Vieses existenciais: violência nas escolas

Vieses existenciais: violência nas escolas

bullying na escola

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a violência escolar pode ser definida como toda ação ou omissão que cause ou vise causar dano à escola, à comunidade escolar ou a algum de seus membros, que ocorram no ambiente de ensino ou que não sejam relacionadas às atividades escolares em si.

Sobre a violência, várias abordagens são desenvolvidas por diferentes cientistas sociais. Entende-se ‘violência’ como a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo. Além disso, a intervenção física, na qual a violência consiste, tem por finalidade destruir, ofender e coagir. É exercida contra a vontade da vítima. Violência, portanto, relaciona-se com poder. Violência é uma linguagem, presente na estrutura social.

No que se refere à caracterização da violência, é possível evidenciar conceitos, como por exemplo, de violência interpessoal, simbólica e de Estado.  Quando sinalizam a violência interpessoal, a caracterizam de modo verbal e físico entre pares, dos alunos sobre os professores e destes sobre os primeiros,

Um filme de terror”.  É assim que o professor Thiago dos Santos Conceição, de 32 anos, descreve os momentos de tensão que viveu no dia 18 de setembro de 2018, quando um grupo de alunos do 9º ano do CIEP Municipal Mestre Marçal, em Rio das Ostras (RJ), começou a hostilizá-lo durante uma aula de Língua Portuguesa. Em maio, uma professora de 59 anos foi agredida a tapas pela mãe de um aluno dentro da E. E. Oscar Pereira, em Porto Alegre (RS). Um mês depois, oito estudantes arremessaram mesas e cadeiras em uma professora da E. E. Maria de Lourdes Teixeira, em São Paulo (SP). Um caso mais extremo aconteceu no dia 30 de abril, quando o professor Júlio César Barroso de Sousa, de 41 anos, foi morto a tiros por um aluno do Colégio Estadual Céu Azul, em Valparaíso (GO), após uma discussão. (Bernado, 2019).

A escola é vista como um centro de formação intelectual, de desenvolvimento e aprendizagem, um espaço constituído por segurança e proteção. Entretanto, atualmente, situações de violência e desrespeito nas instituições ganham cada vez mais destaque nas mídias e pesquisas, como dito por Debarbieux (2001), o enfoque da mídia no assunto contribuiu para que os acontecimentos tivessem mais visibilidade. As agressões nem sempre são físicas, casos de violência psicológica são bem mais comuns e menosprezados, pois constantemente são julgados como brincadeira.  A escola, sobretudo, deve ser um espaço para socializar conhecimentos e cultivar a formação intelectual, moral e ética do aluno, entretanto, o aprendizado do discente não é a única preocupação da instituição, fatores como a violência vêm sendo cada vez mais presentes no processo educacional, pois vem prejudicando não só o processo de ensino-aprendizagem dos discentes, mas também a preocupação de como enfrentar a violência, qual a melhor forma em lidar com o discente,  e buscar bons resultados no seu desenvolvimento. Sua amplificação no âmbito escolar requer discussões que envolvam a família e a comunidade. (Barbieri, Santos, Avelino, 2021).

Os conflitos que acontecem no espaço escolar contam com três situações, a primeira são as testemunhas, alunos que observam os acontecimentos, mas mantêm-se neutros, pois não querem ser a próxima vítima. A segunda situação são os alvos, esses por sua vez, são perseguidos de forma hostil e por vezes não sabem como se defender, podendo ser professores, alunos e funcionários da escola. Na terceira circunstância, os autores encontram um indivíduo com características especificas, podendo ser a orientação sexual, crença, gênero, físico e raça, sem motivos aparentes, desta maneira, todos passam a ser alvos em potencial.  Em agosto de 2025 em Belo Horizonte, um professor denunciou ter sido constrangido por um aluno, que arrancou sua calça no pátio de uma escola do bairro Ouro Preto, na região da Pampulha, em Belo Horizonte. O docente ficou apenas de cueca diante dos demais estudantes após a ação do garoto, matriculado no sétimo ano. (G1,2025).

Nas escolas as violências mais presentes são ações de depredação do espaço físico, vandalismo, pichações, brigas, cyberbullying, o bullying que envolve ameaças, xingamentos, insultos, discriminações, intimidações, agressões físicas, verbais e psicológicas, também se encontra as indisciplinas, uso e comércio de drogas, furtos e a utilização de armas, ocasionando possíveis mortes.    São ações violentas desencadeadas por motivos diversos, bem como a própria realidade vivenciada pelo indivíduo, seja do convívio doméstico, familiar e social.    (Barbieri, Santos, Avelino, 2021).

O Ministério da Educação (MEC) reconhece determinados tipos de violência que afetam a comunidade escolar. O primeiro refere-se às agressões extremas, com ataques premeditados e letais; o segundo abarca situações de violência interpessoal, envolvendo hostilidades e discriminação entre alunos e professores; e o bullying, quando ocorrem intimidações físicas, verbais ou psicológicas repetitivas. Identifica também problemas abrangendo o entorno da instituição, como tráfico de drogas, tiroteios e assaltos.

Dois adolescentes foram mortos nesta quinta-feira (25/9/25) em uma escola pública de Sobral, no interior do Ceará, segundo informações confirmadas pelo governo cearense. Outras três pessoas ficaram feridas.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Ceará, os tiros foram disparados de fora da escola em direção ao estacionamento da instituição. Os alunos estariam reunidos durante o intervalo das aulas, pouco antes das 10h.

Uma quantidade de droga, balança de precisão e embalagens foram apreendidas com uma das vítimas, segundo a secretaria.

As mortes ocorreram na Escola Estadual Luiz Felipe, em Sobral, a poucos metros da prefeitura da cidade.

(G1, 2025).

O ataque foi motivado por disputa ao tráfico de drogas, e não um atentado de extremistas, como em Realengo (Rio, 2011), Suzano (SP, 2019),  Blumenau (SC, 2024) e Aracruz (ES, 2022).

O segundo faz referência a influência de fatores socioeconômicos nas violências ocorridas no entorno das escolas. “ Um confronto entre policiais civis e criminosos causou pânico a alunos de uma escola estadual, na manhã desta quarta-feira (19), no Jardim América, na Zona Norte. Estudantes tiveram que se abrigar dos tiros em um corredor da unidade”. (Cunha, 2025).

O terceiro refere-se as formas de violência intraescolar, como bullying, discriminação racial e de gênero.

Um em cada dez estudantes brasileiros é vítima de bullying – anglicismo que se refere a atos de intimidação e violência física ou psicológica, geralmente em ambiente escolar. O dado foi divulgado esta semana pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. (BRASIL, 2000).

A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. (Brasil, 2015).

bullying se diferencia das brigas comuns – as que chegam às vias de fato ou as que ficam apenas na discussão.

Uma estudante de 14 anos morreu na manhã do dia 08  de maio de 2025, dentro do Colégio Livre Aprender, no Bairro Universitário, em Uberaba (MG), após ser atacada com facadas por um colega da mesma idade após-levar tesourada de colega. O aluno fugiu após o crime, mas foi encontrado no fim da tarde. Ele foi apreendido pela Polícia Militar e será encaminhado à Delegacia de Polícia Civil da cidade para responder de acordo com o previsto pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). (Bonfim, 2025)

Os menores de 18 anos são inimputáveis, ou seja, não podem ser condenados a penas pela prática de crimes. Dessa forma, quando uma criança ou adolescente pratica um ato que é previsto em lei como crime, ela está cometendo um ato infracional análogo ao crime e não o crime em si. Se trata apenas de uma questão de nomeação técnica, para diferenciar os institutos jurídicos entre o crime e o ato infracional.

Enquanto quem comete um crime responde pelas penas previstas no Código Penal, às crianças e adolescentes infratores são submetidos a medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, que define adolescentes como aqueles que possuem entre 12 anos e 18 anos de idade. Se tratando de um apreendido criança, ela será levada até a autoridade policial, que imediatamente deve comunicar os pais ou responsáveis do apreendido sobre o ocorrido, para que estes venham buscar a criança, mediante assinatura de termo de responsabilidade.

Comprovada a prática da conduta infracional, poderá ser aplicada medidas socioeducativas contra o adolescente. Essas medidas são: ( advertência; obrigação de reparar o dano causado; prestação de serviços à comunidade: Realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não superior a seis meses, em entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos similares, bem como em programas comunitários ou governamentais; liberdade assistida: Será designado um orientador para acompanhar o adolescente e sua família, no prazo não superior a 06 meses;  inserção em regime de semiliberdade: Que constitui o meio termo entre a liberdade e a internação. O adolescente deverá ficar recolhido durante o período noturno e poderá exercer atividades externas durante o dia; internação em estabelecimento educacional: Constitui na colocação do adolescente em entidade de internação, sendo, privado de sua liberdade. Essa medida só é adotada nos casos de extrema gravidade; encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental. (BRASIL, 1990).

Pelo menos 39 pessoas morreram em ataques de violências extremas em escolas do Brasil entre 2001 e 2025. O caso fatal mais recente é o de Alícia Valentin que morreu após ser espancada em uma escola pública de Belém do São Francisco, no Sertão de Pernambuco.  a menina foi agredida por cinco colegas, incluindo quatro meninos e uma menina. Conforme o documento, as agressões foram feitas porque a vítima “não quis ficar” com um dos garotos.

O quarto A presença e a ausência de estruturas institucionais voltadas à prevenção e ao enfrentamento das violências. No campo da educação, as investigações científicas internacionais também sinalizam que as ações de prevenção à violência em escolas são relevantes e necessárias, embora em alguns países e regiões, estas práticas apresentem fragilidades e necessitem incorporar maior planejamento, sistematização e avaliação. Ao realizar uma aproximação dos níveis de prevenção à violência instituídos na saúde com os níveis de prevenção à violência comumente utilizados no contexto educativo, vale pontuar os conceitos de “prevenção específica” e “prevenção inespecífica” da violência,

[…] a prevenção específica é caracterizada por ações ou programas de formação e capacitação visando prevenir a violência e os problemas a ela associados. Em geral, são ações que apresentam como objetivos detectar o problema e evitar sua progressão. Já nas estratégias preventivas de caráter inespecífico, a violência é considerada um dos temas no âmbito da promoção da saúde, e as ações envolvem questões institucionais e macrossociais. Neste caso, as ações de caráter específico podem ser consideradas continuação de prevenções inespecíficas. (Barbieri, Santos, Avelino, 2021).

Casos como os citados são recorrentes no cenário brasileiro. Em novembro de 2023, foi lançado o relatório Ataque às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental, realizado pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Violências nas Escolas, do Ministério da Educação.(Jornal da USP, 2024).

Segundo Daniel Cara, docente da Faculdade de Educação da USP e relator do documento,  “esse novo relatório do Ministério da Educação consolida o fato de que o extremismo mobiliza os ataques. Não se trata de violência nas escolas apenas, mas de violência contra as escolas, que têm um vínculo orgânico retroalimentado pela violência nas escolas e a violência da escola.” (jornal da USP, 2024).

Os agressores são frequentemente alunos e ex-alunos, quase sempre como reação a ressentimentos, fracassos e violências experenciadas na vida escolar, bem como a presença dos crimes por imitação, segundo Daniel Care é a  presença de copyct crime, segundo o pesquisador “o crime de Columbine é o grande evento mundial que foi imitado por Realengo em muitos aspectos, em 2011. Depois, Realengo é imitado junto com Columbine em Suzano, 2019. Que também é imitado por Aracruz, que é imitado por Sapopemba, em 2023, que eu acho que é o evento mais referencial, o mais dramático” (jornal da USP, 2024).

O adolescente de 14 anos que atirou nesta sexta-feira (20) contra colegas de sala do Colégio Goyases, em Goiânia, contou à Polícia Civil que se inspirou nos massacres de Realengo, no Rio de Janeiro, e de Columbine, nos Estados Unidos. O estudante foi apreendido após matar dois adolescentes e deixar outros quatro feridos. “Ele disse que vinha sofrendo bullying, ou nas palavras dele, que um colega estava amolando ele. Inspirado em outros casos, segundo ele como os de Columbine e o de Realengo, ele decidiu cometer esse crime. Ele ficou dois meses planejando a ação.(Santana,  Resende, Túlio,2017).

Observando  a necessidade de luta contra a violência no ambiente escolar, o Ministério da Educação (MEC) atua na criação de políticas públicas de enfrentamento. Em 2024, algumas iniciativas já entraram em vigor. Em parceria com o MDHC, o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (Snave1) foi instituído no dia 25 de abril e autoriza o Poder Executivo a implantar serviço de monitoramento de ocorrências de violência escolar.

 

 

Notas

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1. O Snave será implementado em articulação com os estados, os municípios e o Distrito Federal na produção de estudos, levantamentos e mapeamentos de ocorrências de violência escolar, na sistematização e divulgação de medidas e soluções de gestão eficazes no combate à violência nas escolas.

 

Referências

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BARBIERI, Bianca da Cruz; SANTOS, Naiara Ester dos; AVELINO, Wagner Feitosa. Violência escolar: uma percepção social. Revista Educação Pública, v. 21, nº 7, 2 de março de 2021. Disponível em: link

BERNADO, André. Fui agredido em sala de aula’: 3 professores contam histórias de violência, trauma e decepção.https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/08/12/fui-agredido-em-sala-de-aula-3-professores-contam-historias-de-violencia-trauma-e-decepcao.ghtml.acesso em 04.set.2025.

BRASIL, estatuto da criança e do adolescente.http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990http: acesso em 01.set.2025.

BRASIL, MDHC nº 571/2023. Disponível em: Link. Acesso em 06.set. 2025.

BRASIL. Programa Internacional de avaliação de estudantes (PISA). Disponível em: link. Acesso em 05.set. 2025.

Bonfim, Gabriel. Aluna morre em colégio particular de Uberaba após ser atacada com golpe de tesoura por colega de classe; suspeito foi apreendido. G1, 2025. Disponível em: link. Acesso em 06 set..2025

BRASIL, Lei que criminaliza bullying e amplia punição para crime contra criança

Fonte: Agência Senado. Disponível em: link. Acesso.09 set.2025

 CUNHA, Romulo. Estudantes se abrigam em corredor de escola estadual durante tiroteio no Jardim América. Disponível em: link. Acesso em 03.set.2025.

DEBARBIEUX, Eric. A violência na escola francesa: 30 anos de construção social do objeto (1967-1997). Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, nº 1, p. 163-193, jan./jun. 2001. Disponível em: link. Acesso em: 06 set.. 2020.

G1.https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/09/26/ataque-em-escola-de-sobral-suspeitos-de-atirar-em-cinco-alunos-sao-identificados.ghtml. acesso em 25.set..2025.

JORNAL da USP. Disponível em: link. Acesso em: 04.set.2025.

SANTANA, RESENDE E TULIO. Disponível em: globo.com/goias/noticia/estudante-que-atirou-contra-colegas-em-escola-de-goiania-ia-matar-todo-mundo-cre-delegado.ghtml. Acesso em 07 set.2025.

 

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