Superlotação nas Salas de Aula: Uma Afronta à Educação de Qualidade

Superlotação nas Salas de Aula

Introdução

Infelizmente, no Brasil, inúmeras escolas sofrem com a superlotação das salas de aula, tal constatação é bastante fácil a partir de alguns dados levantados pelo Sinpro-DF, apontando que situações graves e alarmantes em pleno 2024, vejamos:

As queixas de escolas e professores(as) por superlotação de turmas se estende por todas as regionais de ensino. Mas há casos ainda mais graves, como São Sebastião, com uma população que cresceu muito e o Estado não se fez presente nesse crescimento.

“Praticamente todas as turmas estão extrapolando o máximo de alunos estabelecidos na estratégia de matrícula 2024”, conta a gestora do CEI 01 de São Sebastião, Cleyde Cunha Sousa, que completa: a composição das integrações inversas e classes especiais também estão atendendo estudantes além do previsto. E, mesmo assim, faltam vagas e salas para dar conta da demanda na região. “São Sebastião teve um aumento significativo no número de moradores sem a construção de novas escolas dentro da cidade. Diariamente, seja na escola presencialmente ou no meu WhatsApp, recebo pessoas da comunidade à procura de vagas e sem saber o que fazer por não conseguir em nenhuma escola de educação infantil”, conta Cleyde.

A gestora do CEI 01 aponta o descaso com alunos(as) especiais: “Mesmo com fundamentação pedagógica de uma equipe que conviveu ao longo do ano com o estudante (professor regente, Equipe de apoio, sala de recursos, coordenação pedagógica, equipe gestora) tivemos casos significativos indeferidos e as crianças sumariamente “jogadas” em classes de integração inversa com mais alunos do que o previsto e sem a quantidade adequada de profissionais para acompanhamento.

“Tenho colegas com três alunos especiais em sala. Tivemos turmas fechadas no ano passado, e hoje há turmas com 20 alunos pequenos, em alguns casos com 3 crianças com de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) numa única turma”, conta Ana Paula Aguiar, professora da EC 01 do Lago Sul. (SALLORENZO, 2024).1

Contudo, tal fato não pode passar despercebido, há garantias e direitos básicos que devem ser atendidos, sendo uma afronta direita à Constituição e demais Normas aplicáveis.

O presente escrito tem o escopo de apontar as soluções corretas e tecer críticas à superlotação das salas de aula.

Do conceito de superlotação?

Podemos nomear como superlotada a sala de aula que não atende aos critérios mínimos de espaço em metros quadrados (m²) e de quantidade de alunos especificados em Lei do Estadual (escolas estaduais) ou do Município (escolas municipais).

No entanto, sendo o Estado e o Município omissos nessa regulamentação, torna-se prudente adotarmos os critérios apontados pela Doutora em Educação Olga Freitas, ou seja, um “espaço mínimo de mobilidade e circulação de 1m a 1,5m para o estudante, e de 2m a 2,5m de área de circulação livre para o(a) professor(a)” (SINPRO-DF, 2024).2

Desde já, defende o presente escrito que eventuais Normas que elegem critérios inferiores a 1m² para o estudante e 2m² de área de circulação livre para os professores, são inconstitucionais, por não serem razoáveis, proporcionais e não tratarem a garantia ora estudada como um direito indisponível e inegociável, assim tornando-a refém de discricionariedades abusivas do gestor público.

A superlotação das Salas de como Afronta à Constituição Federal

A Constituição nos diz que a educação é um direito de todos, sendo um dever do Estado (art. 205). Ela também nos garante que o ensino deve ser ofertado com igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206, I).

Antes de adentrarmos na qualidade do ensino, já notamos de plano que o Inciso I do art. 206 da Constituição não é atendido nas salas superlotadas. Ora, é evidente que o aluno vítima de superlotação não consegue receber um tratamento mais específico que os demais receberão por estarem em salas normais.

Portanto, se uma sala sofre de superlotação e outra não, essas crianças já não possuem a constitucional igualdade de acesso à educação e muito menos a de permanência, sendo desatendido o inciso I do artigo 206 da Constituição.

No mais, argumenta-se que o aluno vítima de superlotação tem sim inúmeras dificuldades e desincentivos, visto que não lhe é estimulada adequadamente a aprendizagem, o que dá maiores margens para aversões ao ambiente escolar e até mesmo o abandono, vejamos o que nos ensina os estudiosos:

As crianças saem do conforto dos seus lares, do aconchego do colo de suas mães, tendo que criar forçadamente sua independência, longe de seus familiares, ficando grande parte da sua vida na escola e de repente se deparam com prédios arquitetônicos das escolas que são bem semelhantes às de uma prisão e se não bastasse, as salas de aula são pequenas, sem espaço para diversão, eles têm pouco tempo ao ar livre, criando com isso crianças desoladas. Fazendo da escola, um ambiente entediante e desagradável, desta forma, ocasionando grandes problemas de indisciplina (SILVA, 2020, p. 1.668).3

Ora, “Como fica o respeito da escola pela especificidade que a criança pequena requer para desenvolver? A resposta está clara: no metro quadrado da sala de aula.” (SILVA, 2020, p. 1.669).4 Tanto é verdade que os Estados que obtiveram melhores resultados no IDEB, foram os que apresentaram menores médias de alunos por turma (RICARDO, 2019, p. 4).5

Portanto devemos respeitar sim os limites máximos das salas de aula, precisamos extirpar a realidade de que “Na maioria das escolas brasileiras a sala de aula é apenas um depósito de pessoas.” (ARAÚJO; QUEIIROZ, 2023, p. 99),6 isso é desumano, viola o artigo 1º, III da Constituição e os direitos da personalidade dos alunos e professores.

Também não é atendido o critério de qualidade do ensino regulado no artigo 206, VII da Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996) garantiu nos seus artigos 4º, IX e 25.

No Poder Judiciário de Santa Catariana temos decisões importantes relacionando a superlotação com a perda de qualidade no ensino, vejamos:

(…) 1. Assim como a saúde e a segurança pública (arts. 196 e 144, da CF), a educação é direito de todos e dever do Estado (art. 205 da CF), devendo, pela essencialidade do seu objeto, ser prestada, acima de tudo, de forma eficiente, não podendo o Poder Público se eximir desta obrigação sob o pretexto de indisponibilidade orçamentária.   2. Se o Estado, seguidamente, vem inobservando o limite máximo de alunos em sala de aula, está em falta com seu dever constitucional já que a superlotação, à toda evidência, compromete a qualidade das atividades docentes e discentes.    3. Não há falar em afronta ao postulado da separação dos Poderes quando o Judiciário limita-se a determinar ao Estado o cumprimento de mandamento constitucional, impregnado de autônoma força normativa. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.024320-5, j. 26-07-2011 – grifei).7

E que não venha o gestor alegar falta de previsão orçamentária para a ampliação e construção de novas salas ou escolas, visto que a educação é um direito de todos e um dever do Estado (artigo 205 da Constituição).

Confirmando o posicionamento acima no tocante à não previsão orçamentária, temos alguns processos reais analisados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina nos quais se concluiu o seguinte:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTITUIÇÕES DE ENSINO ESTADUAIS. EXCESSO DE ALUNOS EM SALA DE AULA. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 170/1998. NECESSIDADE DE RESPEITO À ÁREA MÍNIMA POR ALUNO E PROFESSOR. DEFERIMENTO DA LIMINAR. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO ANTE O CARÁTER SATISFATIVO DA MEDIDA. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA CASSADA. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 515, § 3º, DO CPC. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. ALEGAÇÃO QUE NÃO PODE SE SOBREPOR AO DIREITO À EDUCAÇÃO. APELO CONHECIDO E PROVIDO.   “O fato de a ré ter cumprido a decisão liminar ou antecipatória de tutela, […], não significa, dada a provisoriedade da medida, carência da ação por perda superveniente do objeto ou do interesse processual” (AC n. 2014.060703-4, de Joinville, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 28-4-2015).   “Afastado o fundamento que ensejou a extinção do processo sem resolução de mérito – na hipótese, perda superveniente do interesse processual – pode o Tribunal, com amparo no art. 515, § 3º, do CPC, julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento” (AC n. 2009.067983-3, de Curitibanos, relª. Desª. Sônia Maria Schmitz, j. 13-12-2013).   “1. Assim como a saúde e a segurança pública (arts. 196 e 144, da CF), a educação é direito de todos e dever do Estado (art. 205 da CF), devendo, pela essencialidade do seu objeto, ser prestada, acima de tudo, de forma eficiente, não podendo o Poder Público se eximir desta obrigação sob o pretexto de indisponibilidade orçamentária (TJSC, Apelação Cível n. 2013.021636-6, j. 13-10-2015 – grifei).8

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTITUIÇÕES DE ENSINO ESTADUAL. EXCESSO DE ALUNOS EM SALAS DE AULA. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 170/1998. NECESSIDADE DE RESPEITO À ÁREA MÍNIMA POR ALUNO E PROFESSOR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. ALEGAÇÃO QUE NÃO PODE SE SOBREPOR AO DIREITO À EDUCAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO E REMESSA CONHECIDOS E DESPROVIDOS (TJ-SC, Apelação Cível n. 2014.094041-5, de Guaramirim, rel. Des. Subst. Júlio César Knoll, j. 4-8-2015 – grifei).9

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EDUCAÇÃO. LIMITE DE ALUNOS POR SALA DE AULA. EXEGESE DO ART. 82 DA LC 170/98. NORMA DE EFICÁCIA IMEDIATA. INOBSERVÂNCIA. DEVER DO ESTADO DE PRESTAR EDUCAÇÃO DE QUALIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. IRRELEVÂNCIA. INOCORRÊNCIA DE MALFERIMENTO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.

1. Assim como a saúde e a segurança pública (arts. 196 e 144, da CF), a educação é direito de todos e dever do Estado (art. 205 da CF), devendo, pela essencialidade do seu objeto, ser prestada, acima de tudo, de forma eficiente, não podendo o Poder Público se eximir desta obrigação sob o pretexto de indisponibilidade orçamentária. (TJSC, Ap. Cív. n. 2007.036323-3) (TJSC, Apelação Cível n. 2009.024320-5, j. 26-07-2011 – grifei).10

Portanto não se cogita a alegação de falta de previsão orçamentária, sendo essa improcedente, igualmente não deve ser defendida a discricionariedade do gestor em fixar limites inferiores ou decidir não atender a norma aplicável ao Estado ou Município onde a escola é localizada, vejamos:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA COMPELIR O MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE A RESPEITAR A METRAGEM QUADRADA MÍNIMA POR ALUNO EM SALA DE AULA NOS TERMOS DO ART. 67, INCISO VI, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 170/98 E O NÚMERO DE CRIANÇAS POR PROFESSOR E AUXILIARES PREVISTO NA RESOLUÇÃO N. 91/99 DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SANTA CATARINA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO PELO ENTE MUNICIPAL APONTADO POR MEIO DE LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA QUE AUTORIZA A INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. DIREITOS FUNDAMENTAIS QUE NÃO SE SUBMETEM À DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DIREITO À EDUCAÇÃO QUE DEVE SER ASSEGURADO PELO ESTADO COM ABSOLUTA PRIORIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 208, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PROPORCIONAR AO ENSINO INFANTIL ESPAÇOS QUE RESPEITEM OS PARÂMETROS DE 1,3M² POR ALUNO E 2,5M² POR PROFESSOR, EXCLUÍDAS AS ÁREAS DE CIRCULAÇÃO INTERNA E AS OCUPADAS POR EQUIPAMENTOS DIDÁTICOS BEM COMO REFORMULAR A DISTRIBUIÇÃO DE ALUNOS NAS SALAS DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL, OBSERVANDO OS CRITÉRIOS LEGAIS E OBEDECENDO AOS LIMITES DE NÚMERO DE ALUNOS POR SALA DE AULA E À PROPORÇÃO ALUNOS/PROFESSORES E AUXILIARES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0900186-21.2018.8.24.0067, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 28-09-2021 – grifei).11

Um outro ponto que nos chama a atenção é que alguns artigos acadêmicos recentes têm se preocupado com a inserção na educação dos conceitos de direitos humanos, igualdade, respeito e liberdade, vejamos:

Tal realidade implica, dentre outras constatações, que deverá ocorrer no contexto escolar a educação para a igualdade e liberdade com respeito aos direitos humanos para todos, inclusive para os grupos e indivíduos vulneráveis porque tendentes ao maior risco de discriminação, exclusão e sofrimento econômico, cultural e social. (MAXIMINO LELLIS, 2023, p. 121).12

Porém, ao se promover a superlotação, a criança assiste uma verdadeira opressão, na verdade a escola está ensinando que os direitos básicos não existem e que no Brasil é desigualdade, indiferença e preconceito, ou seja, justamente o oposto do acima dito.

Defendemos que as salas superlotadas violam fortemente os direitos personalíssimos dos alunos e professores, “Não é demais ressaltar que todos os seres humanos merecem ser tratados com dignidade e respeito” (PINHO, 2000, p. 74)13 ainda mais os nossos jovens e professores.

Não custa reforçar que os direitos personalíssimos e a dignidade humana são inegociáveis, visto que “o art. 11 do Código Civil brasileiro reconhece aos direitos da personalidade, em regra, os caracteres de irrenunciabilidade e intransmissibilidade” (ZOGHBI, 2021, p. 75).14

Também não se deve ser dito que o aluno PCD tem direito ao “atendimento educacional especializado” (LÉPORE et al, 2023, p. 337),15 logo ao se submeter um PCD à superlotação, além das violações aqui apontadas, ferido está o artigo 208, III da Constituição, nascendo o direito aos danos morais presumidos.

Logo, se conclui que a superlotação das salas faz nascer incontáveis afrontas à Constituição Federal de 1988, seja na qualidade do ensino, no acesso/permanência à escola, fere os direitos personalíssimos dos alunos, não atende à promoção da dignidade humana (art. 1º, III da Constituição) e promove discriminação, sendo um verdadeiro estado de coisas inconstitucionais, tendo o Ministério Público legitimidade para pleitear o fim desses abusos e eventual indenização às crianças atingidas.

A negativa de novas matrículas não é uma solução

Engana-se quem defende que a negativa de novas matrículas é a saída para o fim da superlotação. Inicialmente temos que o Supremo Tribunal Federal já fixou em Repercussão Geral (Tema 548) que o Estado tem o dever de garantir as vagas aos estudantes em creches, pré-escolas, ensino fundamental e médio, vejamos:

1. A educação básica em todas as suas fases – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata.

2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo.

3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica. (STF, Tema 548, Leading Case: RE 1008166, Relator: Luiz Fux – grifei).16

Logo, tendo em vista a direta e imediata aplicação das normas constitucionais que regem o acesso à educação, não pode jamais se negar uma matrícula às crianças e aos adolescentes. No mais, reforçando o que nos ensina a Suprema Corte, temos um artigo de autoria da Promotora de Justiça Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, que é claro em reconhecer a responsabilidade civil do Estado pela da negativa de vaga, defendendo o direito do menor à indenização por danos morais:

Do que precede, define-se pelo reconhecimento da responsabilidade civil do Estado, inclusive por danos morais, individuais e coletivos, decorrente da insuficiência da oferta da educação obrigatória, consubstanciada na negativa de acesso ao sistema público de ensino, o que poderá ser tutelado, no campo das tutelas difusas, pelos legitimados para a ação civil pública, dentre os quais se destaca o Ministério Público; como também no plano individual, diretamente pelo interessado. (DINIZ, 2017, p. 5).17

Por isso não temos dúvidas de que a negativa de matrícula será um novo problema e não uma solução, nós concordamos com a Promotora e com o STF, defendendo o direito à indenização aos adolescentes e crianças com matrículas negativas, tendo os pais ou o Ministério Público a legitimidade para requerer a reparação moral aos menores.

A solução é a ampliação das salas ou a construção de novas unidades

Como o ato de negar matrículas é ilegal, considerando que, conforme já dito acima, não prosperam os argumentos de ausência de previsão orçamentária a fim de negar uma solução à superlotação, devendo o direito à educação digna e com qualidade prevalecer (TJ-SC, Apelação Cível n. 2014.094041-5).

Temos que a solução é bastante simples: Deve o gestor público, independentemente de previsão orçamentária, iniciar a ampliação das salas ou a construção de novas, evidentemente que respeitando os limites de alunos e metros, visto que a falta de orçamento não pode sobrepor à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da Constituição) e o direito à educação (art. 205), portanto, não prevalece tal negativa.

Da legitimidade do Ministério Público para promover a medida judicial a fim de cessar a superlotação em estabelecimentos escolares

Com fulcro na alínea “c”, do inciso VII, do artigo 6º da Lei Complementar nº 75/1993, compete ao Ministério Público a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos. A mesma norma, no seu artigo 6º, inciso VII, alínea “a” igualmente atribui ao Ministério Pública a proteção dos direitos constitucionais.

Como incansavelmente foi defendido no presente escrito, a superlotação das salas de aula viola a garantia de igualdade de acesso e permanência no ambiente escolar, bem como não reveste o ensino com a qualidade constitucionalmente exigida.

E não é só! Defendemos que o Ministério Público não só pode exigir que cesse o estado de superlotação, ele igualmente poderá requerer indenizações por danos morais coletivos e individuais para os alunos afetados nos termos art. 37, §6º, da Constituição.

Além do mais, urge esclarecer que a educação é um direito constitucional e humano, que impacta crianças e adolescentes (menores), que devem contar com o apoio e proteção do Ministério Público, vejamos:

a Educação é um Direito Humano reconhecido pelo artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10/12/1948, pelo artigo 1º, inciso III, da Carta Maior, e pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, sendo também um direito fundamental assegurado à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, conforme dispõem a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), incumbindo ao Estado assegurar à criança e ao adolescente o acesso ao ensino de qualidade e zelar junto aos pais pela frequência à escola.

(…)

(…) cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória patente a legitimidade ‘ad causam’, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal (RE 163.231, Plenário, Rel. Maurício Corrêa, DJ 29.06.01). (MP/MA, 2014).18

Diante do exposto, não há dúvidas, o Ministério Público tem a legitimidade para requerer o que for de direito para os menores e também fazer cumprir a Constituição, solicitando reparações morais coletivas e individuais.

Conclusão

Não temos dúvidas de que a superlotação das salas de aula, conceituada pelo não cumprimento dos limites existentes na legislação é, sem maiores problemas, um ato inconstitucional e que afeta diretamente a qualidade do ensino, violando a literalidade do artigo 206, VII da Constituição e o artigo 4º, IX a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996).

Na hipótese de ausência de Lei específica no Estado e no Município que regule o espaço mínimo que cada aluno ou professor terá, defende o presente escrito que os critérios apontados pela Doutora em Educação Olga Freitas prevalecem, ou seja, “deve prever o espaço mínimo de mobilidade e circulação de 1m a 1,5m para o estudante, e de 2m a 2,5m de área de circulação livre para o(a) professor(a)”(SINPRO-DF, 2024).19

Defendemos e apontamos uma clara afronta ao artigo 206, I, porque os alunos vítimas da superlotação jamais possuem a mesma condição de acesso à educação e muito menos de permanência, pois, nos termos de Renata Marques de Almeida Silva, o respeito da escola pelas caraterísticas específicas dos alunos está no metro quadrado (m²).

Entendemos que não prospera eventual argumento de falta de receita para corrigir o problema da superlotação, concluímos assim com fulcro na Apelação Cível n. 2013.021636-6 do TJ-SC, uma vez que a educação é um dever do Estado (art. 205 da Constituição).

Apontamos que o Ministério Público tem competência e legitimidade para fiscalizar e exigir que seja cessada a superlotação, podendo requerer indenizações. No mais, defendemos que o Município ou Estado que tratam a sala de aula como “um depósito de pessoas.” (ARAÚJO; QUEIIROZ, 2023, p. 99), fere os direitos personalíssimos dos alunos, podendo o Ministério Público pleitear reparações.

Apenas por cautela, já reforçamos que a prática de negar novas matrículas jamais será uma solução, o Supremo Tribunal Federal já garantiu aos menores e às mães o direito à matrícula nas escolas, creches e pré-escolas, sendo um dever do Estado a educação (art. 205, da Constituição).

Por fim, não há dúvidas que o Poder Público deve iniciar os trabalhos de ampliação e/ou construção de novas salas e/ou escolas, ainda que não previstos no orçamento, como bem destacado na Apelação Cível n. 2013.021636-6 do TJ-SC, pois o direito à educação é inegociável e urgente, as crianças e os professores não podem pagar esse preço perverso e desumano.

 

Referências

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1. SALLORENZO, Letícia. Quantos alunos tem na sua sala? Basta de superlotação! Participe da campanha. 20 de fevereiro de 2024. Disponível em: link. Acesso em: 18 maio 2024.

2. SALLORENZO, Letícia. A periferia de Brasília é a que mais sofre com o descaso de Ibaneis. Sindpro-DF, 21 mar. 2024. Disponível em: link. Acesso em: 22 maio 2024.

3. DA SILVA, Renata Marques de Almeida. Superlotação em Sala de Aula. Revista mais educação. São Caetano do Sul: Editora Centro Educacional Sem Fronteiras, 2020. v. 3, n. 8, out. 2020. 1819 p. il. color. Mensal. Disponível em: link. Acesso em: 18 maio 2024. ISSN 2595-9611 (on-line).

4. DA SILVA, Renata Marques de Almeida. Superlotação em Sala de Aula. Revista mais educação. São Caetano do Sul: Editora Centro Educacional Sem Fronteiras, 2020. v. 3, n. 8, out. 2020. 1819 p. il. color. Mensal. Disponível em: link. Acesso em: 18 maio 2024. ISSN 2595-9611 (on-line).

5. BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei n.º 1188, de 27 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre o número máximo de alunos em sala de aula e dá outras providências. Autor: José Ricardo. Disponível em: link. Acesso em: 18 maio 2024.

6. ARAÚJO, João Evânio; QUEIROZ, Marcela Campos. Dilemas nas estruturas das redes públicas de ensino no Brasil que impedem melhorias educacionais. HUMANIDADES E TECNOLOGIA (FINOM), v. 42, n. 1, p. 92-100, 2023.

7. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Apelação Cível 2009.024320-5, Relator (a): Newton Janke, Data do Julgamento: 26/07/2011, Segunda Câmara de Direito Público; Data de Publicação: 26/07/2011.

8. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Apelação Cível 2013.021636-6, Relator (a): Jorge Luiz de Borba, Data do Julgamento: 13/10/2015, Primeira Câmara de Direito Público; Data de Publicação: 13/10/2015.

9. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Apelação Cível 2014.094041-5, Relator (a): Desembargador Substituto Júlio César Knoll, Data do Julgamento: 04/08/2015; Data de Publicação: 04/08/2015.

10. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Apelação Cível 2009.024320-5, Relator (a): Newton Janke, Data do Julgamento: 26/07/2011, Segunda Câmara de Direito Público; Data de Publicação: 26/07/2011.

11. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Apelação / Remessa Necessária 0900186-21.2018.8.24.0067, Relator (a): Jaime Ramos, Data do Julgamento: 28/09/2021, Terceira Câmara de Direito Público; Data de Publicação: 28/09/2021.

12. MAXIMINO LELLIS, Leilo. A Implementação dos Direitos Humanos no Ambiente Escolar como Instrumento Necessário à Educação de Qualidade. Direito Público, [S. l.], v. 20, n. 105, 2023. DOI: 10.11117/rdp.v20i105.6918. Disponível em: link. Acesso em: 21 maio. 2024.

13. PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 17º V. São Paulo: Saraiva, 2000.

14. ZOGHBI, Priscila Kühl. Poder de Controle e Direito à Privacidade do Trabalhador nas Redes Sociais, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021.

15. LÉPORE, Paulo et al. REVISAÇO – Procuradoria do Município – Procurador do Município. 6. ed. Tomo 1. São Paulo: Editora JusPODIVM, 2023.

16. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tema 548: Dever estatal de assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a 5 (cinco) anos de idade. Disponível em: link. Acesso em: 23 maio 2024.

17. DINIZ, Hirmínia Dorigan de Matos. Responsabilidade civil do Estado decorrente da não oferta de vaga no ensino obrigatório. 2017. Disponível em: link. Acesso em: 23 maio 2024.

18. DE PONTES, Sandra Soares. Nota Técnica n.º 03/2014. São Luís, 04 de julho de 2014. Disponível em: link. Acesso em: 23 maio 2024.

19. SALLORENZO, Letícia. A periferia de Brasília é a que mais sofre com o descaso de Ibaneis. Sindpro-DF, 21 mar. 2024. Disponível em: link. Acesso em: 22 maio 2024.

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