2023, O Ano que Não Terminou

2023, O Ano que Não Terminou

closeup-shot-person-writing-book-with-gavel-table

Para Sacha Calmon Navarro Coêlho

 

Diz-se popularmente entre nós que o ano no Brasil só começa após o Carnaval. Como não fizemos publicar texto no mês de janeiro, aproveitamos esta oportunidade para cumprimentar nossos leitores, desejando a todos e todas um ano repleto de realizações, saúde, paz e sucesso. Que sejamos felizes em 2024.

Contudo, paradoxalmente 2023 não terminou. Ao apagar das luzes do ano passado, mais especificamente em 20 de dezembro, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 132, qual seja, a Reforma Tributária. Nosso posicionamento sobre a Reforma é de todos conhecido: reputamo-la inconstitucional, dentre outras razões, por violação à cláusula pétrea do Federalismo. Caso haja discussão sobre este tema no Poder Judiciário, voltaremos a enfrentar esta questão. Mas não trataremos disso neste texto.

A preocupação agora é outra: nos termos do art. 18, II, da EC 132, compete ao Poder Executivo encaminhar ao Congresso Nacional, no prazo de 180 dias, os projetos de lei referidos na própria EC, dentre os quais se destaca a instituição e disciplina do IBS, tributo sobre o consumo de competência de Estados, Municípios e DF.

Assim, com vistas a regulamentar a Reforma promulgada, já em 11.01.2024, por meio da Portaria MF nº 34, o Exmo. Sr. Ministro da Fazenda institui o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo – PAT-RTC, composto pela Comissão de Sistematização, pelo Grupo de Análise Jurídica e por Grupos Técnicos.

Um problema de imediato se coloca: o fiscalismo exacerbado do PAT-RTC, manifesto em sua composição, sem diálogo com a sociedade civil, mormente a OAB e outras entidades representantes dos contribuintes, consoante se vê da leitura dos arts. 3º, 5º e 7º da citada Portaria nº 34/MF:

Art. 3º A Comissão de Sistematização do PAT-RTC será composta pelos seguintes representantes:

I – um da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, que a coordenará;

II – um da Advocacia Geral da União, nos termos do Art. 36, § 2º do Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017;

III – dois da União;

IV – dois dos Estados; e

V – dois dos Municípios.

1º Cada representante da Comissão terá um suplente, que o substituirá em suas ausências e seus impedimentos.

2º Os representantes previstos nos incisos I e II do caput serão indicados pelos titulares dos respectivos órgãos e não terão direito a voto.

3º Os representantes previstos no inciso III do caput serão indicados pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil.

4º Os representantes previstos no inciso IV do caput serão indicados pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal.

5º Os representantes previstos no inciso V do caput serão indicados:

I – um pela Confederação Nacional de Municípios; e

II – um pela Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos.

……………………………………………………………………………………….

Art. 5º O Grupo de Análise Jurídica será composto pelos seguintes representantes:

I – um da Advocacia-Geral da União, que o coordenará;

II – quatro da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

III – quatro das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal; e

IV – quatro das Procuradorias dos Municípios.

1º Cada representante da Comissão terá um suplente, que o substituirá em suas ausências e seus impedimentos.

2º Os representantes previstos nos incisos I e II do caput serão indicados pelos titulares dos respectivos órgãos.

3º Os representantes previstos no inciso III serão indicados pelo Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal.

4º Os representantes previstos no inciso IV serão indicados:

I – dois pela Confederação Nacional de Municípios; e

II – dois pela Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos.

……………………………………………………………………………………….

Art. 7º A composição dos Grupos Técnicos do PAT-RTC observará o disposto neste artigo.

1º Os Grupos Técnicos de que tratam os incisos I a III do art. 6º serão compostos pelos seguintes representantes:

I – dois da União;

II – dois dos Estados; e

III – dois dos Municípios.

2º Os representantes da União previstos no inciso I do § 1º serão indicados:

I – pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, no caso dos Grupos Técnicos de que trata o inciso I, alíneas “a” a “l” do art. 6º;

II – um pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil e um pelo Secretário de Política Econômica, no caso do Grupo Técnico de que trata o inciso I, alínea “m” do art. 6º;

III – um pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil e um pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional, no caso dos Grupos Técnicos de que trata o inciso I, alíneas “n” e “o” do art. 6º;

IV – pelo Secretário do Tesouro Nacional, no caso do Grupo Técnico de que trata o inciso II do art. 6º, sendo que esses representantes não terão direito a voto; e

V – um pelo Secretário do Tesouro Nacional e um pelo Secretário de Política Econômica, no caso do Grupo Técnico de que trata o inciso III do art. 6º.

3º Os representantes previstos no inciso II do § 1º serão indicados pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal;

4º Os representantes previstos no inciso III do § 1º serão indicados:

I – um pela Confederação Nacional de Municípios; e

II – um pela Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos.

5º O Grupo Técnico de que trata o inciso IV do art. 6º será composto pelos seguintes representantes:

I – quatro dos Estados; e

II – quatro dos Municípios.

6º Os representantes previstos no inciso I do § 5º serão indicados pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal.

7º Os representantes previstos no inciso II do § 5º serão indicados:

I – dois pela Confederação Nacional de Municípios; e

II – dois pela Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos.

De se ver, portanto, que começa mal a regulamentação da Reforma. A legitimidade democrática da tributação – distinta de sua mera validade, valência e/ou eficácia – pressupõe um diálogo com os representantes dos contribuintes, porque um dos sentidos atribuíveis à legalidade tributária é exatamente o autoconsentimento dos destinatários dos tributos.

Uma vez encaminhado o projeto pelo Executivo, incumbe ao Congresso Nacional munir-se de sua responsabilidade quando de sua discussão e votação. A lei complementar, no caso do IBS, não estabelecerá normas gerais sobre o tributo, mas sim a sua própria instituição. Não é hora para casuísmos, privilégios de quaisquer espécies ou favorecimentos genéricos. É preciso que o legislador seja técnico e pense sistêmica e sistematicamente o tributo que irá criar. Construir detidamente a hipótese de incidência do IBS e seu comando normativo. Dispor sobre a partilha do produto da arrecadação. Tudo isso é de extrema relevância: jurídica, política e econômica. A ver.

Além da Reforma, o último mês do ano de 2023 foi recheado de novidades em matéria tributária.

Com efeito, em 28.12.2023 foi publicada a IN 2.168/2023, disciplinando a autorregularização incentivada de tributos federais instituída pela Lei nº 14.740/2023.

Também em dezembro de 2023, a Lei nº 14.753/2023 fixa novo prazo para aprovação de projetos beneficiados com incentivos fiscais de redução e reinvestimento do IR e adicionais nas áreas de atuação da Sudene e da Sudam. Já a Lei nº 14.754/2023 promoveu a alteração da regra de tributação de fundos de investimentos internacionais nacionais, com a tributação das “offshores” e dos fundos exclusivos.

Em 29.12.2023, por intermédio da Lei nº 14.789/2023 (conversão da MP 1.185/2023), as subvenções ou doações efetuadas pela União Federal, estados e municípios passam a integrar as bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Em 21.12.2023, sobreveio a Portaria MF 1.634/2023, dispondo sobre o novo Regimento Interno do CARF.

Outros exemplos poderiam ser dados, mas os trazidos à baila são suficientes para comprovar o título deste escrito: 2023 não terminou. Novidades tributárias pululam, simultaneamente à própria regulamentação da Reforma.

De tédio não morrem os tributaristas neste país.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio