A origem da família se perde no tempo da humanidade, o que faz com que não se possa definir sua extensão, mas sabe-se que na antiguidade os seres humanos começaram a se organizar o que hoje pode-se chamar de famílias, muitas vezes formadas a partir de um ancestral comum ou pelo casamento; e com o tempo fixou-se em torno do patriarca do grupo.
Assim é possível afirmar que a família é a unidade social do ser humano, e através do tempo veio se modificando na sua forma de constituição e costumes; mas apesar disso o que se verifica na contemporaneidade, em especial no meio jurídico e no judiciário é diferente do que as pessoas vivem no seu dia a dia.
É preciso estabelecer que as famílias, apesar de cada uma terem seu próprio mundo, tem em comum o motivo da sua constituição: o afeto. É a afetividade que leva as pessoas a desejarem formar as suas famílias.
Apesar de ser de fácil constatação que os afetos se formam independente de conceitos sociais, em um primeiro momento, a legislação brasileira deu status jurídico apenas para as famílias que eram estabelecidas a partir do matrimônio, o que significava apenas naquelas relações estabelecidas entre um homem e uma mulher casadas civilmente.
Nesse primeiro momento, ignorando a realidade, o que vigorava juridicamente era a visão moral da época, e aqueles que não a seguiam eram penalizados com a invisibilidade e a punição, em regra, patrimonial. Portanto, a única família que existia era a família matrimonizada.
Percebe-se que, naquele momento, o elo que une as famílias, ou seja, o afeto não era o elemento primordial para que uma família fosse reconhecida pelo Estado e pelo sistema jurídico.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 que estabeleceu a igualdade de gênero e também a proteção das famílias, poderia se afirmar que o olhar para as famílias que viviam fora do estabelecido pela legislação anterior, mas a verdade é que isso não se alterou na realidade, e mesmo ainda hoje se busca atingir o há muito já se determinou na nossa carta magna.
Apesar disso, pode-se sim afirmar que o afeto ganhou status jurídicos, e é considerado um princípio, mesmo que não se encontre na legislação brasileira, e até mesmo na Constituição Federal de 1988, se encontre qualquer disposição sobre a afetividade.
Como bem assevera Maria Berenice Dias, os fundamentos que consagram o direito a afetividade estão baseados nos demais princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana (art.1º, III, CF), solidariedade (art. 3º, I, CF), reconhecimento da união estável (art,226, S 3o, CF), proteção a família monoparental e dos filhos por adoção (), paternidade responsável (art.226, S 4º, CF), adoção como escolha afetiva (art.227, S 5º, CF), igualdade entre os filhos, independente das origens (art.227, S6o, CF).
Portanto, a partir da Constituição Federal de 1988 as famílias diversas das matrimonizadas saem do véu da clandestinidade e passam a ter existência jurídica, ainda que apenas de forma abstrata da lei, já que a prática demonstra que ainda há muita resistência social em aceitar a diversidade, seja ela nas pessoas, seja na formação das famílias.
E ao Estado cabe garantir que as famílias vivam de forma plena, sem interferência externa, até mesmo dele próprio, até mesmo porque a felicidade, também, passou a ser um direito a ser garantido, seja em caráter social, seja como direito social.
Não se esquecendo, ainda, que uma vez que a Constituição Federal proibiu o recesso ao retrocesso social, estabelecendo entre outras coisas o pluralismo das entidades familiares merecedoras de proteção. Por isso é dever do Estado assegurar que todas as famílias tenham proteção e possam viver amplamente a forma que decidiram se constituir; afinal a felicidade também passou a ser
E, não mais se confundindo conjugalidade com parentalidade, é que foi possível pessoas se unirem com o único e exclusivo desejo de gerarem filhos, e ainda sim estarem protegidos como espécie de família.
Surge, assim, a família coparental, definida como aquelas pessoas que desejam unir-se para gerar filhos, mas não o desejam fazer em conjunto com uma relação de conjugalidade, em alguns casos sequer querem manter relações sexuais.
A paternidade será compartilhada, e os filhos serão registradas em nome de ambos os genitores, que exerceram de forma igualitária o poder familiar. Não há que se falar, também, nos gêneros desses genitores, podendo a coparentalidade ser estabelecida entre parceiros heteroafetivos ou homoafetivos.
Apesar do afeto como guia da formação da família, e aqui não seria diferente, é comum que os genitores optem pelo contrato de geração de filhos, evitando-se conflitos futuros, até mesmo quanto a atribuição da paternidade/maternidade de ambos.
Por ser uma conquista recente, não há lei específica que regulamente a coparentalidade, mas é possível basear-se na legislação que regula a situação de casais divorciados quanto à guarda do filho e pensão alimentícia, por exemplo.
O contrato é importante, portanto, para oferecer mais garantia às partes, as cláusulas regrarão a parentalidade, e em caso de descumprimento podem servir de base para os procedimentos judiciais que se fizerem necessários.
Não é preciso temer o desenvolvimento dos filhos havidos da coparentalidade, afinal trata-se de uma situação similar aos filhos de pais divorciados, devendo ter como objetivo o afeto parental que permanece entre pais e filhos, independente dos seus pais viveram um relacionamento afetivo.
Mas é possível que os genitores comecem a ir além da coparentalidade e passem a manter um vínculo conjugal, o que transformará essa relação em uma, possível união estável com todos os diretos advindos dela, em especial o patrimonial. Portanto, é preciso que as partes envolvidas fiquem atentas ao que realmente desejam, impedindo consequências indesejáveis
De todo o ora exposto, ao revisitar a trajetória jurídica da família, é possível perceber que o que antes era instituído pela norma, hoje é legitimado pelo afeto. O Direito, que durante séculos se manteve distante das emoções humanas, passa a reconhecer que a essência da convivência familiar não se encontra em rótulos ou formalidades, mas no vínculo que se constrói pelo cuidado, pela presença e pela responsabilidade afetiva.
Afinal, o Direito de Família não é apenas um ramo do ordenamento jurídico; é, também, o espaço onde o afeto ganha voz, forma e reconhecimento. E talvez seja essa a sua mais bela evolução: deixar de ser instrumento de controle para tornar-se instrumento de cuidado. E cabe a nós, sermos, também, instrumentos para que as famílias realizem seus sonhos e seus afetos.
Referências
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DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 16ª edição – São Paulo. Editora Jurispodium, 2023.
Coparentalidade: 6 curiosidades sobre contrato de geração de filhos. Disponível em: site.
SOLEDADE, Larissa Almeida daContrato de Coparentalidade Como Forma de Constituição Familiar. Disponível em: site
VIEIRA, Danilo Porfírio de Castro. O contrato de coparentalidade e a finalidade (ir)resistível: A (des)caracterização da união estável. https://www.migalhas.com.br/depeso/338576/o-contrato-de-coparentalidade-e-a-finalidade–ir-resistivel–a–des-caracterizacao-da-uniao-estavel