Recuperações e Falências: Breves considerações acerca das consolidações processuais

Recuperações e Falências: Breves considerações acerca das consolidações processuais

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Até o ano de 2020, um tema importante que não possuía tratamento específico na Lei nº 11.101/2005 (LRF) se refere ao processamento da recuperação judicial de grupos de empresas em um mesmo procedimento (consolidação processual), tal como a possibilidade de apresentação de um único plano de recuperação judicial para as empresas que integram o mesmo grupo econômico (consolidação substancial). Hoje, trataremos, em específico, a processual.

Ao longo dos estudos em Recuperação de Empresas e Falências, em muito, intriga a ferramenta da Consolidação processual. Tal artifício, acarreta a coordenação de atos processuais, garantida a independência dos devedores, seus ativos e passivos. Conquanto, sua semelhante, a substancial, consubstancia-se, em etapa posterior, na consolidação de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, excepcionalmente, quando constatada a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos.

Sendo assim, é necessário que se faça saber as peculiaridades de cada consolidação face a um melhor entendimento da finalidade. A começar pela consolidação processual: na Lei Nº 11.101/ 2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência, se incluiu a seção IV-B pela Lei nº 14.112, de 2020 – para disciplinar a recuperação judicial e falência de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, de fato ou de direito –, nos art. 69-G a 69-I, especificamente, que os devedores que atendam aos requisitos previstos na Lei e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual. De modo que haja a coordenação de atos processuais, garantida a independência dos devedores, dos seus ativos e dos seus passivos.

Assim, Os devedores proporão meios de recuperação independentes e específicos para a composição de seus passivos, admitida a sua apresentação em plano único. Enquanto, aos credores de cada devedor, caberá deliberar em assembleias-gerais de credores independentes.

Ressalvando-se sempre, conforme disposição dos §§ 4º e 5º do 69-I, que a consolidação processual não impede que alguns devedores obtenham a concessão da recuperação judicial e outros tenham a falência decretada. Assim como, que o processo será desmembrado em tantos processos quantos forem necessários.

A grosso modo, a consolidação processual reúne as empresas de um mesmo grupo econômico no polo ativo de um único processo, permitindo, ainda assim, que cada empresa seja tratada separadamente, respeitando as suas personalidades jurídicas.

Portanto, cada pessoa jurídica devedora poderá solicitá-la, desde que preencha os requisitos, apresente individualmente a documentação exigida, conforme seus ativos e passivos e indique planos de recuperação autônomos, formulados conforme as circunstâncias de cada uma, ou, um plano único, mas subdividido, de forma que seja possível identificar as medidas previstas para cada devedora.

Assim, os atos processuais são coordenados para evitar uma multiplicidade de processos que oneraria excessivamente o Poder Judiciário e dos quais poderiam resultar decisões conflitantes ou desencontradas. Veja que um único feito envolvendo as empresas integrantes de um mesmo grupo econômico também aprimora a atuação do magistrado, que pode compreender a crise em todas as suas nuances.

Tal inovação encontra relevância no fato de que – enquanto não havia previsão na lei 11.101/05 – a consolidação processual se baseava somente nas regras do litisconsórcio ativo previstas no CPC, tendo como critérios a comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide, a conexão pelo pedido ou pela causa de pedir ou a afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito, que ensejam a postulação em conjunto. Como em acórdão proferido pelo Ministro Cueva, do STJ, no REsp nº 1665042/RS: “a admissão do litisconsórcio ativo na recuperação judicial obedece a dois importantes fatores: (i) a interdependência das relações societárias formadas pelos grupos econômicos e a necessidade de superar simultaneamente o quadro de instabilidade econômico-financeiro, e (ii) a autorização da legislação processual civil para as partes (no caso, as sociedades) litigarem em conjunto no mesmo processo (art. 113 do CPC/2015 e 46 do CPC/1973) e a ausência de colisão com os princípios e os fundamentos preconizados pela LRF” (STJ – REsp: 1665042 RS, 2019)

Portanto, com a Lei reformada, garantiu-se a independência dos devedores. E, ainda que a consolidação processual não impeça que devedores obtenham a concessão da recuperação judicial ou possam ter a falência decretada, considerando a realidade econômico-financeira de cada um, se ocorrer, o processo será desmembrado em tantos autos quantos necessários, visto que há diferenças entre os procedimentos recuperacional e falimentar.

Como explicitado, condizente seria dizer que a consolidação processual comporta uma gama de empresas devedoras compondo único processo, cada qual empossada de projeto próprio de recuperação, sem que haja a somatória dos grupos de credores, quiçá a reunião dos ativos e passivos, guardadas as devidas ressalvas. Vez que a substancial pode confirmar presença, conforme decisão do juiz competente. Afinal, como se verá, na consolidação substancial, o projeto de recuperação e o processo são únicos para todas as recuperandas e credores.

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Túlio Coelho Alves

 

Referências

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