Quando as pessoas iniciam um relacionamento, seja um casamento ou união estável, geralmente estão apaixonadas, com a dopamina em alta e não se preocupam com a escolha do regime de bens a ser adotado pelo casal, desconhecendo, muitas vezes, as consequências jurídicas por esta escolha. Assim, casam-se sem refletir sobre as questões patrimoniais e não ponderam as implicações na hipótese de uma ruptura conjugal, seja por divórcio ou falecimento. Neste artigo pretendo tratar com você sobre quais regimes de bens temos no Brasil e nas consequências em caso de divórcio ou dissolução da União Estável.
O regime de bens é o “conjunto de normas que disciplina a relação jurídico-patrimonial entre os cônjuges, ou, simplesmente, o estatuto patrimonial do casamento”.1 Em outras palavras, o regime de bens compõe o conjunto de regras relacionadas à proteção e à administração do patrimônio do casal durante a conjugalidade e, no Brasil, essas regras estão previstas no Código Civil de 2002, nos artigos 1.639 a 1.688.
Temos alguns princípios, os quais direcionam o regramento jurídico: o princípio da liberdade de escolha, o qual aponta que os cônjuges têm a liberdade de escolher o regime de bens que desejam adotar em seu casamento ou união estável, personalizando-o de acordo com suas circunstâncias financeiras e preferências, desde que estejam dentro das opções legais.
O princípio da variabilidade, relacionado à capacidade de os cônjuges mudarem o regime de bens durante o casamento, se desejarem, com a possibilidade de ajustar o regime de acordo com as mudanças nas circunstâncias do casal ao longo do tempo; e o princípio da mutabilidade, que se refere à capacidade de os cônjuges adaptarem o regime de bens de acordo com suas necessidades ao longo do casamento ou união estável, permitindo ajustes para refletir suas situações financeiras e familiares em evolução.
No Brasil temos quatro opções de regime de bens: comunhão parcial (prevista no artigo 1.658 e seguintes); comunhão universal (prevista no artigo art.1.667 e seguintes); separação total (convencional e a obrigatória – prevista nos artigos art. 1.687 e 1.688) e participação final nos aquestos (prevista no artigo 1.672 e seguintes).
O momento da escolha é oportunizado antes de ocorrer o casamento, quando os futuros cônjuges (também conhecidos por nubentes) escolhem, ou deveriam escolher de forma consciente, qual regime de bens se adequa ao patrimônio familiar do casal.
Inclusive, as pessoas que optarem por viver na modalidade de União Estável, caso o façam por meio da pactuação formal, seguirão na escolha das mesmas regras disponíveis aos nubentes; porém, caso permaneçam em União Estável sem qualquer tipo de formalização, no silêncio da escolha, a lei determina que o regime patrimonial será da comunhão parcial de bens.2
Para aqueles que pretendem construir juntos seu patrimônio familiar, seja do zero ou ainda sem misturar com o patrimônio que já possuem (chamado de bens particulares), a sugestão é a escolha do regime da comunhão parcial de bens.
Portanto, para os casais que optarem por este regime, os bens existentes, anteriormente ao casamento e os adquiridos após este por doação ou herança, não entram no patrimônio dos bens do casal.
Mas existem detalhes a serem observados: caso os bens particulares gerem dividendos durante o matrimônio, por exemplo o aluguel de um imóvel ou ainda o rendimento de uma aplicação financeira, esses valores recebidos por um dos cônjuges em razões da propriedade do bem particular se comunicarão na relação conjugal, e integrarão o patrimônio do casal.
Temos também o regime da comunhão total de bens, este regime precisa de um pacto antenupcial para ser estabelecido e nele os cônjuges convencionam incluir a comunicação de todos os bens presentes e futuros, assim como as suas dívidas (art. 1.667 do CC) exceto aqueles que não foram contraídas em benefício da família.
Porém caso o casal tenha situações financeiras muito diversas e/ou administrem seus bens a sua maneira, o indicado é o regime de separação convencional de bens, que é feito mediante um Pacto Antenupcial com cláusula expressa.
O funcionamento deste regime se dá pelo fato de os cônjuges optarem pela incomunicabilidade dos bens existentes e futuros, assim, cada cônjuge é responsável, de forma independente e livre, em conservar e administrar o seu patrimônio, assumindo integral e individualmente a responsabilidade por qualquer dívida contraída.
E, mesmo com matrimônio separado, cada um dos cônjuges contribui na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seu patrimônio para o seu sustento e dos filhos em comum, mas caso seja de interesse, inclusive esta questão pode ser avençada no pacto antenupcial de forma diversa.
Nessa modalidade, não subsiste patrimônio comum, trata-se de uma estrutura simples na qual existem dois patrimônios distintos relacionados a cada cônjuge em separado, e em caso de divórcio, não existe partilha de bens.
O regime de bens da separação obrigatória é o mais severo, pois ele não dá liberdade às partes escolherem, são obrigadas por lei a se casar neste regime pessoas que se divorciaram ou são viúvas, e ainda não fizeram a partilha dos bens e, também, as pessoas com 70 anos de idade (ou mais).
Neste regime, a autonomia privada da pessoa idosa é mitigada sob a justificativa protetiva dos bens da pessoa idosa, o que é uma pena, afinal o brasileiro vive mais, e merece permanecer com a escolha sobre o destino do seu patrimônio.
Mas ele não é idêntico à separação convencional com a exclusão total de qualquer ligação de bens dos cônjuges, pois aqui, o Superior Tribunal Federal entendeu que é possível a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento (aquestos) provenientes de esforço comum (súmula 377). Desconfio que com a reforma do Código Civil em andamento este artigo vai perder valor e sairá do Código, veremos…
Por fim o regime menos usado, mas deveras interessante, é o de participação final dos aquestos, no qual cada cônjuge conta com patrimônio próprio durante o casamento, e em caso de divórcio, o patrimônio dos bens adquiridos onerosamente é dividido na metade para cada cônjuge.
Portanto, durante o casamento, o regime válido fica sendo o da separação de bens e, apenas no momento da dissolução da conjugalidade, passa a vigorar o regime da comunhão parcial de bens.
A Lei também prevê a possibilidade de mudar de regime no curso do casamento (1.639, Parágrafo 2º do CC/2002), e para a mudança esta deve ser solicitada pela via judicial, a fim de assegurar a parte hipossuficiente econômica da relação e, também, na proteção e direitos de terceiros de boa-fé.
É muito importante a escolha do regime de bens, antes de viver maritalmente com alguém, seja no casamento ou na união estável, pense nisso!
Referências
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1. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. 6: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 113.
2. LAS CASAS, Fernanda. FALEIROS JUNIOR, José Luiz de Moura. Partilha de Bens digitais. In: Manual de Direito na Era Digital. (Coordenado Anna Carolina Pinho). Indaiatuba: Foco, 2023, p.145.