Por que nos esquecemos das estruturas?

Por que nos esquecemos das estruturas?

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O cenário contemporâneo é marcado por um fenômeno peculiar: somos capazes de captar e fazer circular cenas, imagens e enquadramentos, como se esses recursos conseguissem apresentar, com destreza, toda a realidade. Esse circuito de comunicação serve às expectativas de uma sociedade acelerada, narcísica e nutrida pelas lógicas de violência estruturadas, sobretudo, no processo de colonização dos corpos, sentidos, afetos e cosmovisões.

Assim, somos atravessadas/os/es por uma construção da imagem que circula pelas redes e que, nessa execução, ritualiza e cristaliza as discussões, fazendo com que a nossa percepção seja amplamente sacrificada. Nesse efeito de neutralidade, por exemplo, somos lançadas/os/es para as telas e, nesse movimento, nos tornamos incapazes de discutir sobre as estruturas de violação que estigmatizam sujeitos vulnerabilizados e, mais, que permitem a ritualização da violência contra os sujeitos marcados como os outros.

O racismo, a misoginia, o terror destinado aos corpos LGBTQIAP+, o capacitismo e as demais rotas de violência compostas pela manutenção de uma “moral restritiva” 1 na contemporaneidade, compõem, por meio da circulação acelerada e da ausência de profundidade nas imagens, um enquadramento excludente, capaz de naturalizar os efeitos de brutalidade. Segundo o Professor e pesquisador Luiz Valério:

As plataformas e redes sociais têm possibilitado a ampliação dos discursos de ódio latente na sociedade brasileira […] quando as pessoas postam ou compartilham discursos de ódio nas redes sociais, elas estão simplesmente reforçando e reafirmando uma série de preconceitos arraigados em relação ao objeto do seu ataque. Essa reflexão é importante porque nos ajuda a compreender que as atitudes das pessoas no ambiente virtual não estão dissociadas do ambiente offline, de tal forma que os seus valores, crenças e ideologias são espelhados ou replicados nas redes sociais. 2

Se compreendemos a interdependência da vida online com a realidade offline e enxergarmos, com refinamento, que as tecnologias são instrumentos que amplificam as nossas capacidades criativas e comunicativas, é importante que sejamos capazes de investigar os processos pelos quais sujeitos negros, por exemplo, são reiteradamente alvos de discursos de ódio, bem como outros corpos que, por meio das composições normativas e coloniais, são reiteradamente atacados.

Nesse sentido, compreendemos que os dispositivos de poder e de normatização dos corpos recalibram as suas tecnologias de controle e mantêm, como estatuto de vigilância, os seus parâmetros de exclusão, “a busca por comportamentos considerados corretos” 3 e, ao mesmo tempo, a denúncia dos que se distanciam das suas insígnias, forjadas no ódio à diferença.

No instante em que vemos circular imagens de homens negros se digladiando sem que se questionem os efeitos e as nuances atrás dessa imagem, o que se faz é realocar esses sujeitos num lugar de animosidade fabricado pelo racismo.

Assim, é possível dizer que nós não nos esquecemos das estruturas acidentalmente. Esse “esquecimento”, na verdade, faz parte de um projeto de poder que se beneficia da manutenção dos estereótipos e desfoca a atenção para os sujeitos e realidades que se beneficiam da barbárie. É importante que sejamos capazes de discutir e de enfrentar os projetos de poder e de violação que se escondem atrás das imagens que circulam de forma acelerada e que tencionam neutralizar as nossas consciências e ações.

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Thiago Teixeira

 

Referências

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1.  TEIXEIRA, Thiago. Inflexões éticas. Belo Horizonte: Editora Senso, 2019, p. 35.

2. VALÉRIO, Luiz. Discursos de ódio nas redes. São Paulo: Jandaíra, 2022, p. 78.

3. RAYARA, Megg. O diabo em forma de gente: (r) existências de gays afeminados viados e bichas pretas na educação. Salvador: Editora Devires, 2020, p. 57.

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