítulo do livro, o recall começa acontecer nos veículos, na década de 1960, nos EUA. O referido advogado, acusou as montadoras de não fabricarem carros tão seguros quanto possível.
Menos de um ano depois que o livro foi publicado, o Congresso dos EUA, obstinado, criou a agência federal de segurança que se tornou a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA). Na primavera de 1966, “Unsafe at Any Speed” foi um best-seller de não-ficção.1 O livro de Nader demorou a ser produzido. Ralf Nader começou a pesquisar segurança automotiva em 1956, como estudante do segundo ano na Harvard Law School. Ele foi inspirado por outros livros como “Silente Spring”, de Rachel Carson, que destacou os perigos dos pesticidas DDT para o meio ambiente.2
Depois de várias tentativas frustradas de publicação do livro, Ralf Nader encontrou Richard L. Grossman, um editor de Nova York que havia lido um artigo sobre o assunto e então o livro foi publicado.
Em 30 de novembro de 1965, “Inseguro a qualquer velocidade: os perigos do automóvel americano”, foi publicado.
A primeira frase do livro já era bastante impactante: “Por mais de meio século, o automóvel trouxe morte, ferimentos e a mais inestimável tristeza e privação a milhões de pessoas.”3
O primeiro capítulo do livro foi destinado ao compacto Chevrolet Corvair 1960-63. Segundo Ralf Nader, o veículo com motor traseiro tinha um problema na suspensão que ocasionaria a perda de controle do veículo e um possível capotamento. O livro também apresenta uma longa lista de questões de segurança negligenciadas pelas montadoras.
Em 9 de setembro de 1966, cerca de 10 meses após a publicação do livro — o presidente Lyndon B. Johnson assinou o National Traffic and Motor Vehicle Safety Act, a Lei Nacional de Segurança no Trânsito e Veículos a Motor, exigindo a adoção de novos padrões de segurança de veículos e criando uma agência para aplicá-los e supervisionar os recalls de segurança.4 Essa lei veio capacitar o governo federal a estabelecer e administrar novos padrões de segurança para veículos automotores e segurança no trânsito. A lei foi a primeira norma federal obrigatória para a segurança de veículos daquele país. Esse movimento deu origem à National Highway Safety Bureau (NHSB), hoje National Higway Traffic Safety administration (NHTSA), agência reguladora americana especializada em segurança no trânsito e responsável pela fiscalização dos recalls da indústria automobilística.
No Brasil, é importante destacar a atuação do Deputado Emiílio Antônio Sousa Aguiar Nina Ribeiro, que em seus discursos, em 1971, na Tribuna da Câmara dos deputados já alertava para a insegurança da indústria automobilística nacional. 5
O primeiro recall registrado pelo Departamento de proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ocorreu em 1998. A fabricante Mercedez Benz, convocou 23.800 compradores do veículo de modelo OF 620 para resolver um problema na coluna de direção. Ao contrário do afirma o DPDC, a fabricante Ford, alega que em 1970, realizou o primeiro Recall de veículos no país. Teria convocado 50 mil veículos Ford Corcel por desgaste excessivo nas rodas dianteiras. 6
O maior recall do Brasil foi o recall da Takata. Descoberto em meados de 2013, o escândalo que envolve problemas no funcionamento dos airbags produzidos pela empresa Takata já afetou aproximadamente 50 milhões de veículos em todo o mundo. E ele também se tornou o maior do Brasil, envolvendo 14 fabricantes diferentes. Até agora, algo em torno de 2,1 milhões de carros foram convocados no Brasil. O maior recall do Brasil até então havia sido o do Chevrolet Corsa de primeira geração, com 1,3 milhão de unidades convocadas para reparo. 7
A Chevrolet convocou 19.050 unidades do Onix. O primeiro incidente ocorreu em setembro de 2019, ainda no pátio da fábrica de Gravataí (RS) e foi filmado por uma testemunha. Menos de dois meses depois, surgiram relatos de outras unidades que pegaram fogo, já nas mãos de consumidores. Felizmente, ninguém se feriu. Porém, esses episódios logo ganharam repercussão e colocaram em xeque a aceitação do novo modelo. Um defeito no software de gerenciamento do motor provocava enorme aumento de pressão e de temperatura na câmara de combustão, levando à quebra do bloco e, consequentemente, ocorria vazamento de fluido em alta temperatura, resultando em incêndio dos veículos. 8
Outro recall envolvendo incêndio de veículos no Brasil foi o Fiat Tipo. O hatch médio era o veículo importado mais emplacado do país, chegando a superar o Volswagen gol, em janeiro de 1995. Naquele mesmo ano, surgiram os primeiros relatos de unidades do Fiat Tipo que se incendiaram. Inicialmente, a fabricante Fiat não reconheceu falhas no produto, o que fez os proprietários dos veículos queimados se organizarem e criarem a AVITIPO (Associação de Consumidores de Automóveis e Vítimas de Incêndio do Tipo). Depois de pressionada e vários incêndios, a Fiat convocou um recall para substituir o tubo convergedor do ar quente.9 Outro hatch médio da Fiat que protagonizou um recall polêmico foi o Fiat Stilo. O veículo ainda era fabricado quando, em 2008, surgiram os primeiros relatos de motoristas que se acidentaram após uma das rodas traseiras se soltar em pleno movimento.
Inicialmente, a fabricante Fiat novamente não reconheceu os problemas no veículo. A Fiat afirmava que, nos casos reclamados, a roda traseira teria se soltado devido ao impacto da colisão. Desse modo, seria uma consequência do acidente, e não a causa. Porém, novos relatos foram surgindo de diferentes partes do país. Em 2008, o número de acidentes chegava a 30, com registro de oito vítimas fatais. Depois disso, o DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor) instaurou um processo de investigação. O órgão concluiu que a soltura ocorria devido a fadiga no cubo das rodas traseiras, e determinou judicialmente, em 2010, que o fabricante convocasse um recall. Posteriormente, o Ministério da Justiça multou a empresa em R$ 3 milhões reais. O recall envolveu cerca de 52 mil exemplares do Fiat Stilo, fabricados entre 2004 e 2008, todos com freios traseiros a tambor. Nas versões mais caras, equipadas com discos nos dois eixos, era utilizado um cubo de roda distinto, no qual não foi detectado defeito. 10
A Volkswagen do Brasil também foi obrigada pela justiça a realizar recall do veículo Fox. Em 2008, os proprietários protestaram após terem os dedos parcialmente ou completamente decepados pelo banco traseiro. O primeiro caso, entretanto, teria ocorrido em 2004. As mutilações aconteceram de maneira semelhante, quando as vítimas tentavam rebater o assento traseiro. Era necessário puxar uma fita de tecido, afixada a uma argola metálica, que podia prender o dedo de quem a manipulava. Na sequência, o banco descia abruptamente, provocando os ferimentos. Funcionava como uma guilhotina. Ao ser acionada, a Volkswagen alegou que não havia defeito algum no veículo: a empresa atribuiu as lesões a uso incorreto do sistema de rebatimento. Diante da negativa, pelo menos oito vítimas recorreram às vias legais. O Ministério da Justiça interveio e, em 2008, a multinacional acabou assinando um Termo de Ajuste de Conduta, que incluía uma multa de R$ 3 milhões. 11
Apesar de serem os mais noticiados na imprensa, o recall pode ser realizado em qualquer tipo de produtos e não só em veículos automotores. Exemplo disso é o caso do berço da Burigotto. Em 2015, a tradicional fabricante de berços anunciou em recall de 252 mil berços da linha Nanna, por risco de asfixia e prender os membros do bebê entre a base acolchoada ou o colchão e as laterais e extremidades do berço. O recall aconteceu após relato de uma morte de um bebê no início de 2015. 12
Em 2021, a fabricante Pierre Fabre do Brasil anunciou o recall do sabonete líquido Darrow Suavié Sabonete Líquido Dermatológico 140ml. Segundo a fabricante, em pessoas saudáveis, o risco de infecção é baixo, já em indivíduos com o sistema imunológico comprometido, pode causar infecções tratáveis com assistência médica. “Em casos extremos de pessoas que além do sistema imunológico comprometido, estejam hospitalizadas e apresentem doenças pré-existentes, a infecção pode se tornar grave e requerer assistência médica adicional para se evitar risco de vida.” 13
A Garoto, fabricante de chocolates do Espírito Santo, em 2022, foi obrigada pelo Ministério da Justiça a realizar o recall de dois lotes de chocolates que podem conter fragmentos de vidro e causar lesões na boca e mucosas. São barras de chocolate ao leite com castanhas de caju e com castanhas de caju e uvas-passas. O problema foi causado pela avaria em um dos equipamentos de produção da fábrica, o que levou ao risco de que os chocolates contenham pequenos fragmentos de vidro.
O texto da Carta Magna em seus artigos 5º e 6º, elenca como direitos fundamentais e sociais a vida, a saúde e a segurança dos cidadãos brasileiros. O Código de Defesa do Consumidor igualmente estabeleceu como um dos direitos básicos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por produtos e serviços considerados perigosos. A expressão “recall”, deriva do inglês e significa “chamar de novo”, “chamar de volta” ou “rechamar”. Recall, portanto, é o meio pelo qual um fornecedor vem a público informar que seu produto ou serviço apresenta riscos aos consumidores. Ao mesmo tempo que esse fornecedor deve recolher esses produtos, se for necessário, ele esclarece fatos e apresenta soluções, bem como pode efetuar os reparos que sejam necessários. 14
O fornecedor deve garantir que a expectativa do consumidor em relação à adequação e, principalmente, à segurança dos produtos ou serviços seja efetivamente correspondida. O art. 8º estabelece que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.
Referências
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1. JENSEN, Christopher. 50 years ago, “unsafe at any speed Shook the auto world. The New York Times. Disponível em: https://nyti.ms/2BmSBV1. Acesso em: 04.08.2022.
2. JENSEN, Christopher. 50 years ago, “unsafe at any speed Shook the auto world. The New York Times. Disponível em: https://nyti.ms/2BmSBV1. Acesso em: 04.08.2022.
3. JENSEN, Christopher. 50 years ago, “unsafe at any speed Shook the auto world. The New York Times. Disponível em: https://nyti.ms/2BmSBV1. Acesso em: 04.08.2022.
4. Hendrickson, Kimberly A. “National Traffic and Motor Vehicle Safety Act.” Dictionary of American History, editedby Stanley I. Kutler, 3rd ed., vol. 5, Charles Scribner’s Sons, 2003, pp.561-562. Gale eBooks, https://bit.ly/3EGR4tU. Accessed 4 Aug. 2022.
5. “Outro tópico da maior relevância diz respeito à segurança dos veículos expostos e vendidos ao público. Muitos deles estão sendo construídos de feição comprovadamente deficiente e, por isso mesmo, responsáveis por acidentes que ceifaram tantas vidas. Também, à guisa de exemplo, podemos citar a Volkswagen, que, para exportar os seus carros da Alemanha para o Estados Unidos, ou para usá-los na própria Alemanha, entre outros equipamentos de segurança adota a chamada barra retrátil de direção. O que é barra retrátil? Exatamente aquele que em caso de acidente, em colisão com o motorista, se recolhe. A barra fixa, ao contrário, num choque de maiores proporções, fratura de costelas, o esterno, penetra enfim pelo tórax a dentro de quem está em frente.
Porventura, Sr. Presidente, o contribuinte Brasileiro merece menos atenção do que o usuário alemão ou americano? Certamente que não”. RIBEIRO, Nina. Em defesa do Consumidor. (Discursos proferidos da tribuna da Câmara dos Deputados). Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Publicações: Brasília, 1974. P. 10.
6. Primeiro recall na história do Brasil envolveu um corcel. Disponível em: https://bit.ly/3TPrgQT. Acesso em 15.11.2022.
7. FAGUNDES, Dyogo. Maior recall do mundo também é o maior do Brasil, com 2,1 milhões de veículos envolvidos. Motor1.uol.com.br. Disponível em: https://bit.ly/3TKKUNH. acesso em: 15.11.2022.
8. CARNEIRO, Alexandre. De incêndio a chassi trincado: os 12 recalls mais polêmicos do Brasil. Auto Papo Uol. Disponível em: https://bit.ly/3ggi1ez. Acesso em 15.11.2022.
9. CARNEIRO, Alexandre. De incêndio a chassi trincado: os 12 recalls mais polêmicos do Brasil. Auto Papo Uol. Disponível em: https://bit.ly/3ggi1ez. Acesso em 15.11.2022.
10. CARNEIRO, Alexandre. De incêndio a chassi trincado: os 12 recalls mais polêmicos do Brasil. Auto Papo Uol. Disponível em: https://bit.ly/3ggi1ez. Acesso em 15.11.2022.
11. CARNEIRO, Alexandre. De incêndio a chassi trincado: os 12 recalls mais polêmicos do Brasil. Auto Papo Uol. Disponível em: https://bit.ly/3ggi1ez. Acesso em 15.11.2022.
12. Burigotto faz recall de 252 mil berços após alerta de risco de asfixia. G1. Disponível em: http://glo.bo/3USuLr4. acesso em: 15.11.2022.
13. Darrow Laboratório faz comunicado de recall. G1. Disponível em: http://glo.bo/3GKedNN. acesso em: 15.11.2022.
14. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 8 ed. D´Plácido, Belo Horizonte, 2022. p. 223.