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Representatividade: a que se destina?

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A representatividade desmantela as formas e forças de poder que historicamente recusam o protagonismo político, afetivo, cultural e intelectual, de sujeitos subalternizados. Essas forças de poder se valem da estratégia de apagar grupos minoritários para a afirmar, de forma expressivamente violenta, a centralidade de identidades políticas que perpetuam as hierarquias sociais. Trata-se de uma operação que não afasta em absoluto os sujeitos designados como “os outros”, pois a sua presença é utilizada como parâmetro, como forma de enunciar o que pode e o que não pode ser reconhecido como vida.

A representatividade — enquanto força que refuta os sistemas de marginalização e de apagamento político-social — não pode ser efetivada enquanto identidades forem negligenciadas. Ela não se confunde com o ocultamento de presenças políticas, pois esse escondimento justifica: o extermínio das humanidades, a depreciação de saberes e cosmo-experiências e a intencional despreocupação com a morte, simbólica e objetiva, de corpos lidos à distância da norma. Ademais, a representatividade não pode coexistir com as dinâmicas de silenciamento, pois ele impulsiona: a perpetuação dos discursos unilaterais, dos valores cristalizados e da tentativa sistemática de desautorizar a expressividade de sujeitos que — ao denunciar a violência que se enraíza na execução de sua fala — desafinam o tom da norma.

Mais que um desejo, a representatividade depura a democracia dos seus resquícios coloniais, modernos e restritivos. No cerne dessa expurgação está a valorização e a presença da diferença, uma vez que ela, a diferença, foi obliterada por projetos políticos alicerçados na hegemonia — enquanto ideologia da destruição — e na homogeneidade — como desprezo pela pluralidade de corpos, presenças, afetos e costumes. A representatividade e a diferença se retroalimentam e de forma disruptiva destronam grupos majoritários articulados na raça, na ciseterobrutalidade, nos privilégios econômicos/territoriais e no capacitismo, por exemplo.

Não se “dá voz” a nenhum grupo que, no esquadro do necropoder, é designado como sub-humanidade. A representatividade, enquanto reorganização política, afirma e ecoa, como um compromisso ético inegociável, vozes que existem, mas são abafadas por práticas, valores e organizações de poder que fingem não reconhecer a sua presença.

Enquanto fissura, descontinuidade e exercício ético, a representatividade rompe com as políticas que se nutrem da execução de corpos dissidentes. Nesse sentido, é relevante compreender a potência simbólica e objetiva que ocorreu no dia primeiro de janeiro de 2023, quando um grupo diverso de pessoas entregou a faixa presidencial à Luiz Inácio Lula da Silva.  Estamos cientes de que a mudança não foi apenas no protocolo, mas na direção de uma política que se afasta da representação — uma vez que ela ajusta identidades sociais aos parâmetros restritivos da maioria — e que avança na dinâmica democrática da representatividade.

Grifamos, no entanto, a necessidade de ampliar os esquadros do reconhecimento. Ao alargarmos esse enquadramento, nós somos capazes de desfazer a técnica do esquecimento que tanto contribuiu para naturalizar as violências estruturais. Um exemplo disso é a ciseterobrutalidade que faz com que se oculte deliberadamente a humanidade de sujeitos LGBTQIAPN+, bem como se banalize sua narrativa, produção cultural e intelectual. O esquecimento, alinhado ao ocultamento e ao silenciamento, funciona como mecanismo de perpetuação das brutalidades, inclusive, no âmbito institucional. Assim, respondendo à questão que dá subtítulo ao nosso texto: a representatividade desoculta presenças, desfaz as políticas que destroem sujeitos para afirmar trincheiras entre as humanidades e não esquece de nenhum corpo, requisitando a sua presença, articulação e liberdade.

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