O contrato de namoro é um instrumento jurídico que vem ganhando cada vez mais destaque no cenário contemporâneo, principalmente pelo fato de as relações afetivas estarem se tornando cada vez mais fluidas e descompromissadas. Esse fenômeno é refletido pela própria sociedade moderna, onde os vínculos são mais frágeis, conforme descrito por Zygmunt Bauman em sua teoria da “modernidade líquida”. Nesse contexto, os relacionamentos nem sempre seguem o padrão tradicional de namoro, noivado e casamento, o que torna importante a criação de mecanismos que possam garantir a clareza sobre a intenção dos envolvidos. Assim, o contrato de namoro surge como uma solução prática e preventiva, sendo essencial para evitar confusões jurídicas, especialmente com a união estável.
A importância desse contrato está justamente na sua capacidade de proteger os envolvidos de possíveis litígios futuros. Ao longo dos anos, a linha entre o namoro e a união estável tem se tornado cada vez mais tênue. A união estável é definida pelo Código Civil como uma relação pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família. No entanto, muitos casais, mesmo sem essa intenção, acabam compartilhando suas vidas de maneira íntima e duradoura, o que pode levar a interpretações equivocadas por parte de terceiros, ou até mesmo do Poder Judiciário. Isso pode resultar em disputas judiciais envolvendo partilha de bens, pensão alimentícia, direitos sucessórios, entre outros temas.
O contrato de namoro, então, é uma forma de os casais deixarem clara a ausência de vontade de constituir família, afastando a configuração automática de uma união estável. No documento, as partes expressam que estão em um relacionamento afetivo, mas que não possuem o “animus” de formar um núcleo familiar, isto é, não pretendem transformar o relacionamento em uma entidade familiar, que geraria efeitos jurídicos típicos da união estável. Esse contrato é uma expressão clara da autonomia privada, onde os indivíduos têm a liberdade de definir os rumos de sua vida afetiva, sem a intervenção desnecessária do Estado, desde que seus acordos não violem direitos de terceiros.
Vale ressaltar que o contrato de namoro é válido desde que a realidade dos fatos corresponda ao que está declarado no documento. Se o casal, com o tempo, passa a viver uma vida conjugal com características de união estável (convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família), o contrato perde a sua validade. Isso significa que o contrato de namoro não pode ser utilizado como uma estratégia para mascarar uma união estável de fato. A realidade dos fatos sempre prevalece sobre o que foi declarado. Portanto, se as circunstâncias mudarem, como a intenção de construir uma vida em conjunto, o contrato perde sua eficácia e a relação pode ser considerada uma união estável, com todas as implicações legais que isso acarreta.
A partir desse ponto de vista, o contrato de namoro não é apenas um “contrato para evitar problemas”, mas um verdadeiro instrumento de prevenção e segurança jurídica para casais que desejam manter sua relação afetiva sem as obrigações jurídicas da união estável. Ele oferece uma forma clara e transparente de regular as intenções e expectativas do relacionamento, evitando que um namoro seja, futuramente, confundido com uma união estável por terceiros, como familiares ou até mesmo o próprio Judiciário. Essa diferenciação é crucial, especialmente em casos de separação ou falecimento, quando questões como a partilha de bens e herança podem surgir.
Outro aspecto importante é que o contrato de namoro se insere no conceito de “direito de família mínimo”, uma teoria que defende que o Estado deve interferir o mínimo possível nas relações privadas, respeitando a autonomia das pessoas em gerenciar suas vidas pessoais. A proposta é que o poder público só deve intervir em casos de desigualdade ou vulnerabilidade, preservando a liberdade dos indivíduos. Nesse sentido, o contrato de namoro é um excelente exemplo de como o direito pode se adaptar à realidade das relações contemporâneas, permitindo que casais definam os limites e as regras do seu relacionamento de forma consensual, sem a necessidade de uma regulamentação excessiva.
No entanto, é importante que o contrato de namoro seja elaborado de forma cuidadosa, por meio de um advogado especializado, para garantir que todas as cláusulas sejam claras e legalmente válidas. Além disso, é essencial que o contrato seja assinado por ambas as partes em pleno acordo, o que garante que não haja dúvidas sobre a intenção de cada um no momento da assinatura. Embora ainda haja certa controvérsia na doutrina jurídica sobre a validade e eficácia desse tipo de contrato, ele tem sido aceito como uma forma legítima de afastar os efeitos de uma união estável não desejada, desde que seja elaborado com base na realidade e nas intenções das partes.
Em conclusão, o contrato de namoro é uma ferramenta valiosa para casais que desejam manter sua relação livre de implicações jurídicas maiores, como as decorrentes de uma união estável. Ele oferece segurança jurídica, protege o patrimônio e evita litígios futuros. Em uma sociedade onde as relações afetivas se tornam cada vez mais flexíveis e dinâmicas, ter esse tipo de clareza pode ser fundamental para evitar mal-entendidos e garantir que os direitos e deveres de cada um sejam respeitados. Portanto, o contrato de namoro não é apenas um documento formal, mas uma expressão de autonomia e liberdade, permitindo que os casais conduzam suas relações de acordo com seus próprios termos.
Referências
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MADALENO, Rolf. Direito de família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
LÔBO, Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. IBDFAM, 2004. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/128/Entidades+ familiares+constitucionalizadas%3A+para+al%C3%A9m+do+numerus+clausus.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha; FACHIN, Edson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022