Recuperações e Falências: Breves considerações acerca das consolidações judiciais

Recuperações e Falências: Breves considerações acerca das consolidações judiciais

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Como dito na coluna anteior, até o ano de 2020, tema fundamental para a disciplina que não possuía tratamento específico na Lei nº 11.101/2005 (LRF) se referia ao processamento da recuperação judicial de grupos de empresas em um mesmo procedimento (consolidação processual), tal como a possibilidade de apresentação de um único plano de recuperação judicial para as empresas que integram o mesmo grupo econômico (consolidação substancial).

Ao longo dos estudos em Recuperação de Empresas e Falências, em muito, questiona-se a ferramenta da Consolidação judicial. Tal artifício consubstancia-se, em etapa posterior da fase processual, na consolidação de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, excepcionalmente, quando constatada a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos.

Sendo assim, é necessário que se faça saber as peculiaridades de cada consolidação face a um melhor entendimento da finalidade. A consolidação substancial, tem origens na evolução jurisprudencial do sistema norte-americano. Ainda que não haja previsão expressa no Código de Insolvências dos Estados Unidos, sua aplicação encontra fundamento nos equitable powers conferidos aos magistrados pelo art. 105(a) do US Bankruptcy Code.

Antes da reforma legislativa da lei nº 11.101/05, os requisitos para a consolidação substancial consistiam na previsão do art. 50 do Código Civil, isto é, da desconsideração por abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Isso sob o argumento de que se as próprias empresas se desviaram de sua autonomia patrimonial, é coerente que o Poder Judiciário o faça, também.

A consolidação substancial significa ir além da processual, vez que, as sociedades recuperandas não apenas têm o pedido processado conjuntamente, como sua autonomia patrimonial é, por exceção, afastada, de maneira a unificar as listas de credores e, consequentemente, fazer com que o seu plano de recuperação judicial seja deliberado em assembleia única, por todos os credores de todo o grupo econômico.

Neste giro, passa-se a ter situação de litisconsórcio unitário (art. 116, CPC), em que todas as sociedades do grupo terão inevitavelmente o mesmo destino: terão seu plano de recuperação judicial aprovado ou rejeitado – com a consequente decretação de falência de todo o grupo (art. 69-L da Lei 11.101/05) –. Portanto, será apresentado único plano de recuperação, que reunirá todos os credores em um mesmo quadro-geral, os quais votarão em assembleia conjunta.

Com relação ao tema da consolidação substancial, ensinam Daniel Carnio Costa e Alexandre Correa Nasser de Melo:

Na consolidação substancial, a autonomia patrimonial das sociedades recuperandas é afastada. Trata-se de fenômeno intimamente ligado ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que haverá a desconsideração das estruturas divisórias das várias pessoas jurídicas que integram o grupo econômico que ajuizou o pedido de recuperação judicial de forma conjunta. (COSTA; MELO, 2021, p. 197-198)

Deste modo, ativos e passivos dos devedores serão tidos como pertencentes a único devedor. Haverá, assim, a extinção “imediata de garantias fidejussórias e de créditos detidos por um devedor em face de outro” (§1º), o que remete à figura da confusão, prevista nos art’s 381 a 384 do CC. Logo, a lei afirma que, na hipótese de consolidação substancial, as empresas em RJ serão tratadas como uma única entidade. A lei, assim, criou uma ficção, um CNPJ imaginário formado pelo patrimônio consolidado de todas as empresas devedoras.

Hoje, em suma, a previsão legal vigente – art.’s 69-J a 69-L da 11.101– determina que será autorizada a consolidação substancial quando for verificada a interconexão ou confusão entre ativos e passivos das devedoras, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou recursos, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, duas das seguintes hipóteses: (i) existência de garantias cruzadas; (ii) relação de controle ou dependência; (iii) identidade total ou parcial do quadro societário; (iv) atuação conjunta no mercado entre as postulantes.

Assim, vê-se como acertada a indicação de requisitos para a consolidação substancial, de forma que caberá à jurisprudência e a doutrina delimitar a correta interpretação que a eles deve ser dada. A ressalva fica por conta do art. 69-J não ser claro sobre a necessidade, ou não, de a consolidação substancial ser aprovada pela assembleia-geral de credores.

Isso porque, ao estabelecer que “o juiz poderá, de forma excepcional, independentemente da realização de assembleia” autorizar a consolidação substancial, induz o entendimento de que a excelência poderá autorizar a depender (ou não) do que a assembleia decidir. A lei, aparentemente, “teria criado duas possibilidades de admissão da consolidação substancial: (i) de forma excepcional, pelo juiz, sem ouvir a assembleia e (ii) de forma ordinária, dependendo da decisão da Assembleia Geral de Credores (ASG) (TJSP, AI 2072604-95.2018.8.26.0000, 2ª C. Res. D. Emp., Rel. Des. Araldo Telles, j. 30.07.2018).

Assim, vê-se que jurisprudência ainda não pacificou, em âmbito nacional, tal discussão, uma vez que os entendimentos tendem, em alguns casos, a considerar que os credores devem ser previamente consultados sobre a apresentação de plano único (TJSP, Proc. nº 1030812-77.2015.8.26.0100, 2020), enquanto, em outros, ordena a apresentação unitária do plano, sem passar pelo crivo da ASG (TJSP, AI nº 2262371-21.2019.8.26.0000, 2019). No TJMG, a que se pesar, as decisões já são no sentido de que a consolidação poderá se dar com ou sem o aval da assembleia (TJMG.  AI nº  1.0000.20.018067-7/000, 2021).

Em suma, a consolidação processual permite o processamento em conjunto do pedido de recuperação judicial de sociedades do mesmo grupo econômico, de modo a configurar litisconsórcio ativo, com apresentação de distintos planos de recuperação judicial, sendo que as disposições do plano não afastam a regra da autonomia patrimonial de cada uma delas, as quais continuam respondendo com seus ativos pelas dívidas contraídas perante seus respectivos credores. Porém, há casos, em que além da processual, ocorre a consolidação substancial ou material, de modo a tratar as autoras litisconsortes como única entidade, com apresentação de único plano, que contemplará os ativos do grupo para pagamento de todos os credores, de forma a desconsiderar a individualidade e autonomia patrimonial.

Assim, é possível ter empresas do mesmo grupo em recuperação com a preservação de suas personalidades jurídicas e autonomias ou com a desconsideração das mesmas, pela apresentação – em conjunto – de plano unitário que congregará todos os ativos do grupo em recuperação e será votado por todos os credores das empresas.

Portanto, entre uma consolidação e outra, nota-se que ambas ocorrem visando unificar processos diversos, um para cada sociedade empresária, embora consolidados, de modo que tomem o mesmo rumo por uma questão de economia processual e segurança para seus credores. Neste giro, nada mais natural senão que cada componente do polo proponha meios de recuperação independentes e específicos para a composição de seus passivos (art. 69-I, § 1o), embora seja admitida a sua apresentação em plano único – no caso substancial – (art. 69-L).

Ainda assim, uma dúvida que fica se fixa no fato de que consolidar todos os credores e todas as dívidas das empresas pode ser benéfico para um grupo de credores e prejudicial para outro, a depender de cada situação concreta, pois os ativos de uma empresa podem ser mais valiosos do que os da outra; uma empresa pode estar mais endividada do que a outra etc. Por isso, o tema é usualmente debatido pelos personagens que atuam no processo de recuperação.

Por fim, considerando que até recentemente não havia previsão legal quanto aos critérios para o deferimento e os procedimentos das consolidações processual e substancial, conclui-se que o acréscimo à LRF pela lei 14.112/20 traz maior segurança jurídica e previsibilidade decisória para o sistema de insolvência, uniformizando a atuação dos magistrados e reduzindo a discricionariedade entre outras burocracias processuais.

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Túlio Coelho Alves

 

Referências

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BRITTO, Rafael Campos Macedo. Crítica face a imprecisão legislativa no tratamento da consolidação substancial no processo de Recuperação Judicial. Migalhas. 2021.Disponível em: https://bit.ly/38c9TYl. Acesso em 03 abr. 2022.

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