Venda de ativos, operações societárias e Recuperação Judicial

Venda de ativos, operações societárias e Recuperação Judicial

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A superação da crise econômico-financeira das empresas encontra na Lei 11.101/2005 (LRJF), o processo de recuperação judicial, que busca criar alternativas para garantir a sobrevivência das empresas, permitir a manutenção da atividade e, por consequência, todos os benefícios que geram para sociedade – manutenção de empregos, pagamento de tributos e geração de riqueza.1

O art. 50 LRJF apresenta um rol exemplificativo de medidas que podem ser adotadas pelas empresas em processo de recuperação judicial. Dentre tantas opções como a concessão de prazos e descontos para pagamento dos débitos concursais, por exemplo, aparecem operações societárias (cisão, incorporação, fusão e transformação), o trespasse,2 a venda integral da devedora e a alienação de ativos.

A obtenção de recursos financeiros para enfrentamento da crise é um ponto fundamental. As empresas em crise necessitam de capital para implementação das medidas necessárias ao soerguimento,3 entretanto, é justamente nesse momento que o crédito se torna de difícil acesso em razão da análise de risco – instituições financeiras, fundos de investimento e outros investidores adotam muita cautela ao analisarem empresas em crise, o que em algumas circunstâncias torna inviável o acesso ao crédito e, por consequência, a própria superação da crise.

Diante disso, questões como a não sucessão em dívidas, a proteção das garantias e validade de atos jurídicos praticados com boa-fé, foram pontos de atenção da LRJF com a finalidade de permitir que empresas em recuperação judicial possam atrair recursos com relativa segurança aos seus “novos” credores, concedendo-lhes garantias de recebimento de seu crédito de forma privilegiada, ou a não-sucessão de passivos em caso de aquisição de ativos.

Decorre daí a atual redação do parágrafo único do art. 60,4 da LRJF, que protege da sucessão o arrematante que adquirir filiais ou unidades produtivas isoladas (UPIs), desde que o faça nos termos do art. 142 (regra procedimental) e que essa medida tenha sido aprovada pelo plano de recuperação judicial. Neste caso, o ativo adquirido não deve atrair dívidas trabalhistas, tributárias, ambientais, entre outras – princípio da não-sucessão.

A atual redação dos arts. 665 e 66-A6 da LRJF, também apresenta mecanismos que permitem a venda de ativos de empresas em recuperação judicial que, se observados, garantem ao adquirente a proteção contra a sucessão de dívidas (§3º, art. 60)7 e a proteção contra anulação dos atos praticados de boa-fé e mediante autorização judicial.

A diferença entre os arts. 60 e o 66, é que no primeiro caso se trata de operação aprovada pelo plano de recuperação judicial, ou seja, pelos próprios credores concursais, já no caso do art. 66, está-se diante do período entre o ajuizamento da recuperação judicial, mas sem que o plano tenha sido aprovado ainda, ou seja, num período inicial do processo, sem que a aprovação do plano tenha ocorrido até então.

O ponto de convergência entre os arts. 60 e 66, é que são mecanismos que permitem à empresa em recuperação judicial a obtenção de recursos, só que nestes casos por meio da alienação de ativos. De outro lado, a LRJF também admitiu mecanismos que permitem o financiamento de empresas em recuperação judicial com garantias e privilégios diferenciados ao credor (art. 69-A e seguintes), neste caso não há a alienação de ativos e a principal preocupação é que tal empréstimo não fique sujeito à lógica falimentar em caso de convolação da recuperação judicial em falência (art. 69-D).

Sob o ponto de vista da obtenção de recursos pelas empresas em crise ao longo do tempo, tem-se até aqui a seguinte divisão possível: (i) recursos obtidos após o ajuizamento da recuperação judicial, mas antes da aprovação do plano de recuperação judicial; e, (ii) recursos obtidos após a aprovação do plano de recuperação judicial. Para esses momentos a LRJF incorporou mecanismos que conferem relativa garantia ao financiador (privilégios em caso de convolação em falência) e/ou adquirente interessado (princípio da não-sucessão).

A questão ainda não tratada e que desperta interesse é outra: há empresas em crise que ainda não ajuizaram pedido de recuperação judicial, e muitas vezes buscam evitar este custoso processo, nestes casos, diante das inúmeras hipóteses de sucessão (caso trabalhista e tributário, por exemplo),8 fraude contra credores e fraude à execução, bem como os riscos de não recebimento em caso de um processo falimentar, qual seria a segurança para aquisição de uma ativo de sua propriedade e/ou a concessão de empréstimos fora da regulamentação dos arts. 69-A e seguintes da LRJF?

Aparentemente é mais difícil a análise de risco na compra e venda de ativos, o financiamento e/ou a realização de operações societárias com empresas em crise, mas que ainda não tenham ajuizado o pedido de recuperação judicial, uma vez que são diversas as circunstâncias que podem atingir a validade destas operações, além disso, a análise de risco de sucessão é muito complexa, razão pela qual o mecanismo da recuperação judicial surge como alternativa para sua minimização.

É evidente que a negociação em processo de recuperação judicial impõe transparência e concorrência muitas vezes indesejada nessas operações, entretanto, não é difícil concluir que a proteção conferida pela LRJF na compra e venda de ativos, em operações societárias e/ou empréstimos, seja pela garantia da não-sucessão, ou pelos privilégios concedidos em caso de convolação em falência, são circunstâncias que lhe conferem segurança que não existe em operações realizadas com empresas em crise que ainda não tenham ajuizado o pedido de recuperação judicial.

O estudo deste assunto deve ser aprofundado, pois ao estimular que essas operações sejam realizadas dentro de um processo de recuperação judicial (em razão das garantias e da segurança existente), há um sensível aumento dos custos de transação a serem suportados pelas empresas em crise, o que há depender do tamanho da empresa e do valor de seus ativos, torna inviável a utilização deste mecanismo. Talvez a permissão para utilização de mecanismos semelhantes para alienação de ativos de empresas em crise (não-sucessão), ou obtenção de empréstimos (proteção contra falência), mas que dispensem o custoso processo de recuperação judicial, seja uma alternativa a ser admitida em nossa legislação.

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Eduardo Benini

 

Referências

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1. Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

2. Código Civil, art. 1.143: “Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.”

3. É quase intuitivo concordar que qualquer medida necessita de recursos financeiros, basta pensar na possibilidade de fechar uma unidade ou filial, por exemplo, isso envolve recursos para dispensa de funcionários ou encerramento de contratos, da mesma forma, a abertura de uma nova linha de produtos também envolve a necessidade de recursos.

4. Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Parágrafo-único.  O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.

5. Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial

6. Art. 66-A. A alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou a financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor.

7. § 3º Desde que a alienação seja realizada com observância do disposto no § 1º do art. 141 e no art. 142 desta Lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.

8. As hipóteses dos arts. 133, CTN (Lei n.º 5.172/1966), art. 1.146, Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), arts. 10 e 448-A, CLT (Decreto-lei n.º 5.452/1943) e art. 4º, Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), são situações que “transferem” responsabilidade à parte que adquirir ativo ou se envolver em algum tipo de operação societária com a parte devedora. As hipóteses dos arts. 158 e 159 do Código Civil e 792 do Código de Processo Civil, são situações de fraude contra credores que podem implicar a nulidade determinadas operações.

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