No Brasil, o número de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) vem crescendo significativamente. De acordo com o Censo do IBGE de 2022, essa faixa etária representa cerca de 14,7% da população total, somando aproximadamente 31 milhões de pessoas.
Esse fenômeno de envelhecimento populacional é global, impulsionado pelo aumento da expectativa de vida e pela redução das taxas de natalidade; diante desse cenário, torna-se urgente a implementação de políticas públicas que garantam, de forma efetiva, os direitos dos idosos.
Um dos principais desafios é compreender as particularidades da velhice, com suas limitações e angústias, o que frequentemente dificulta o planejamento do futuro e agrava as condições físicas e mentais que restringem a autonomia dos idosos, gerando uma maior necessidade de apoio para atividades básicas. Além disso, muitos enfrentam condições financeiras precárias, com pensões insuficientes, o que aumenta ainda mais sua vulnerabilidade.
Os direitos dos idosos no Brasil estão assegurados em diversos instrumentos legais, como a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica de Assistência Social, a Política Nacional do Idoso, o Estatuto do Idoso e o Código Civil. Contudo, apesar desse robusto arcabouço legislativo, muitos pais idosos são abandonados por seus filhos, que lhes negam tanto assistência material quanto apoio afetivo.
Muitas vezes, essa negligência é justificada pela percepção equivocada de que os filhos não têm obrigações para com os pais idosos, enquanto todos reconhecem que os pais têm responsabilidades com os filhos, especialmente em termos de cuidado e educação. Mas esse dever, além de ético e moral, possui respaldo legal, constituindo-se também como uma forma de retribuição pelo cuidado dedicado na infância e juventude dos filhos.
O dever de prestar assistência aos pais, tanto financeira quanto emocional, é imposto aos filhos pela lei e reforçado pelo princípio da solidariedade familiar, presente implicitamente na Constituição Federal de 1988. A reciprocidade na obrigação de sustento entre pais e filhos está expressa no Código Civil, artigo 1.696, que estabelece a mútua responsabilidade. Assim, o filho tem o dever de sustentar o pai idoso, tal como o pai tem a obrigação de sustentar o filho enquanto este não puder prover seu próprio sustento. Esse princípio é reafirmado no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03).
A assistência aos pais idosos, contudo, não deve limitar-se ao apoio financeiro, inclui também o cuidado afetivo e pessoal. Filhos em melhores condições econômicas podem contribuir financeiramente, enquanto outros podem oferecer assistência direta, como cuidados diários. O descumprimento desse dever pode resultar em medidas judiciais, semelhantes àquelas aplicáveis no caso de pais que deixam de sustentar filhos menores.
O entendimento dos tribunais brasileiros sobre o assunto reflete o princípio da solidariedade familiar, com uma vasta jurisprudência que enfatiza a importância de garantir uma velhice digna para os pais, mesmo quando os filhos passam por dificuldades financeiras. A responsabilidade vai além do suporte material: a convivência familiar e o apoio emocional são fundamentais. O abandono afetivo inverso, ou seja, a falta de apoio emocional, psicológico e social dos filhos aos pais também se manifesta em atitudes como omissão, descaso, discriminação, negligência e indiferença.
Embora os idosos não sejam crianças, o abandono afetivo tem consequências profundas, podendo causar depressão, ansiedade, insônia, perda de apetite e agravamento de condições médicas preexistentes. A falta de apoio emocional enfraquece o sistema imunológico e aumenta a vulnerabilidade a doenças, além de prejudicar a cognição, memória, capacidade de raciocínio e qualidade de vida.
O descaso entre pais e filhos, conforme aponta a jurista Maria Berenice Dias ao citar Álvaro Villaça de Azevedo, constitui um abandono moral grave e demanda uma intervenção rigorosa do Poder Judiciário. A intenção, no entanto, não é obrigar o amor, algo impossível, mas responsabilizar os filhos pelo descumprimento do dever de cuidado, que causa traumas morais de rejeição e indiferença.
A base legal para a responsabilização civil em casos de abandono afetivo inverso está nos artigos 4º a 6º do Estatuto do Idoso, sendo necessário demonstrar que o idoso se encontra em situação de carência ou enfermidade, necessitando de cuidados de terceiros. Embora existam desafios práticos para se definir o que constitui abandono afetivo inverso, especialmente quanto à comprovação de que a ausência dos filhos foi intencional e causou sofrimento significativo, a jurisprudência e os debates jurídicos vêm avançando no sentido de esclarecer esses critérios.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem dado sinais de que o abandono afetivo, em certas circunstâncias, pode gerar responsabilização civil, incluindo indenização por danos morais. Essas decisões geralmente ocorrem em casos onde o abandono afeta significativamente a saúde e dignidade dos pais, gerando sofrimento emocional intenso.
Adicionalmente, é possível que a omissão dos filhos resulte em outras consequências legais, como a determinação do pagamento de pensão alimentícia, especialmente em situações onde o abandono afetivo inverso coloca o idoso em vulnerabilidade financeira; mas também pode haver implicações na sucessão como forma de penalizar o filho que negligencia o cuidado dos pais.
Contudo, a judicialização deve ser um recurso extremo, um “remédio” a ser utilizado quando esgotadas outras formas de solução. O melhor é buscar formas de prevenir o abandono afetivo, que se dá através de uma comunicação aberta e de relações saudáveis e solidárias com os pais idosos, e para isso é preciso pensar em estender esse apoio aos netos, irmãos e outros familiares próximos. E, na ausência de parentes, caberá à sociedade e ao Estado garantir essa proteção.
Em síntese, os filhos têm a responsabilidade de apoiar seus pais na velhice, tanto material quanto emocionalmente. Mesmo que os pais tenham meios de subsistência, persistirá o dever dos filhos de oferecer amparo afetivo, moral e psicológico, não apenas por imposição legal, mas, sobretudo, como uma retribuição a quem dedicou grande parte de sua vida ao seu bem-estar dos filhos e da família.
Referências
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Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/2002.
Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003.
Dias, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 16ª edição – São Paulo. Editora Jurispodium, 2023.
Censo: número de idosos no Brasil cresceu 57,4% em 12 anos — Secretaria de Comunicação Social. Disponível em: link.