O ano de 2021 foi muito positivo às startups brasileiras, registrando um volume recorde de investimentos que superou a barreira dos 50 bilhões de reais.1 Entre as 10 maiores operações estão: (i) e-commerce: MadeiraMadeira, Hotmart, Merama, Olist e Facily; (ii) logística: Frete.com e Daki; e, (iii) fintech: Mercado Bitcoin e CloudWalk.2 Essas empresas formam os novos unicórnios brasileiros (startups que atingiram um valor de mercado superior a um bilhão de dólares).
É evidente que os investimentos são realizados após a análise de viabilidade econômica do negócio e sua capacidade de geração de receita, mas não se engane, a segurança jurídica também é um ponto importante na hora da tomada de decisão sobre o negócio a ser realizado. O Marco Legal das Startups (“MLS”),3 não se descuidou do tema.
Entre os propósitos do MLS estão “medidas de fomento ao ambiente de negócios e ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador” (art. 1º, inciso II), sendo que entre seus princípios estão: a “constituição de ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual como premissas para a promoção do investimento e do aumento da oferta de capital direcionado a iniciativas inovadoras” (art. 3º, inciso II).
Nessa perspectiva, o §1º, do art. 5º do MLS apresenta um rol não exaustivo de alternativas para investimento em startups,4 que não resultam em participação societária e, em razão disso, contam com uma proteção conferida por lei, contra a possibilidade de serem responsabilizados por dívidas da empresa investida. É isso que dispõe o inc. II, do art. 8º do MLS, que expressamente protege o investidor contra diversas formas de sua responsabilização do dívidas da empresa.5
Entre os instrumentos apresentados pelo MLS estão: (i) contrato de opção de subscrição e compra de ações ou quotas celebrado entre (a) o investidor e a empresa ou entre (b) o investidor e os acionistas ou sócios da empresa; (ii) emissão de debênture conversível pela empresa; (iii) contrato de mútuo conversível em participação societária; (iv) estruturação de sociedade em conta de participação (SCP); (v) contrato de investimento-anjo.6
Em comum entre essas alternativas está o fato de que nenhuma delas transforma o investidor em sócio ou acionista de maneira imediata, ou seja, todas dependem de alguma condição futura para sua conversão.
Os contratos de opção permitem ao investidor adquirir, de forma onerosa, o direito de se tornar sócio mediante manifestação unilateral e futura. Por se tratar de contrato atípico, os termos e condições podem variar conforme a negociação realizada entre as partes, entretanto, o detentor da opção não será considerado sócio e/ou terá poderes de gerência enquanto não a exercer.
Ainda sobre os contratos de opção, é importante que estabeleçam algum limite objetivo ao seu exercício, seja temporal (decurso de determinado prazo), ou algum evento de liquidez (operação societária ou nova rodada de investimento, por exemplo). Impor às partes o limite à transformação dessa relação de meramente contratual em societária é relevante, pois confere maior controle e organização na captação futura de recursos, evitando que a sociedade arraste arranjos contratuais que podem impactar em sua avaliação e obtenção de recursos.
A diferença entre a opção de (i) subscrição de ações ou quotas e a (ii) opção de compra é que, no primeiro caso o investidor exerce seu direito perante a sociedade investida, que deverá emitir novas ações ou quotas que serão transferidas ao investidor na forma e limites contratados, já o contrato de opção de compra de ações ou quotas é exercido pelo investidor perante o acionista ou quotista que deverá transferir suas ações ou quotas, na forma e limites do contrato.
Em razão das regras de direito de preferência e limites para admissão de novos sócios, que podem variar conforme o tipo de sociedade (sociedade limitada ou sociedade anônima), e acordos de sócios celebrados, recomenda-se que nos dois casos o contrato seja celebrado com a participação de todos os sócios e da sociedade investida.
Por fim, esses contratos não podem se descuidar de regras que garantam sua executoriedade, ou seja, a partir do exercício da opção pela conversão em participação societária, todos os atos de transferência e ajustes societários necessários devem estar claros, inclusive com a definição de prazos e multas diárias em caso de descumprimento ou atraso na sua transferência, evitando que o investidor seja impedido de exercer seu direito.
No próximo artigo trataremos da emissão de debênture conversível pela empresa e do contrato de mútuo conversível em participação societária.
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Referências
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1. Dados extraídos de: https://bit.ly/3AoqpR8. acesso em 22 de abril de 2022.
2. Dados extraídos de: https://bit.ly/3R9m9dW. acesso em 25 de junho de 2022.
3. Lei Complementar 182, de 1º de junho de 2021. https://bit.ly/3RbLswe.
4. O próprio art. 5º reconhece a possibilidade de outras modalidades: §1º, “VII – outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa”.
5. Art. 8º (…). II – não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se estenderá o disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos arts. 124, 134 e 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e em outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente
6. Conforme Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro 2006.