Responsabilidade dos sócios por ação de corrupção do CEO

Responsabilidade dos sócios por ação de corrupção do CEO

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INTRODUÇÃO

O seguinte artigo é um estudo realizado a luz de um caso hipotético, no qual em um procedimento arbitral duas empresas discutem um acordo de Share Purchase Agreement (SPA), em que se determina, pela compradora, o compromisso com a instrução n°358 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em sua cláusula compromissória. Cláusula analisada em decorrência de não ser informado, anteriormente à data do closing do acordo, o fato de a compradora estar relacionada a um esquema de corrupção de membro do Governo Estadual, adquirindo, com o processo, maior competitividade no mercado de exportação decorrente da redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), sendo divulgada posteriormente por vazamento do acordo de delação premiada do antigo CEO, mas ocultadas pela empresa durante divulgação da demissão deste.

Ademais, em delação premiada o mesmo CEO, responsável pela prática criminosa, disse que embora o produto da empresa possuísse grande interesse no mercado externo, em decorrência dos custos de pesquisa, produção e transporte, o preço era demasiadamente elevado, e acabava por prejudicar a competitividade do produto na exportação.

Portanto, em vista desse cenário, essa pesquisa trará formas de interpretar um caso de valores mobiliários identificando pontos para a defesa da possibilidade da arbitragem por outras câmaras que não relacionadas a CVM, assim como do investidor (como o elo mais fraco da relação) levando-se em estudo a legislação vigente, as normas da CVM juntamente com a sua função social, assim  como doutrinas e jurisprudências.

SOBRE A POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA INSTRUÇÃO POR CÂMARAS DE ARBITRAGEM QUE NÃO RELATIVAS A CVM

Nesse caso concreto, se mostra importante determinar, em um primeiro momento, que a análise de mérito da instrução n°358 não é de determinação exclusiva da câmara desta instituição, haja vista não haver previsão em nenhum artigo, instrução pela própria CVM, ou na lei de sua criação. Com efeito, embora seja uma matéria proposta e elaborada pela Comissão de Valores Mobiliários, a qual possui câmara arbitral própria, não há restrição jurisdicional para análise de sua matéria por outras câmaras de arbitragem.

Ademais, no que tange a esfera de proteção dos direitos do investidor, como discorre André Gomes de Sousa Alves,1

Os arranjos institucionais da nova ordem do mercado financeiro, inclusive o fictício, demandam uma relação onde se sobreleva situações de desigualdade, tendo-se como consequência a vulnerabilidade do investidor que se mostra cada vez mais latente, de maneira que o mercado busca por formas de saneamento de sua instabilidade.

Necessita-se, portanto, formas de reequilibrar o “jogo mercadológico”, que o autor identifica como microssistemas existentes, como exemplo a CVM, entre outros. Tendo-se tal questão em mente, seria contrário ao próprio intuito da norma, e da CVM (descrito no art.4° da lei n°6.385/76)2 , de proteção do investidor, que seus limites fossem restringidos unicamente a arbitragens realizadas pela própria Comissão de Valores Mobiliários, uma vez que não traria maior eficácia e segurança ao mercado e aos investidores.

Em virtude dos fatos apresentados, demonstra-se que, em decorrência da necessidade de proteção do elo mais fraco da relação (na figura do investidor), o legislador brasileiro determinou mecanismos para reequilibrar a lógica do mercado de capitais, os quais criaram normas para a área de valores mobiliários, com a finalidade de garantir estabilidade e segurança desta. Sendo assim, se demonstra contrário ao intuito da norma, conjuntamente ao do microssistema determinado pelo legislador, e um fato atípico, no sentido de não coincidir com nenhum texto positivado na lei ou instrução da CVM a exclusividade de mérito da análise da instrução 358 por tal Instituição.

SE HOUVE VIOLAÇÃO DA INSTRUÇÃO NORMATIVA E O DIREITO A INDENIZAÇÃO

Em segundo ponto relevante para debate, sobre se houve violação da instrução CVM n°358, a informação não divulgada pela empresa se enquadra no art.2° da instrução, por se tratar de uma decisão de acionista controlador, fato econômico-financeiro que poderia influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, e na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter os valores mobiliários.

Situação paralela a julgada pela CVM, a qual condena a empresa OI, na figura de sua diretora de relação com investidores (DRI), pela não divulgação de informação que causou oscilação atípica no valor mobiliário:

Ante o exposto, a SEP concluiu pela responsabilização de CAMILLE FARIA, na qualidade de DRI da Oi, por infração, em tese, ao disposto no art. 157, §4º, da Lei n o 6.404/76 c/c arts. 3º e 6º, parágrafo único, da Instrução CVM nº 358/02 (“ICVM 358”), em razão de não ter divulgado FR sobre a Operação, em 20.01.2020, quando houve a perda do controle de informação relevante anteriormente mantida em sigilo e foi identificada oscilação atípica nos negócios com valores mobiliários de emissão da Companhia.3 

Outrossim, tal informação, no cenário em questão, acabou por afetar o equilíbrio do mercado mobiliário, e em decorrência de sua omissão, houve prejuízo na confiança dos investidores no mercado e prejuízo da parte investidora no SPA, pela perda de capital por informação não divulgada e conhecida pela compradora anteriormente ao fechamento do contrato.

No que tange a indenização do investidor, segundo Luis Antonio Rizzatto Nunes,4

[…] provocar o entendimento de que os direitos fundamentais não devem ser encarados apenas como direitos de defesa contra interferências ilegítimas do Poder Público, mas tratados como princípios objetivos, legitimadores da ideia de que o Estado também se obriga a garanti-los contra agressões propiciadas por terceiros. Direitos à proteção contratual, à simetria informacional, à transparência da relação e à proibição de práticas comerciais abusivas e enganosas, são, portanto, alçados a instrumentos reais de efetividade e eficácia da dignidade, da justiça e da solidariedade contratuais entre obrigações gerais e específicas de informação adequada ao investidor-consumidor do mercado financeiro. Entrementes, qualquer distorção em relação a tal lógica, provocará, por conseguinte, situações de responsabilidade civil e do dever de indenizar.

Em decorrência da violação demonstrada à instrução da CVM, a qual fere garantia disposta expressamente como cláusula no SPA, é reconhecido sumariamente o direito a indenização, com instrução no determinado pelo doutrinador Rizzatto Nunes, e em reconhecimento da fragilidade do investidor ao realizar uma operação sem informações importantes, fato que é defendido pela CVM. Com efeito, ao momento em que houver uma comparação da necessidade de proteção, o investidor se mostra primordialmente superior a qualquer interesse em pauta, por se tratar no caso não de um risco, mas sim de uma insegurança causada pela empresa ré.

TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS

Em defesa da compradora poder-se-ia alegar a utilização da teoria Ultra Vires Societatis, a qual criada na Inglaterra teve internalização no Código Civil de 2002, de maneira a retroagir a decisão para a figura do antigo CEO, e acusado do caso de corrupção. Tal pensamento se baseia no fato de ter sido um ato autoritário do sócio-gerente. Contudo não se faz possível na realidade desse caso.

Isso pois, assim como afirma a doutrina de Fazzio Junior:5

Pela doutrina ultra vires, a sociedade não pode ser responsabilizada por atos alheios ao objeto social, praticados em seu nome; há responsabilidade direta e pessoal do sócio- gerente que usa abusivamente o nome da sociedade. Contudo, o texto do art. 10 do decreto focalizado, preocupado em proteger a boa-fé do terceiro que julgou contratar com mandatário apto, estipula a responsabilidade do sócio-gerente perante a sociedade, seja por excesso de mandato, seja por violação do contrato social. Perante terceiros responde a sociedade, como se o sócio-gerente tivesse os poderes que não tem, ou os poderes que aparenta ter.

Tal teoria desconsidera totalmente a boa-fé do terceiro durante a realização do contrato, e mais que isso, o art.10 do decreto n°3.708/19, ao descrever que não exclui a responsabilidade da empresa por atos dos sócios-gerentes.

Por outro lado, o julgado REsp: 704546 DF 2004/0102386-0,6 por sua vez, busca outro caminho, mas se baseia na doutrina, ao se posicionar que não há possibilidade de alegar o uso dessa teoria quando as garantias prestadas pelo sócio retornam direta ou indiretamente em benefício da empresa.

Por fim, adere-se a ambos os pensamentos o fato de que o parágrafo único do art. 1.015 do CC, o qual dava origem no direito brasileiro a essa teoria, foi revogado no art. 57 da lei 14.195/2021.7 De forma que, a teoria ultra vires societatis não pode ser considerada, em nenhum aspecto.

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Airê Moroz Ferreira

 

Referências

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1. ALVES, André. A proteção jurídica do investidor-consumidor do mercado financeiro e o (re)equilíbrio do conflito de interesses na relação Principal-agent.  Disponível em: https://bit.ly/3T6Iw4L. Acesso em: 21 ago. 2022.

2. BRASIL. Lei n°6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e criação da CVM. Disponível em: https://bit.ly/3QURrV0. Acesso em: 21 ago. 2022.

3. CVM. Parecer do comitê de termo de compromisso. Processo administrativo sancionador CVM SEI 19957.004559/2020-90. Disponível em: https://bit.ly/3Ki1XDS. Acesso em: 21 ago. 2022.

4. NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

5. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 172.

6. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 704.546/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. D.J. 01 jun. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3PGqKT8. Acesso em: 21 ago. 2022.

7. BRASIL. Lei n°14.195, de 26 de agosto de 2021. Dispõe sobre a revogação do parágrafo único do art.1.015 do CC. Disponível em: https://bit.ly/3PHf3LT. Acesso em: 21 ago. 2022.

BOLSA DE VALORES DO BRASIL (B3). Regulamento do Novo Mercado, de 2000. Disponível em: https://bit.ly/3wkzIhS. Acesso em: 21 ago. 2022.

BRASIL. Lei n°9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem no Brasil. Disponível em: https://bit.ly/3wj2S0M. Acesso em: 21 ago. 2022.

BRASIL. Lei n°6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades anônimas/sociedades por ações.  Disponível em: https://bit.ly/3CoL7kQ. Acesso em: 21 ago. 2022.

BRASIL. Decreto n°3.708, de 10 de janeiro de 1919. Regula a constituição de sociedades por quotas, de responsabilidade limitada. Disponível em: https://bit.ly/3wolahh. Acesso em: 21 ago. 2022.

BRASIL. STJ – Resp: 704546 DF 2004/0102386-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação 08/06/2010. Disponível em: https://bit.ly/3wgPdY3. Acesso em: 21 ago. 2022.

BRASIL. TRF-3 – ApCiv: 00124211620124036100 SP, Relator: Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, Data de Julgamento: 22/06/2021, 4ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 13/07/2021. Disponível em: https://bit.ly/3ACM3AE. Acesso em: 21 ago. 2022.

Brasileiro, Ricardo; Gonçalves, Aroldo. Cerceamento de defesa no indeferimento de prova pericial violação de direito fundamental da parte e lesão da ordem jurídica constituída. Disponível em: https://bit.ly/3dHDnzY. Acesso em: 21 ago. 2022.

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