Violência doméstica e familiar: negação da alienação parental e imposição de guarda privativa?

Violência doméstica e familiar: negação da alienação parental e imposição de guarda privativa?

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Estão em trâmite no Congresso Nacional dois projetos de lei derivados de movimentos diversos, em seara inclusive global, os quais primam por identificar as condutas peculiares à “alienação parental” com expedientes que fomentam a violência doméstica e objetivam em essência prejudicar as mulheres, violando os direitos das mães, de modo ilícito e danoso à prole.

Ao produzir o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, o CNJ admitiu que a alegação de alienação parental tem sido utilizada por parte dos homens, responsáveis pela prática de violência doméstica, com o escopo de tornar débeis as denúncias contra os mesmos autores1 . O Conselho Nacional de Saúde (CNS) recomendou aos Conselhos Federais de Medicina, Psicologia e Serviço Social o banimento do uso dos termos “síndrome de alienação parental, atos de alienação parental, alienação parental e quaisquer derivações sem reconhecimento científico em suas práticas profissionais. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos pronunciou-se pela revogação da lei e coibição do uso de expressões sem reconhecimento científico como “síndrome de alienação parental”; o Conselho Federal de Psicologia denomina alienação parental de ilícito civil recomendando aos profissionais a abstenção na fundamentação de análises e conclusões em alienação parental 2 .

De ver-se que embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) haja incluído a alienação parental na Classificação Internacional de Doenças (CID) 11, sob a rubrica  QE52. 0: “Problemas de relacionamento entre cuidador e criança”, teria se pronunciado pelo expurgo por consubstanciar o termo alienação parental “um problema judicial”3 .

Não obstante respeitarmos as abalizadas opiniões nesse diapasão, não podemos concordar com tais assertivas.

O ponto fulcral não reside na circunstância da alienação parental consistir síndrome, mas sim em sua existência ou a negativa desse fator.  E a admissão do fenômeno não advém da criação hipotética, abstrata de determinado autor, mas sim da verificação de sua eclosão no contexto fático, nas dinâmicas familiares, independentemente de eleição de gênero quanto ao praticante da alienação parental. Isso significa dizer que qualquer indivíduo que tenha a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância (além de um dos genitores ou avós) pode perpetrar alienação parental (não privativamente o homem contra a mulher, o pai contra a mãe, portanto) já que esse é o conceito legal fornecido pelo artigo 2º, caput da Lei 12.318/10.

A própria guarda compartilhada fora instituída como regra a ser observada na disciplina de guarda dos filhos pelo diploma civil, conforme a doutrina, como elemento instrumental para prevenir, e até mesmo combater, a alienação parental.

Acrescente-se, outrossim, a elevada proporção de falsas denúncias de abusos sexuais que são realizadas perante o Poder Judiciário com o propósito deliberado de apagamento do genitor ilicitamente denunciado, que se almeja ver afastado de modo inconciliável da vida do próprio filho4 .

O Projeto de Lei 1372/20235 objetiva a revogação da Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental, sob o argumento que consistiria em forma ardilosa pela qual um genitor violento manipularia o outro de modo a obter duplo benefício de acesso à vítima com guarda compartilhada e afastamento do protetor. Já o Projeto de Lei 2491/20196 colima a alteração do CC e CPC para estabelecer que o risco de violência doméstica ou familiar impediria por si só a guarda compartilhada, impondo ao magistrado o dever de previamente indagar ao Ministério Público e às partes sobre situações de violência doméstica envolvendo o casal ou os filhos.   Há se consignar que ambos os projetos foram de iniciativa de Senadores e encontram-se em regular tramitação.

Quanto ao pretenso expurgo do ordenamento jurídico de lei apropriada e eficaz à prevenção e combate da alienação parental, fenômeno, repita-se, real, com generalização indevida de condutas imputadas a determinado genitor e imposição estanque da qualidade de vítima irremediável ao outro (como se não fosse dotado de capacidade cognitiva, de escolha, de ação, de crítica e o judiciário laborasse com ausência de apuração dos fatos e à revelia dos ditames legais, como mero expectador) tem-se que o equívoco é patente e fere o princípio da igualdade, compartimentado homens e mulheres com caracteres estanques e imutáveis o que se dissocia da natureza relacional das interações entre eles.

Se meditarmos a propósito do Projeto de Lei 2491/2019, que obsta guarda compartilhada pelo mero risco de violência doméstica e familiar envolvendo o casal ou os filhos, sem a análise do caso concreto, individualmente, com generalização ampla, de modo apriorístico, também haveremos de concluir pelo desacerto como soe ocorrer com todas as premissas que olvidam as especificidades.

Não discordamos daqueles que advertem acerca da gravidade da violência doméstica e a propósito de análise inclusive de cunho psicológico do reflexo da violência em detrimento da prole, inclusive de modo a embasar a disciplina de convivência entre os filhos e o genitor acusado de haver perpetrado o ato ilícito em desfavor da genitora (caso de ausência de violência direta contra os incapazes). Trata-se de fato relevante e indispensável na ponderação judicial. Isso não é sinônimo de afastamento cogente de genitor em relação à prole, pela mera imputação de prática ou risco de prática de violência doméstica ou familiar em detrimento da genitora. Ditames genéricos e preestabelecidos além de fomentarem preconceitos podem afastar definitivamente filhos menores da convivência com os respectivos genitores não raras vezes em virtude de sentimentos de menor quilate como, exemplificativamente, revanchismo por separação, adultério etc.

A Lei 14.550/23, sancionada pelo Presidente da República com entrada em vigor em 19 de abril de 2023, alterou a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha – LMP), a fim de dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação a Lei. Houve alteração dos artigos 19 e 40 da LMP.

Operou-se de tal sorte o acréscimo do parágrafo quarto ao artigo 19 da LMP para restar explicitado que as medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas, no caso de avaliação pela autoridade, de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes. Também o novo parágrafo quinto do dispositivo em questão preconizou que as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

No quadro legislativo atual se uma mulher imputa a seu companheiro a prática de violência psicológica, suas declarações ostentam força probante e somente podem ser afastadas na hipótese de avaliação, pela autoridade, de inexistência de risco à integridade psicológica o que não se viabiliza sem elementos sólidos (laudos, testemunhas, etc). Aplica-se e com absoluta razão, o in dubio pro tutela, em sistemática protetiva à mulher. Isso não equivale à conclusão de que o genitor, que convivia de modo nocivo com sua companheira e vice-versa, na dinâmica privada do relacionamento, haja forçosamente e, reitere-se, sob presunção, ter perpetrado violência psicológica contra os filhos. O que se repele é o estereótipo, a suposição e a violação, em consequência, do princípio da igualdade substancial que para ser respeitado deve valer para ambos os gêneros já que, não é demasiado recordar, homens e mulheres podem em grau absoluto de isonomia, falhar.

 

Referências

1.  Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, pág 96;

2.  Dias, Maria Berenice, “Alienação Parental e Princípio do Melhor Interesse”, 12/02/23, Ministério Público do Estado do Mato Grosso, link, acessado em 28/08/2023;

3. link, 04 de março de 2022, “Vida das Mulheres”, acessado em 28/08/2023;

4.  Tripode, Fernanda R., “Parecer Jurídico sobre o PL 1372/23 que Pretende Revogar a Lei de Alienação Parental”, 13/07/2023, link, acessado em 28/08/2023;

5.  www25.senado.leg.br, acessado em 28/08/2023;

6.  link, acessado em 28/08/2023;

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