Hodiernamente, o mercado de trabalho experimenta uma série de adversidades antes não vistas, nem mesmo pensadas, haja vista que a singularidade e os desafios da modernidade do mundo corporativo, há muito não discutem (apenas) os vetustos problemas que outrora eram as pautas das mesas negociais.
Vive-se período em que os profissionais não vislumbram como possível o fim de seu ciclo de trabalho ao alcançarem o grupo de idosos – que conforme o Estatuto da Pessoa Idosa1 atinge pessoas a partir dos 60 anos. A longevidade da vida trabalhista traz impactos em uma série de paradigmas sociais, não apenas porque a tábua de expectativa de vida2 indica idades muito superiores às de outrora, como também porque já não se trabalha prioritariamente no mesmo (e em um só) local e, ainda, porque se admite como natural uma troca de profissão ao longo da vida.
A mesma tecnologia que ontem foi o carro chefe das Revoluções Industriais, cada uma a seu tempo, acelerando as engrenagens e fomentando a produção, hoje é a encorajadora das reviravoltas em longas e sólidas carreiras e, também, propulsora de grandes possibilidades aos que dela se utilizam para reconsiderar novos inícios.
O fato é que a soma desses elementos: tecnologia, expectativa de vida mais alongada e vontade/necessidade de seguir trabalhando para além dos 60 anos, anunciam desafios antes não sopesados. Os trabalhadores que estão no mercado ativo de trabalho não são apenas os púberes e/ou recém-formados em busca de oportunidades, a realidade brasileira demonstra que o público 60+ ainda permanece “no jogo” e “com fome de bola”.
Os dados apontam através de números consideráveis3 essa continuidade. No Brasil, o cômputo de trabalhadores com mais de 50 anos dobrou em um lapso temporal de 15 anos, alcançando a casa dos 9 milhões de trabalhadores na ativa (em termos percentuais, o aumento é de 110%). Tais números não podem ser desconsiderados.
Mesmo porque, como se sabe, a previdência social há tempos enfrenta dificuldades para compor o seu orçamento, afetada que está pelo aumento nos índices de expectativa de vida dos brasileiros, bem como preocupações frente as constantes alterações legislativas que visam melhor compor o orçamento para o custeio dos benefícios – que, diga-se, vive momento caótico.
De toda sorte, analisando a questão sob lentes propositivas, vê-se grande oportunidade para que as organizações repaginem seus estigmas e, antes de apenas descartar os “veteranos” profissionais, reconheçam a oportunidade decorrente de sua manutenção/integração aos novos espaços de trabalho. Para tanto, parece necessário o investimento na trabalhabilidade dos idosos. É cediço que os trabalhadores 60+ têm habilidades pessoais importantes para o dia a dia das empresas, como também evidente que guardam grandes dificuldades, por exemplo, no tocante ao manejo tecnológico ou aos novos conceitos de espaço de trabalho (open office e home office, p.ex.).
Portanto, impõe-se falar sobre uma nova forma de trabalhabilidade, a transgeracional, pois para além de capacitar para seguir ou entrar no mercado de trabalho, deve-se pretender ensinar às gerações a arte do convívio em diversidade (que também pode ser etária, registre-se).
Afora a necessidade de aculturamento empresarial, no sentido de extirpação de preconceitos (como a de que o idoso não consegue aprender), o etarismo e a (des)inclusão (exclusão por simplesmente não ser o que se espera), urgente é compreender a extrema valia da presença dos trabalhadores 60+ nos cenários laborais, posto que, diferente dos jovens que acabam de chegar no mercado, estes possuem muito a entregar, em especial sua vivência.
Neste espaço, ao reconhecer que estes trabalhadores podem se adaptar “constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados”4 e que a trabalhabilidade pressupõe que “um trabalhador […] se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida;”5 vislumbra-se que o público idoso, devidamente (re)qualificado, indubitavelmente agregará experiências de trabalhabilidade aos seus pares. Ou seja, a partir do momento que os nichos empresariais enxergarem o ciclo sustentável entre o não descarte dos trabalhadores idosos e o aproveitamento imbricado das skills de todas as gerações, se viverá período de fartura, com plena trabalhabilidade intergeracional e inclusiva.
Assim sendo, acompanhando os estudos, a realidade e o novo ano que se inicia, inconteste que se vive fértil cenário para novos diálogos sociais, notoriamente, àqueles que visam derrubar barreiras no mercado de trabalho. A necessidade de trabalho humano sempre existirá, com ou sem tecnologia, então é melhor que se reconheça (logo) que experiência de vida é uma skill que inteligência artificial nenhuma vai substituir.
Referências
____________________
1. BRASIL. Lei n° 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. Disponível em: link. Acesso em: 14 jan. 2024.
2. BRASIL. Tábuas Completas de Mortalidade. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: link. Acesso em: 15 jan. 2024.
3. RIBEIRO, Renato. Brasil dobra número de trabalhadores com mais de 50 anos. Rádio Agência. Economia. 19 mai. 2023. Disponível em: link. Acesso em: 14 jan. 2023.
4. ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.
5. ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.
____________________
Denise Pires Fincato
Pós-Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid (España). Doutora em Direito pela Universidad de Burgos (España). Professora Pesquisadora do PPGD da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Advogada e Consultora Trabalhista. CEO do Instituto Workab. dpfincato1@gmail.com
Andressa Munaro Alves
Doutoranda e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Bolsista CAPES. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Advogada. andressa.castroalvesadv@gmail.com