Parte 2: Os avanços e a (in)eficácia da Lei Maria da Penha

Parte 2: Os avanços e a (in)eficácia da Lei Maria da Penha

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A Lei Maria da Penha, não apenas no propósito repressivo, mas sobretudo no preventivo e assistencial, listou um amplo rol de medidas voltadas a efetividade do seu propósito, medidas estas que buscam assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. É importante ressaltar que a Lei Maria da Penha não se ateve apenas em sancionar o agressor, após o devido processo legal, mas buscou fazer algo de concreto, destinado a assegurar a integridade física, psicológica e material da vítima, garantindo sua liberdade de ação e locomoção, bem como o direito de buscar a proteção estatal e jurisdicional.1

Revelando sintonia com a política criminal contemporânea, que orienta para a prevenção especial também em relação ao sujeito passivo, a lei confere ao juiz criminal competência cível (art. 14) para aplicar as medidas protetivas de urgência (art. 18 e segs.).

As medidas protetivas são medidas cautelares que duram enquanto perdurar a situação de violência ou risco de violência à mulher, tendo por objetivo cessar a violência em curso ou o iminente risco desse estado, podendo chegar a proteger pessoas da família ou patrimônio, dependendo do caso. 2

Por longos anos a violência doméstica foi ignorada, ficando restrita ao âmbito privado, principalmente porque a vítima temia denunciar o seu agressor; e, quando o fazia, estava desprotegida, já que o Estado não dispunha de meios para resguardar os seus direitos. Vitimizada e fragilizada pelas agressões sofridas, a vítima não possuía forças para se expor publicamente, quedando-se inerte.3

O legislador, atento a essa problemática, buscou meios para possibilitar que a vítima não apenas denunciasse o seu agressor, mas que não temesse pela sua integridade física e psíquica após a denúncia. Não há dúvidas sobre os benefícios trazidos pela Lei Maria da Penha, porém, sem uma fiscalização eficiente e eficaz, essas medidas não garantem a proteção integral à vida da mulher em situação de violência, gerando um sentimento de imunidade ao agressor.

Em Minas Gerais um dos casos mais famosos em que houve ineficácia da medida protetiva foi o de Maria Islaine de Morais, assassinada em Belo Horizonte por seu ex-companheiro no ano de 2010. A cabeleireira chegou a denunciar seu ex-marido por pelo menos oito vezes, e mesmo assim, como forma de ameaça, ele continuou rondando o salão de beleza onde trabalhava.

“A tragédia começou a ser traçada há um ano. Uma separação conturbada, muitas brigas e pelo menos oito pedidos de socorro registrados por uma mulher cansada das ameaças do ex-marido, com quem foi casada por cinco anos. Ontem, o anunciado durante meses aconteceu em apenas 11 segundos. Armado, o borracheiro Fábio Willian da Silva Soares, 30, invadiu o salão de beleza da ex-mulher e disparou nove tiros contra ela. A cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31, morreu na hora.”4 

A Justiça determinou que seu ex-marido mantivesse distância de mais de 300 metros, ironicamente ele morava e trabalhava a 50 metros do salão e da casa de Maria. Segundo a delegada Silvana de Fiorilo Rocha, foram solicitadas cinco medidas protetivas contra o borracheiro e instaurados três inquéritos.5

Analisando esse caso a grande pergunta que fica é por que o agressor ainda estava em liberdade? Para a defensora pública Júnia Ronan Carvalho, houve uma falha no processo que pode ter sido das polícias Civil e Militar, do Ministério Público ou da própria Justiça. “Se uma mulher pediu ajuda por oito vezes à polícia, alguém deveria ter tomado a providência de decretar essa prisão. Não consigo entender como as medidas protetivas pedidas pela vítima não estavam sendo cumpridas”. 6

A Lei Maria da Penha é eficaz e competente, porém, há falhas em sua aplicabilidade e, conforme afirma o jurista Miguel Reale Júnior em entrevista realizada ao Jornal Recomeço, com a Tribuna do Direito., isso se dá no Poder Executivo, Judiciário e no Ministério Público gerando impunidade na apuração do fato em si.

TD — De quem é a falta de vontade para que a lei se cumpra?

Reale Jr. — Do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público.

TD — Como resolver a situação?

Reale Jr. — Não adianta reformar a lei se não ocorrer uma mudança de mentalidade. Há uma resistência, especialmente na Magistratura, na adoção de novas medidas. Não é um fenômeno que ocorre só no Brasil, mas também em vários outros países, onde foram criadas as penas restritivas, que são fáceis de ser aplicadas, de ser controladas e cujo resultado no plano preventivo e também como punição é extraordinário. E se não se aplica gera-se a impunidade.7 

O Estado é negligente quando não toma as providências para coibir e prevenir atos de violência contra a mulher. As previsões da lei 11.340/06 são eficientes em sua aplicação, haja vista que determina punição a quem comete violência doméstica e proteção a parte violentada. Em verdade, falta ao poder público agir com responsabilidade e efetividade, conferindo segurança às mulheres em situação de violência e vulnerabilidade.

Em entrevista ao site O Globo, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que:

O juiz tem que entender esse lado e evitar que a mulher seja assassinada. Uma mulher, quando chega à delegacia, é vítima de violência há muito tempo e já chegou ao limite. A falha não é da lei, é na estrutura, disse, ao se lembrar que muitos municípios brasileiros não têm delegacias especializadas, centros de referência ou mesmo casas de abrigo.8 

Ao passo que incumbe a lei garantir os direitos as mulheres violentadas, compete ao governo promover condições favoráveis para conferir segurança e proteção a vítima. A lei Maria da Penha por si só é efetiva, sua ineficácia advém da negligencia do Poder Público. Logo, conclui-se que se faz necessário presteza na aplicabilidade da lei Maria da Penha em punir com precisão os agressores, objetivando sempre a agilidade e a efetividade.

Entende-se que não há ineficácia na lei Maria da Penha, tendo em vista que assiste de maneira adequada a vítima de violência doméstica e familiar. Sucede-se que ocorrem diversas falhas na execução da lei, o Estado não guarnece a vítima de maneira correta, nem fornece o suporte necessário.

Para alcançarmos a eficácia plena da lei Maria da Penha se faz imprescindível a criação de uma estrutura capaz de atender essas mulheres, proceder com a capacitação do agente policial para atuar nessas situações, construção de abrigos dignos com profissionais competentes na área de psicologia, assistência social, dentre outros meios que sejam capazes de amparar as vítimas, assegurando proteção, cuidado, dignidade e uma vida livre de violência.

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Sarah Batista Santos Pereira

 

Referências

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1. BARBOSA, Nathan. Aspectos gerais sobre a eficácia da Lei Maria da Penha. Disponível em: https://bit.ly/3zT386L. Acesso em: 01 set. 2021.

2. TRAJANO, Henrique. A eficácia da Lei Maria da Penha. Disponível em: https://bit.ly/3zT38Uj. Acesso em: 01 set. 2021.

3. TRAJANO, Henrique. A eficácia da Lei Maria da Penha. Disponível em: https://bit.ly/3zT38Uj. Acesso em: 01 set. 2021.

4. TEIXEIRA, Tâmara; LEMOS, Thiago. Morta pelo ex após 8 denúncias. Disponível em: https://bit.ly/3jTXKe2. Acesso em: 01 set. 2021.

5. TEIXEIRA, Tâmara; LEMOS, Thiago. Morta pelo ex após 8 denúncias. Disponível em: https://bit.ly/3jTXKe2. Acesso em: 01 set. 2021.

6. TEIXEIRA, Tâmara; LEMOS, Thiago. Morta pelo ex após 8 denúncias. Disponível em: https://bit.ly/3jTXKe2. Acesso em: 01 set. 2021.

7. JORNAL RECOMEÇO. Reale Júnior condena falhas na lei penal. Disponível em: https://bit.ly/38P4Utu. Acesso em: 01 set. 2021.

8. O GLOBO. Para aplicar Lei Maria da Penha, Justiça tem que ‘calçar sandálias da humildade’, diz Gilmar. Disponível em: https://glo.bo/2X1qtVm. Acesso em: 01 set. 2021.

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