Recentemente, viralizaram na internet mais algumas situações de petições exóticas. Refiro-me especificamente a uma petição em que um advogado inseriu, no meio da transcrição de uma jurisprudência1, uma receita de pamonha para tentar comprovar sua ideia de que juízes não leem as petições. Além de não acrescentar em nada para a declarada finalidade de defender os interesses do seu cliente, esse tipo de conduta serve apenas para que o seu idealizador apareça na internet.
Não vou mentir nem ‘passar pano’: como em toda profissão, existem os profissionais bons e ruins. Claro, há juízes e assistentes que não leem nenhuma petição, apenas utilizam modelos pré-prontos. Mas posso falar tranquilamente que esses são a minoria.
O que realmente acontece – e se você, meu leitor, for sensível, pode não gostar do que direi a seguir – é que, muitas vezes, a culpa de não ser lido é do próprio advogado que redigiu a petição.
Mas para entrar nesse assunto, é indispensável contextualizar. O Poder Judiciário brasileiro é sobrecarregado de trabalho e, embora tenha uma produtividade considerável, a extensão da interpretação do conceito de acesso à justiça leva a conhecimento dos Juízes anualmente milhares de ações que não justificariam o dispêndio de dinheiro público no seu julgamento, tal como as conhecidas (e já tratadas por mim nessa coluna) demandas predatórias.
O uso excessivo de juridiquês, a citação de dezenas de decisões ou doutrinas e o prolongamento injustificado da petição são condutas comuns. Apenas como exemplo, na Justiça Comum existem advogados que mencionam decisões do Judiciário Trabalhista para tentar fundamentar sua pretensão cível, ou outros advogados gastam páginas e mais páginas citando doutrinas em uma simples ação declaratória de inexigibilidade.
Outra conduta comum é o advogado simplesmente jogar em sua petição várias decisões, indevidamente denominadas de jurisprudência em vários casos, sem sequer mencionar quais são as similaridades com o caso que está sendo tratado nos autos. Isso ocorre frequentemente porque não há nenhuma similaridade, sendo transcritas apenas para dizer que há fundamento jurisprudencial.
Agora, imagine que você tem centenas de processos pendentes para dar andamento. Vários deles são temas cujas questões de direito você já conhece inteiramente, como ocorre com as ações declaratórias de inexigibilidade, as ações regressivas de seguro e as ações cominatórias contra as big techs pela desativação indevida de conta em rede social. Reflita: você lida com dezenas delas diariamente, faria sentido ler todas as decisões transcritas como jurisprudência, quando você já tem seu posicionamento firmado? A cada parágrafo da sua petição, volte e leia novamente o que foi escrito. Com isso, pense: será que tudo isso é realmente necessário? Ao entender isso, sua escrita vai melhorar, pois você retirará todo o excesso da sua petição.
E vou além, não sou contra o uso de inteligência artificial no auxílio da atividade desenvolvida pelo profissional do direito. Desde que esse profissional não delegue inteiramente sua atividade a ferramenta, acredito que utilizar esses métodos para tornar seu argumento mais enxuto, sem perder qualidade, pode ser uma ótima saída.
O uso do legal design não se restringe a utilizar QR Code nas petições ou empregar esquemas gráficos para melhor esclarecer determinadas situações. Ao contrário, você sequer precisa empregar a expressão “legal design” para refletir e atuar como gostaria que atuassem contigo caso você estivesse no lugar do seu interlocutor. Muitos chamariam isso apenas de empatia.
Aliás, quem não faz nada para colaborar com a efetividade do preceito da duração razoável do processo sequer deveria reclamar de processos que eventualmente estão em trâmite há mais tempo do que o esperado.
Eu tenho certeza absoluta que as petições bem escritas, bem fundamentadas e com o conteúdo estritamente necessário à satisfação da atividade jurisdicional serão lidas por quase todos os Juízes que eventualmente atuarem no processo. Mas muitas vezes, ao invés de melhorar o exercício da sua função, alguns profissionais preferem armar um circo para serem mencionados em alguns posts da internet.
Também não tenho nada contra aqueles profissionais que se identificam como influencers, que exibem seu patrimônio na internet ou seja lá qual for a atividade digital desenvolvida. O que não se pode admitir é que a defesa dos interesses das partes seja delegada a segundo plano.
Uma das citações mais sábias que eu já vi sobre o tema é: pare de escrever antes de parar de ser lido, portanto, vou ficando por aqui na coluna deste mês. Espero você em maio, nesse mesmo bat-local.
Notas
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1. Logo de início já criticarei quem utiliza o termo jurisprudência para nomear qualquer decisão transcrita em uma petição. Devemos lembrar que tecnicamente jurisprudência é uma decisão que representa um posicionamento reiterado em determinado sentido. Assim, várias transcrições são indevidamente denominadas de jurisprudência, quando se trata de um mero precedente (não vinculante).