Pobreza menstrual: Dignidade e violação de direitos

Pobreza menstrual: Dignidade e violação de direitos

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Temas relacionados ao corpo feminino são repletos de desinformação e estigmas, falar de menstruação ainda é um tabu na nossa sociedade e a maioria das mulheres tem vergonha de discutir sobre esse processo natural e saudável.

A pobreza ou precariedade menstrual é o nome dado à falta de acesso de meninas, mulheres cis, homens trans e não-binários a produtos básicos para manter uma boa higiene no período da menstruação. Trata-se de um fenômeno multidimensional que envolve o acesso a itens básicos de higiene, falta de acesso a infraestrutura e serviços de saneamento básico e também à falta de informações e conhecimento a respeito do tema, não se restringindo apenas à falta de dinheiro para comprar absorventes.

A precariedade menstrual atinge especialmente pessoas abaixo da linha da pobreza, em situação de risco e vulnerabilidade, população de rua e pessoas em privação de liberdade.1

Essa carência afeta diretamente a saúde mental, em função do estresse, desconforto e discriminação, e a saúde física, tendo em vista que a impossibilidade de adquirir itens como absorventes resulta na busca por alternativas baratas como uso de panos, jornais, papel higiênico e até mesmo miolo de pão, itens capazes de acarretar irritações, alergias e até infecções graves.

O problema é antigo, porém o tema voltou à tona após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetar o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos.2 O Congresso Nacional derrubou o veto presidencial a lei que cria o “Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual” (Lei 14.214), que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua, dentre outras medidas capazes de proporcionar dignidade e conhecimento a essas pessoas.3

O projeto que deu origem a Lei foi aprovado com o objetivo de combater a precariedade menstrual, e a derrubada do veto envolveu meses de mobilização das parlamentares e de organizações sociais, que o classificavam como um ato contra as mulheres.4

A dignidade menstrual está diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana. Quando não se tem saneamento básico e meios para administrar sua própria higiene, não se é capaz administrar a própria menstruação com dignidade. As provocações, a exclusão e a vergonha relacionadas à menstruação também comprometem a dignidade humana.

Ainda, necessário destacarmos o papel da escola na educação menstrual que se faz indispensável, porém atualmente insuficiente e até mesmo não praticado. É necessário fornecer a todos informações sobre o ciclo menstrual, ovulação, características do sangramento e os aspectos emocionais envoltos nesse período, sendo de suma importância que as meninas tenham acesso ao tema antes da primeira menstruação.

Da menarca (primeira menstruação) em diante, mais um desafio se coloca entre as meninas e o pleno exercício de seus direitos. Essencial que exista um diálogo educacional e familiar livre de estigmas, não é incomum que crianças e pré-adolescentes entre 9 e 12 anos entrem em absoluto desespero quando veem o sangue pela primeira vez.

A ONU descreve a pobreza menstrual como um problema de saúde pública e de direitos humanos, e mesmo sendo um direito formalmente reconhecido está longe de ser uma realidade. Conforme relatório do estudo “Livre para Menstruar Pobreza menstrual e a educação de meninas.” realizado e idealizado pelo movimento Girl Up, no Brasil uma a cada quatro adolescentes não tem acesso a absorventes durante seu período menstrual.5 Outro estudo conduzido no interior de Pernambuco identificou que 31% das adolescentes já faltaram à escola em decorrência da menstruação.6 A evasão escolar de adolescentes em período menstrual é um importante sinal de que o tema deve ter notoriedade pública e estar presente nos debates governamentais.

Diversas causas estão associadas à condição de pobreza menstrual, sendo uma das principais a desigualdade social decorrente da falta de recursos financeiros para aquisição de itens de higiene menstrual, como absorventes descartáveis ou reutilizáveis, coletores e calcinhas absorventes.

Para as pessoas de baixa renda, a aquisição mensal desses produtos pode ter um impacto significativo no orçamento familiar. Atualmente, calcula-se que uma pessoa gaste uma média de R$ 12,00 ao mês com absorventes descartáveis, considerando o valor de R$ 0,60 por unidade, o que leva a um custo anual de R$ 144,00. Atualmente no Brasil, ao menos 13% da população vive com menos de R$ 246,00 por mês, o que configura situação de pobreza. 7

Nota-se que a pobreza menstrual não consiste apenas na ausência de poder aquisitivo para a obtenção de itens de higiene íntima, mas se desdobra também na falta de informação e na forma como o tema ainda é visto pela sociedade. Atualmente o absorvente não é considerado item prioritário por muitas famílias e, até pouco tempo, pelas políticas públicas do país, o que favorece o cenário de falta de conscientização, ações sociais, educacionais e de saúde pública.

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Sarah Batista Santos Pereira

 

Referências

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1. GUITARRARA, Paloma. Pobreza menstrual. 2021. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/pobreza-menstrual.htm. Acesso em: 13 mar. 2022.

2. RICCI, Larissa. PEREIRA, Maria Irenilda. Entenda o que é pobreza menstrual e os impactos na saúde das mulheres. 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2021/10/4955789-entenda-o-que-e-pobreza-menstrual-e-os-impactos-na-saude-das-mulheres.html Acesso em: 13 mar. 2022.

3. AGÊNCIA SENADO. Derrubado o veto à distribuição de absorventes para mulheres de baixa renda. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/10/derrubado-o-veto-a-distribuicao-de-absorventes-para-mulheres-de-baixa-renda. Acesso em: 13 mar. 2022.

4. AGÊNCIA SENADO. Derrubado o veto à distribuição de absorventes para mulheres de baixa renda. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/10/derrubado-o-veto-a-distribuicao-de-absorventes-para-mulheres-de-baixa-renda. Acesso em: 13 mar. 2022.

5. BAHIA, Letícia. Livre para Menstruar: Pobreza menstrual e a educação de meninas. São Paulo, 2021. Disponível em: https://livreparamenstruar.org/sobre/. Acesso em: 13 mar. 2022.

6. BAHIA, Letícia. Livre para Menstruar: Pobreza menstrual e a educação de meninas. São Paulo, 2021. Disponível em: https://livreparamenstruar.org/sobre/. Acesso em: 13 mar. 2022, apud  PITANGUI, Ana Carolina R. et al. Menstruation disturbances: prevalence, characteristics, and effects on the activities of daily living among adolescent girls from Brazil. Journal of pediatric and adolescent gynecology, v. 26, n. 3, p. 148-152, 2013.

7. GUITARRARA, Paloma. Pobreza menstrual. 2021. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/pobreza-menstrual.htm. Acesso em: 13 mar. 2022.

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