Seja pelo viés da ciência, seja pela observação cotidiana, não faltam dados e sinais acerca dos problemas ambientais existentes, de modo que não é possível fechar os olhos para as consequências da postura humana destrutiva frente à natureza.
Para além das discussões sobre as mudanças climáticas, constantemente questionadas com respeito à origem nas ações humanas ou como fenômeno natural, as diversas formas de poluição e a escassez de vários elementos da natureza testemunham por si mesmas a existência de desequilíbrios na biosfera terrestre: são diversas as espécies extintas ou ameaçadas de extinção. É maior a incidência de incêndios florestais. São várias as pesquisas atestando contaminação das águas por metais pesados, por agrotóxicos, por microplásticos. Todos os anos, no Brasil, há tragédias anunciadas causadas pelas chuvas de verão associadas à ocupação humana de lugares onde não deveria haver comunidades instaladas. Há, ainda, diversos conflitos para gerenciar os resíduos sólidos, largamente produzidos pelas sociedades humanas, os quais a natureza não consegue absorver. Os alimentos produzidos em larga escala, hoje, são constituídos de tecnologia voltada à massificação da produção, alterando substancialmente a base alimentar das pessoas, e causando diversas afetações à saúde.
Assim, observamos passivamente os tantos fatos que demonstram os desequilíbrios ambientais a que nos submetemos em nome do “progresso”. Também constatamos que muitos deles são originados ou potencializados pelas diversas tecnologias que impulsionam a produção em escala industrial, sob a justificativa de que é necessário atender às necessidades sociais. Seria a tecnologia uma vilã da natureza?
Para responder a este questionamento, é interessante começar observando que, em qualquer literatura sobre problemas ambientais, encontramos uma história em comum: a história da Revolução Industrial como um marco que modificou essencialmente a forma como o ser humano produz e consome. Foi através desse marco histórico e civilizacional que deixamos de produzir em escala de consumo local e passamos a produzir massivamente, visando ofertar o máximo de mercadorias, aumentando os mercados consumidores e trazendo mais e mais pessoas para as relações de consumo previamente padronizadas.
A mudança do padrão manufatureiro para o maquinofatureiro marca essa modificação visceral das tecnologias produzidas pela humanidade, porém, como efeito colateral e inevitável, tem-se um aumento da demanda por matérias-primas, exigindo da natureza um fornecimento constante e acelerado de material, demandando, ainda, que ela absorva os resíduos da produção crescente infinitamente, num universo de recursos finitos.
Não obstante, apesar dos avanços em termos econômicos, os problemas ambientais ocasionados por essa sociedade industrial e hegemônica, parecem finalmente começar a incomodar os mercados, gerando pressão por meios mais sustentáveis de suprir as necessidades humanas: estamos diante de uma conscientização massiva em torno da questão ambiental, ou estamos diante de uma necessidade de ajuste pela continuidade deste modo produtivo?
Esta é uma pergunta de difícil resposta, até porque, é possível que as duas opções sejam coexistentes e expliquem a atual oferta de alternativas tecnológicas consideradas “verdes”, “ecológicas” ou “sustentáveis”.
Sim. Existe uma maior disponibilidade de informações acerca da causa ambiental e dos problemas enfrentados. Sim. Também existe uma necessidade dos arranjos produtivos adequarem suas atividades por três motivos: 1) necessidade de garantir a continuidade das matérias-primas, já que não são infinitas; 2) criar novas mercadorias, já que o modelo econômico exige crescimento constante ou 3) atender a um mercado ambientalmente consciente, que cresce buscando alternativas de consumo que sejam mais naturais e atentem menos contra o equilíbrio ecológico do ambiente envolvido.
Cada um desses motivos, exigiria, por si só, uma análise aprofundada, pois todos eles são uma realidade no cenário dos problemas ambientais atualmente observados. Porém, neste momento, nos limitamos a considerá-los para pensar o papel das tecnologias nesse processo. Pois bem, é na busca por alternativas que está situado o mercado das tecnologias ambientais, que visam aplicar as ciências ambientais às tecnologias, com o objetivo de adequar o processo produtivo às necessidades do meio ambiente. As tecnologias ambientais respondem às necessidades das sociedades que, desejando um ambiente melhor, defendem modificações nas formas de produzir e também na maneira de consumir. Por outro lado, também atendem o interesse econômico de incrementar os mercados e atender a um público que procura nas empresas, compromisso socioambiental.
As diretrizes para tornar possível essa adequação passam, entre outros fatores: pela redução dos resíduos decorrentes do processo produtivo, pela ecoeficiência (produzir mais com menos recurso); pela adoção de uma matriz energética realmente limpa e pela modificação dos padrões de consumo, sem a qual é impossível pensar qualquer medida que funcione do ponto de vista ambiental.
No entanto, por mais que se pense em usar energia limpa, com processos produtivos que aproveitem melhor a matéria-prima, que minimizem toxicidade e que usem materiais biodegradáveis, de nada adiantaria, se uma revolução de consciência não acontecer. As novas formas de produzir, devem ser implementadas em conjunto com a adoção de padrões reduzidos de consumo. O grande problema é que, no modelo econômico atual, prega-se o crescimento contínuo e ilimitado, o que, como já observado, não pode ser suportado num cenário de recursos limitados.
Deste modo, o grande incômodo daqueles que estudam os problemas ambientais e pensam soluções para eles, reside justamente nessa perspectiva de insolubilidade que ronda a questão: quem está disposto a frear seus impulsos de consumo e redirecionar o mercado em direção às tecnologias ambientais? Quanto da população está disposta a considerar consumir de uma forma ambientalmente responsável para chegar a esse objetivo? De quanto de lucro as empresas estão dispostas a abdicar para adequar sua produção aos padrões de sustentabilidade ambiental?
São muitas as variáveis a serem observadas, em especial em países como o Brasil e outros latino-americanos, que ainda precisam enfrentar problemas sociais concretos e que, por vezes, inviabilizam as pessoas de dedicarem-se a esse tipo de reflexão: como pensar em como gerir o meio ambiente se as populações ainda enfrentam fome, desemprego e desesperança? Como podem tais pessoas acessar conhecimentos sobre tecnologia ambiental se necessitarem dedicar suas atenções a questões primárias de sobrevivência?
Portanto, na complexa rede de demandas que nos impõe a crise ambiental, há que se resgatar a necessidade de resgate e efetiva implementação de valores democráticos, que passam pela observância de direitos sociais, dando às pessoas a liberdade de viver o tipo de vida que valorizam. Nesse sentido, autoconhecimento é fundamental, pois somente o “conhecer-se a si mesmo” pode evitar que o sistema econômico e industrial determine com seus mecanismos o que será produzido e de que forma será consumido. Uma cultura que priorize a realização pessoal não-material, assim, seria um passo fundamental para que as tecnologias ambientais atualmente em desenvolvimento tenham sucesso.
Por fim, resta reconhecer que a tecnologia, historicamente, atuou de forma significativa para a degradação dos elementos naturais de forma geral, em que pesem os avanços obtidos pelas sociedades humanas em decorrência dela. Não obstante, observados os efeitos e malefícios ocasionados pelo modelo industrial e hegemônico, cabe repensá-las. Nesse sentido, as tecnologias ambientais podem sim ter um papel importante no resgate do equilíbrio ambiental tão necessário nos dias atuais. Porém, sem mudanças necessárias e rupturas drásticas com os padrões de consumo, nenhuma tecnologia conseguirá ser verdadeiramente “verde, “limpa” ou “ecológica”.
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Referências
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