Publicidade Processual e Proteção De Dados

Publicidade Processual e Proteção De Dados

direito, balança da justiça, sopesamento de direitos

Com a edição da Lei Geral de Proteção de Dados Lei 13.709/2018 o Brasil, progressivamente, atribuiu à proteção dos dados pessoais maior relevância jurídica. Todavia, a proteção retromencionada vai de encontro à publicidade processual, de modo que se faz necessária a compatibilização entre ambos os direitos.

O princípio à publicidade dos atos processuais encontra-se esculpida na Constituição Federal, especialmente por intermédio do artigo 5º, LX,1 do artigo 37 caput2  e do artigo 93, IX.3 Ademais, o Código de Processo Civil preconiza e reafirma em seu artigo 8º,4 artigo 1895 e artigo 1946 a publicidade dos atos processuais, sendo as hipóteses de segredo de justiça a exceção.

A consagração dos direitos relativos à publicidade dos atos praticados pelo Estado, notadamente em sua função jurisdicional, consubstancia a base da própria ordem democrática, de modo que, no contexto de um estado democrático de direito não se admite, como regra, a existência de atos reservados, sob os quais os indivíduos não possam ter conhecimento. Nesse sentido, a publicidade dos atos processuais integra o próprio conceito de devido processo legal, ao passo que os indivíduos podem fiscalizar a atividade jurisdicional, isto é, se a lei está sendo seguida. Destaca-se, todavia, que tal direito não se estabelece em função do conhecimento do conteúdo do caso concreto, mas no supervisionamento da aplicação do direito nos moldes e limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Complementarmente às disposições da Constituição da República e do Código de Processo Civil, a Resolução nº 121 de 2010 do CNJ preconiza a consulta processual mediante o acesso aos dados processuais eletrônicos, de modo que se garante o acesso de determinados dados relativos a um processo, por meios eletrônicos, a qualquer indivíduo. Dentre esses dados verificam-se o nome das partes e de seus advogados, bem como o inteiro teor das decisões, de mérito, ou não, proferidas até o trânsito em julgado.

Os autos, em sua completude, no qual se incluem qualificação completa das partes e documentos das mais diversas naturezas e fins, não são acessíveis ao público em geral. Todavia pode ser consultado no sistema eletrônico dos tribunais por advogados, procuradores, defensores públicos e membros do Ministério Público, bem como uma série de serventuários da justiça, estejam esses agentes vinculados ao processo, ou não.

Há de se destacar que a publicidade dos atos processuais é a regra no contexto do estado democrático de direito, e até então inexistiram grandes problemáticas a esse respeito no direito brasileiro. Entretanto, com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados, se instaurou no direito brasileiro um debate a respeito da compatibilização da publicidade processual e da proteção de dados.

No contexto da sociedade da informação, cada vez mais os dados são coletados de forma automática e quase sincronicamente à sua criação. Nesse sentido, verifica-se um potencial lesivo no não tratamento dos dados derivados de processos disponibilizados eletronicamente.

A LGPD não se limita a regular o tratamento de dados no âmbito privado, atuando, também, extensivamente no âmbito público. Logo, não se faz necessária uma regulamentação específica do assunto no âmbito do Poder Público, a própria LGPD impõe a Administração Pública o dever de adequação à proteção de dados.

Nessa linha de intelecção, o poder judiciário, em todas suas instâncias, deve se adequar à LGPD, seja na consulta processual, na publicação de decisões, na movimentação processual e, até mesmo na pesquisa de jurisprudências.

O sigilo dos dados imposto pela LGPD deve ser compatilizado ao princípio da publicidade processual, no sentido de permitir a consulta de informações relativas ao processo, todavia todas as informações pessoais das partes devem ser anonimizadas, impossibilitando, assim, sua utilização para fins obscuros ou ilícitos.

O STF deverá anilisar tal situação no julgamento do Tema nº 1141 de Repercussão Geral.

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Clayton Douglas Pereira Guimarães

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

 

Referências

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1. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/2Ti0aIT. Acesso em: 16 jul. 2021.)

2. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/2Ti0aIT. Acesso em: 16 jul. 2021.)

3. Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/2Ti0aIT. Acesso em: 16 jul. 2021.)

4. Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. (BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015. Disponível em: https://bit.ly/3xL5HGP. Acesso em: 16 jul. 2021.)

5. Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I – em que o exija o interesse público ou social; II – que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. (BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015. Disponível em: https://bit.ly/3xL5HGP. Acesso em: 16 jul. 2021.)

6. Art. 194. Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções. (BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015. Disponível em: https://bit.ly/3xL5HGP. Acesso em: 16 jul. 2021.)

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