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10 anos da Lei Anticorrupção

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No dia 1º de agosto de 2023, a Lei Federal n. 12.846/20131 completou dez anos da sua publicação. Desde então, o Brasil passou a ostentar um arcabouço legal atrelado ao combate à corrupção empresarial, trazendo um novo modelo de responsabilização de pessoas jurídicas, por ilícitos praticados contra a Administração.

A legislação não tem natureza criminal, embora muitos tentem atribuir. Com efeito, a Lei Anticorrupção está atrelada ao direito administrativo sancionador, tanto que foi elaborada para a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas que praticam ilícitos contra Administração Pública, como pode ser extraído de sua própria ementa: “Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.”.

Essa confusão surgiu porque muitos dos ilícitos contra a Administração Pública, elencados no artigo 5º, da Lei Federal n. 12.846/2013, possui um tipo penal correlato, no Código Penal Brasileiro. Contudo, a natureza das sanções impostas na legislação não é de caráter penal, mas apenas administrativo, tais como multa e divulgação da decisão condenatória.

O Brasil legislou sobre anticorrupção com certo atraso. Os Estados Unidos da América do norte, já possuem o FCPA – Foreign Corruption Practices Atc, desde os anos 70; essa legislação foi aprimorada no início desse século, com a publicação da Lei Sarbanes-Oxley, a SOX, depois do caso ENRON. O Reino Unido, igualmente, legislou em 2010, com o UK – Bribery Act, já contando com uma legislação anticorrupção.

Em terras nacionais, o combate à corrupção possui um histórico um pouco tormentoso, sendo que a corrupção está presente no imaginário popular desde os tempos de Brasil Colônia. Na realidade, nenhum governo conseguiu passar ileso a denúncias de corrupção.

A Lei Federal n. 12.846/2013 foi publicada em meio as consequências do caso “Mensalão”, cujo julgamento da Ação Penal 470/STF, tinha se encerrado no ano de 2012, colocando na cadeia figuras emblemáticas da política nacional, como José Dirceu. A Presidente Dilma Roussef se viu encurralada e obrigada a dar uma resposta legislativa à corrupção do “Mensalão”, que aconteceu durante o governo de seu antecessor, o atual Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

A Lei Anticorrupção veio como uma inovação legislativa salutar e, mesmo que não use da palavra compliance, trata de regramentos de vinculados a atuação de acordo com a Lei, aos moldes de legislações de países estrangeiros. No Brasil, o programa de compliance recebeu o nome de Programa de Integridade.

A legislação teve por finalidade criar a estrutura legal de responsabilização cível e administrativa das pessoas jurídicas. Tipificou essas infrações, bem como, determinou a forma de sancionamento. Trouxe as regras de processamento da apuração dessas infrações, bem como, regulamentou o acordo de leniência. Assim sendo, é uma legislação de caráter genérico, que buscou trazer as bases do que pode ser chamado de um microssistema de anticorrupção.

A ideia da legislação foi promover uma espécie de autorregulação regulada, no sentido de que as empresas podem ser responsabilizadas, pelo simples agir em desconformidade com a Lei, cometendo ou deixando cometer em seu nome, atos ilícitos. Essa inovação veio com o objetivo de evitar que sócios, gerentes, diretores, administradores e outros empregados de grandes empresas, tentem utilizar da proteção oferecida pela pessoa jurídica, para a prática de ilícitos.

Como a pessoa jurídica, via de regra, não pode ser responsabilizada criminalmente, por questões atreladas a sua natureza, era muito comum os culpados pelas práticas ilícitas dentro de empresas, se esconder por trás da estrutura organizacional da pessoa jurídica, para se eximir de eventual responsabilização pelos ilícitos praticados. Por isso, que a Lei vai tratar da responsabilização cível e administrativa das pessoas jurídicas, e não criminal, que é subjetiva e individual por essência.

Ainda, a Lei Federal n. 12.846/2013 não é autoaplicável e dependia de um Decreto Regulador. Até porque, a Lei previa que a existência de um Programa de Integridade dentro da empresa, poderia atenuar a aplicação das sanções previstas na legislação, mas não definiu o que seria um programa de integridade.

Em outro cenário de corrupção avassaladora que passou o governo do Partido dos Trabalhadores, surgiu o Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015,2 em meio a repercussão da Operação Lava Jato, quase dois anos depois do início da vigência da Lei Anticorrupção. O Decreto é mais longo que a própria legislação e supriu omissões importantes da Lei, tais como: regulamentou o Procedimento Administrativo de Responsabilização; a forma da aplicação das sanções previstas em Lei; o acordo de leniência; os requisitos para um programa de integridade; a criação dos cadastros de empresas punidas; e alguns outros detalhes necessários.

Esse Decreto foi revogado em 2022, pelo Decreto n. 11.129, que não alterou substancialmente seu antecessor, mas trouxe algumas modificações, tais como: o novo decreto possibilita a prática de diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos sob apuração nas investigações preliminares, como o compartilhamento de informações fiscais da pessoa jurídica investigada; modificação de 4% para 5% de redução da multa, caso a pessoa jurídica possua programa de integridade no momento da violação da Lei Anticorrupção; revisão das regras do Procedimento de Apuração de Responsabilidade – PAR; reorganização do acordo de leniência; aprimoramento dos Programas de Integridade.3

O Decreto, na realidade, submeteu a Lei Anticorrupção a um processo de arejamento que era necessário, uma espécie de adequação de procedimentos e correção de falhas legais.

O saldo dos dez anos de vigência de Lei Anticorrupção não é muito positivo. O segmento de compliance migrou para várias áreas, como trabalhista, tributário, ambiental e até análise de contratos cíveis, algo que não está previsto na legislação. Houve uma distorção do conceito de compliance para o de advocacia preventiva, que já era um campo de atuação muito comum da advocacia e não está diretamente ligado ao compliance.

O compliance é um instrumento atrelado à coibição de prática de lavagens de capitais e de atos que atentem à Administração Pública, na forma de corrupção. A Lei, em si, não tem relação alguma com direito do trabalho, direito do consumidor ou direito ambiental, e assim por diante.

Na esfera do combate à corrupção, a legislação possui algumas falhas que estão impedindo a adoção de Programas de Integridade por todas as empresas. Isso porque, a Lei quer que as empresas criem estruturas em que as próprias pessoas jurídicas desvendem fatos e produzam provas para a sua responsabilização. Por isso, que se não for para levar a sério, é melhor não ter um programa de compliance, do que ter um como mero enfeite.

Inclusive, a legislação é extremamente ambígua sobre a possibilidade de responsabilização do compliance officer (cargo executivo responsável pelos programas de compliance). Se o Programa de Integridade for considerado uma estrutura garantidora da empresa, contra a prática de atos ilícitos, o compliance officer pode ser responsabilizado por omissão, o que é um risco altíssimo de se assumir.

Não se tem notícia de um uso amplo da Lei Anticorrupção como forma de forçar as empresas a agirem em conformidade com a Lei. Aconteceram algumas condenações e imposição de multas, com base na Lei Anticorrupção, porém não se tem notícia de algum caso muito emblemático, que possa servir de exemplo de sucesso da legislação. Um caso que pode ser pioneiro nesse critério é o das Lojas Americanas, em que houve uma possível fraude contábil e, possivelmente, regras de compliance, no mercado financeiro, foram violadas.

Dentro da estrutura de ESG – Enviromental, social and Governance, os Programas de Integridade se enquadram nas estruturas de governança corporativa, tendo em vista que tratam especificamente de boas práticas contábeis e de relações com o Poder Público.

Por outro lado, é de se referir que a legislação anticorrupção depende de muitas estruturas normativas e regulatórias. Ilícitos contra licitações dependem da Lei de Licitações e da atuação dos órgãos licitantes; políticas antilavagem de capitais dependem excessivamente do COAF, bem como, dos principais atores do sistema financeiro nacional, em especial, o BACEN e os demais bancos; o Poder Público terá que dar o exemplo, demonstrando que a legislação anticorrupção funciona em partidos políticos, órgãos públicos, Congresso Nacional, Poder Executivo e Poder Judiciário.

Ademais, combater a corrupção demanda muita vontade política. As autoridades terão que estar dispostas a investigar e punir (se for o caso), grandes conglomerados econômicos, políticos eleitos, ocupantes de cargos públicos, e assim por diante. Inclusive, recentemente veio à tona questionamentos sobre o Ex-Presidente receber “presentes” de alto valor, oriundos de países árabes.4 Então, com qual moral o Estado (enquanto ente político) poderá exigir condutas anticorrupção dos privados, quando ele ainda está no centro de escândalos de corrupção?

Portanto, embora o aniversário de dez anos da Lei Anticorrupção seja um marco a ser comemorado, ela ainda não trouxe resultados tão satisfatórios quanto o esperado. A única opção é aguardar se os próximos dez anos serão de maior sucesso.

 

Referências

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1. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm

2. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/D8420.htm

3. https://baptistaluz.com.br/novo-decreto-anticorrupcao/

4. https://www.terra.com.br/noticias/brasil/entenda-o-caso-das-joias-envolvendo-bolsonaro,4b8dab541fb7fbd5bfd27b3e18e4602acms2apqd.html

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