Em breve estaremos no mês da Consciência Negra. Data que é política e extremamente relevante para que se combata as violências sistêmicas direcionadas aos sujeitos negros, em nome da manutenção de uma memória colonial. Memória que se beneficia da destruição da cultura, da intelectualidade e da agência política de sujeitos enunciados à distância das normas que se centralizam na hierarquia racial.
Assumir a dinâmica política dessa data significa se comprometer como um agente de transformação contra os paradigmas políticos de apequenamento de sujeitos não brancos. Ademais, indica uma ruptura com a estratégia racista de submeter sujeitos negros a espaços restritos, a discussões que reiteram uma ritualização da violência e que desconsideram a potencialidade e a pluralidade, obliterando, assim, sua humanidade. A homogeneidade e a ausência de complexidade são narrativas construídas pela branquitude enquanto sistema de organização de mundo que se alimenta da oposição radical entre os que anunciam a si como sinônimo de humanidade em oposição aos sujeitos que, de forma política, técnica e sistêmica, são precarizados, pois são sequestrados do lugar enunciativo e descritos como “os outros”.
Segundo Adilson Moreira (2017), os processos discriminatórios indicam a organização da realidade a partir de premissas normativas, tendo em vista um critério estabelecido, bem como a submissão de grupos sociais às práticas de violência. Nessa direção, é possível compreender o racismo como um paradigma político que organiza a realidade social e que conforma essa mesma realidade para justificar as inúmeras violências direcionadas aos corpos racializados. Ao apagar cotidianamente os sujeitos negros dos espaços de poder, ao mitigar a sua potencialidade intelectual e cultural, reduzindo a sua presença aos momentos e espaços específicos de denúncia de suas dores, a branquitude — enquanto uma organização prática e valorativa — reitera uma compreensão de mundo que visa cristalizar corpos negros em lugares de apequenamento, estigmatizados e ancoradas no que Silvio Almeida compreende como ideologia, isto é, “um imaginário que é reproduzido pelos meios de comunicação, pelo sistema educacional, e pelo sistema de justiça em consonância com a realidade” (2019, p. 76), articulado para administrar, de forma depreciativa, o corpo, a presença e as manifestações que se descentralizam da brancura, constituída como norma.
Os sujeitos negros e demais identidades detratadas pelas políticas discriminatórias não são “os outros”. Essa alteridade radical é formada no interior de uma estratégia de poder, por uma gestão de mundo que se alimenta da composição valorativa da guerra, uma vez que articula, como prerrogativa para a destruição, a presença da diferença no lugar da precariedade, da abjeção. Os pactos antirracistas precisam ser mais do que um exercício reduzido às pautas de um mês, às mobilizações com data de início e de término, corroborando, assim, para o esquecimento, para o apagamento e para o enfraquecimento das narrativas de sujeitos negros. O compromisso antirracista deve ser cotidiano e tem como um dos seus principais eixos desfazer as ferramentas de desidentificação e de não reconhecimento que sustentam o racismo enquanto tecnologia de poder.