En définitive, c’est la vie et nous adorons la partager.
A expressão francesa pode ser traduzida livremente como “em definitivo, é a vida e nos encanta compartilhá-la”. No cotidiano digital, virou prática costumeira no espaço cibernético, principalmente por influenciadores, a excessiva postagem de vídeos e fotos – por meio de posts e Stories – nas plataformas sociais, notavelmente através do Instagram. A exagerada prática é conhecida como “overposting” ou “oversharing”, marcadas pelo excesso de compartilhamento.
Os influenciadores transmitem seu estilo de vida, atualizando diariamente aos seus seguidores seus hábitos e rotina. O compartilhamento de conteúdo digital próprio possui foco tanto na publicidade de produtos e serviços quanto para servir como forma de inspiração para seus seguidores, que buscam influência em tais personalidades, especialmente relacionado ao lifestyle.
Desta forma, os influenciadores buscam, com o compartilhamento de seu lifestyle (estilo de vida), demonstrar o cotidiano corriqueiro que lhes aproxima de seus seguidores, mas também alçam ideais e padrões para que as pessoas possam almejar inspiração, por meio de Stories (formato mais utilizado atualmente) ou vlogs (vídeo blogs), em que compartilham sua rotina, desde o momento em que acordam até o momento em que vão dormir. Nesse ínterim, mostram rotinas de exercício, alimentos que estão preparando (ou comendo em determinado restaurante), fazem “tours” em lojas, dentre diversas outras atividades.
A promoção de produtos e serviços, neste viés, é enraizada no conteúdo de forma “orgânica”, justamente para que não pareça se tratar de uma publicidade, aproximando os consumidores/seguidores da personalidade. Neste contexto, a lógica do consumismo se encarrega de assumir um viés emocional e se atrela, nesses termos, na busca por uma função identitária.
Zygmunt Bauman1 indica que “o consumo é um investimento em tudo que serve para o ‘valor social’ e a autoestima do indivíduo”. O consumidor moderno, portanto, molda seus hábitos de consumo para que possa ser aceito socialmente em sua “tribo”, espelhando em seus heróis digitais, tal sejam os influenciadores.
Yuval Noah Harari2, neste sentido, explica que:
Durante milhões de anos, os humanos adaptaram-se a viver em pequenos bandos de não mais de algumas dezenas de pessoas. Mesmo hoje em dia, para a maioria de nós é impossível conhecer de fato mais de 150 indivíduos, não importa quantos amigos no Facebook alardeamos ter. Sem esses grupos, os humanos sentem-se solitários e alienados.
O consumismo moderno, neste ponto, é afetado pelo ciclo inerente às pessoas de busca pela renovação, impulsionado, principalmente nesse contexto, pelo panorama quase perfeito do estilo de vida social criado pelos influenciadores. Afinal, tais personalidades possuem considerável alcance ao público amplo, que pode ser facilmente convencido que anúncios veiculados se perfectibilizam como um “must” para o estilo de vida que pretendem seguir, aproximando-os do influenciador através desse status de pertencimento, uma vez que “social media influencers promote brands through their personal lives, making them relatable to the average consumer”3.
Neste sentido, surgem, ainda, questões relacionadas aos inalcançáveis padrões de beleza e bem-estar traçados pelos influenciadores, causando em seus seguidores verdadeiros problemas relacionados à autoaceitação própria e ao desenfreado consumismo com intuito de cada vez mais se parecer com seus influenciadores.
A França, neste sentido, aprovou em março de 2023, um projeto de lei4 que busca obrigar influenciadores a sinalizarem, em suas fotos postadas em redes sociais, se utilizaram filtros ou outro tipo de retoque na imagem. O esforço francês através da nova legislação é somado ao Regulamento de Serviços Digitais europeu que, dentre outras regras, prevê que os influenciadores sinalizem se determinado post contém ou não uma publicidade. Assim, a proposta francesa prevê que qualquer pessoa que se enquadre na definição de influenciador será obrigada a divulgar de forma “clara, legível e identificável” e “durante toda a promoção” se estava sendo pago para anunciar bens, serviços ou causas.
A intenção francesa, de modo geral, objetiva “diminuir o impacto psicológico” causado pelos inalcançáveis padrões de beleza impostos pelas personalidades digitais, sendo que muitas das fotos postadas passam por um processo de edição para refletir em uma aparência melhorada que, em verdade, é irreal.
O país, inclusive, aprovou em 2020 a Lei n.2020-1266, que regulamentou a exploração comercial da imagem dos youtubers mirins em plataformas online5, “determinando uma série de requisitos para que as crianças e adolescentes possam exercer suas atividades em redes sociais”6.
O esforço francês para combater o desenfreado crescimento de influenciadores no país, bem como as práticas muitas vezes irresponsáveis (se aprovada a legislação em questão, passarão a ser ilícitas), demonstra a busca pelo pioneirismo do país de regular, de forma específica e a partir de legislação própria, a atuação destas personalidades no meio cibernético.
Como destacado por Caio César do Nascimento Barbosa:
[…] é preciso que existam parâmetros regulamentadores para que seja possível clarificar, o máximo possível, uma distinção entre o que é mostrado e o que é a realidade, a título de responsabilidade social, sob pena de aumentar vícios cíclicos que afetam a saúde mental e autoestima de seus seguidores.7
A regulamentação francesa, que será votada em maio de 2023, caso aprovada, se traduzirá como o primeiro marco legislativo mundial que não apenas define por lei o termo influenciador, como definirá medidas e sanções para que os seguidores sejam expostos à realidade, coibindo comportamentos considerados como lesivos.
A famosa expressão “c’est la vie” (essa é a vida), será, ironicamente, levada ao pé da letra, para que os influenciadores, com a vigência do texto legal, promovam a vida real, e não mais disfarcem o contexto publicitário ou padrões de beleza inalcançáveis.
Referências
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1. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 76.
2. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
3. Tradução nossa: “os influenciadores das redes sociais promovem marcas através de sua vida pessoal, fazendo com que o consumidor normal se relacione”. In: GLUCKSMAN, Morgan. The rise of social media influencer marketing on lifestyle branding: A case study of Lucie Fink. Elon Journal of undergraduate research in communications, v. 8, n. 2, p. 77-87, 2017, p. 75.
4. HOLLMANN, Tom. La loi influenceurs votée à l’Assemblée, ce qu’en pensent les interesses. HuffPost. 2023. Disponible sur: https://bit.ly/3Lxdxx0. accès à: 15 avr. 2023.
5. FRANCE, Assemblée Nationale. Lei N° 2020-1266. 2020. Disponible sur: https://bit.ly/3LvTbUZ. Accès à: 15 avr. 2023.
6. BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Influenciadores Digitais Mirins E (Over)Sharenting: Uma Abordagem Acerca Da Superexposição De Crianças E Adolescentes Nas Redes Sociais. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; DENSA, Roberta (Coords.). Infância, Adolescência e Tecnologia: o estatuto da criança e do adolescente na sociedade da informação. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022, p. 397-420.
7. BARBOSA, Caio César do Nascimento. E Fora Dos Stories, Tá Tudo Bem? O status de pertencimento ao consumidor moderno à luz dos lifestyle influencers e da felicidade paradoxal. Magis – Portal Jurídico. 2022. Disponível em: https://bit.ly/421QXlu. Acesso em: 15 de abril de 2023.