Como brasileiro, as vezes eu me sinto um sapo na caldeira. Você conhece a história, não é?
Um sapo entra em uma caldeira com água morna. Enquanto a temperatura sobe lentamente, ele não percebe o perigo. Quando finalmente nota que está quente demais, já é tarde. No Brasil, estamos vivendo algo semelhante. Aos poucos, diversos direitos fundamentais estão sendo restringidos, e a maioria das pessoas não está percebendo. Quando todos se derem conta, poderá ser tarde demais.
A bola da vez é a Consulta Pública 111/2024 do Banco Central do Brasil, que pretende proibir a autocustódia de stablecoins. O primeiro argumento contrário a essa proposta é um tanto quanto óbvio: a impossibilidade de o Banco Central do Brasil proibir uma conduta legal através de mera resolução.
Mas o ponto crucial reside na flagrante violação dos direitos fundamentais da livre iniciativa e da propriedade. Ora, se podemos comprar e custodiar moedas estrangeiras em espécie ou mesmo outros criptoativos, qual seria o fundamento jurídico que justificaria essa desarrazoada proibição? A consulta tenta se justificar:
“Observa-se que diversos modelos de negócio envolvendo ativos virtuais podem proporcionar melhorias na prestação de serviços no mercado de câmbio e oferecer formas mais eficientes para a realização de negócios nesse mercado ou uso com o propósito de investimentos. No entanto, a adoção desses modelos também traz preocupações, inclusive nos casos de interconexão com modelos tradicionais, envolvendo aspectos como proteção ao consumidor e ao investidor, privacidade, segurança cibernética, prevenção ao uso para fins ilícitos, integridade financeira e dos mercados e manutenção da estabilidade fiscal e macroeconômica.”1
Esse argumento, no entanto, não se sustenta. O estudo dos direitos fundamentais na perspectiva das suas dimensões nos ensina que uma nova dimensão não substitui a anterior. Portanto, uma suposta defesa do estado, do sistema financeiro ou qualquer outra estapafúrdia justificativa do Banco Central não pode, de maneira alguma, fundamentar uma evidente violação do direito fundamental da propriedade.
Além disso, a autocustódia é um dos princípios básicos de proteção do usuário de criptoativos. Comprar cripto e manter na custódia de Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (PSAV) abre brechas para diversos riscos. A exchange pode sofrer falência, entrar em recuperação judicial ou, pior, ser criada com o intuito de fraudar usuários. Sem a possibilidade de autocustódia, o patrimônio do usuário estará sujeito a perdas irreversíveis.
É crucial entendermos que essa proposta do Banco Central não é um caso isolado. É mais um passo na direção de um controle excessivo sobre as liberdades individuais, disfarçado de proteção ao consumidor e ao sistema financeiro. Estamos testemunhando uma erosão gradual de nossos direitos, tão sutilmente executada que muitos nem percebem o perigo.
Como sociedade, precisamos estar vigilantes. Não podemos permitir que nossos direitos fundamentais sejam constantemente diluídos em nome de uma suposta segurança ou estabilidade, pois acabaremos ficando sem direitos fundamentais e sem segurança e estabilidade. A história nos mostra que, uma vez perdidos, esses direitos são difíceis de recuperar.
É hora de acordarmos. A água já está quente demais, e não podemos esperar até que esteja fervendo para reagir. Precisamos nos manifestar contra essa e outras medidas que ameaçam nossas liberdades. Caso contrário, corremos o risco de nos tornarmos o sapo cozido na caldeira de nossa própria complacência.
Referências
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