Anteriormente em um dos textos dessa coluna1 foi levantado o assunto sobre quais seriam as bases aplicáveis para os dados pessoais de crianças e adolescentes. Nele foram apresentadas as questões envolvendo tanto as correntes que entendiam pela aplicação apenas das hipóteses do art.11, bem como aquelas relativas a uma aplicação tanto dos arts.7º como 11.
Contudo, em recente enunciado publicado, a ANPD2 decidiu firmar entendimento primordialmente apresentado em seu estudo preliminar, entendendo pela aplicação dos dois artigos para o tratamento de dados de crianças e adolescentes. Em breves considerações poderemos pensar em possíveis aspectos sobre a natureza do enunciado e seu conteúdo, bem como possíveis consequências dessa opção. Antes, porém, vale recapitular os pontos divergentes desse debate.
Para os defensores da equiparação dos dados em questão a dados sensíveis essa linha seria interessante a medida que afastaria bases legais muito flexíveis,3 como a proteção ao crédito e o legítimo interesse, ao mesmo tempo que cumpriria uma proteção mais robusta a uma faixa etária que necessita de outros agentes para se ver efetivamente protegida.4
Já a corrente5 da aplicação tanto dos art.7º e 11 argumenta que ao equiparar essas duas categorias correria-se o risco de impedir proteção mais robusta, qual seja, as informações sensíveis de crianças e adolescentes, tendo em vista que o regime restaria o mesmo e não em nível gradativo.
A ANPD por sua vez decidiu manter em sua inteireza o enunciado já apresentado em seu estudo preliminar, segundo o qual
O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes poderá ser realizado com base nas hipóteses legais previstas no art. 7º ou, no caso de dados sensíveis, no art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), desde que observado o seu melhor interesse, a ser avaliado no caso concreto, nos termos do caput do art. 14 da Lei.
Em seu site6 ela explica que a finalidade do enunciado é promover maior segurança jurídica ao demonstrar o posicionamento da autoridade, vinculando-a. Esse é um ponto importante a medida que não obriga os agentes a seguir essa interpretação, mas deixa-os cientes caso a ANPD venha a se manifestar novamente sobre a matéria. Na publicação ainda há o destaque para o trabalho na construção de um guia orientativo do legítimo interesse, por meio do qual poderão ser melhor interpretados os casos que envolvam essa base legal e as crianças e adolescentes.
Dois pontos contudo devem ser levados em conta na análise: i) a limitação do enunciado que lhe é intrínseca, apesar de tratar tema controvertido e ii) colocação de casos concretos como baliza.
O primeiro se justifica pela forma como enunciado são estruturados: parâmetros para auxiliarem operadores do direito em temas difíceis, desta forma não encerrando o debate. Assim a pretensão é demonstrar um caminho, proposto diretamente pela ANPD, para esse problema jurídico. A questão é que se trata de um tema que ainda carrega pontos muito distintos sobre a matéria, com relevantes contribuições de ambos os lados as quais não devem ser desconsideradas.
Sobre esse ponto vale destacar a colocação de casos concretos no enunciado: será que algum case poderia levar a aplicação de uma base como o legítimo interesse, por exemplo? Será que em alguma situação a proteção integral da criança poderia dar lugar a um valor jurídico de menor importância para bases mais flexíveis? Ainda que em seu site7 a autoridade tenha destacado várias vezes que o melhor interesse da criança e do adolescente é “critério fundamental para a avaliação de operações de tratamento de dados envolvendo esses titulares” ou que ele “deve prevalecer”, ela ainda não endereça os principais nós que perpassam a discussão.
Trata-se, ao final, de um fragmento de resposta da autoridade, faltando a ela trabalhar nos pontos mais controvertidos apresentados, uma vez que, como dito anteriormente, a proteção dessas faixas etárias não pode ficar à revelia, tampouco a uma análise tardia, mas sim enérgica e nítida, a fim de impelir atores a priorizarem seus interesses em detrimento de outros menos relevantes.
Referências
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1. KREPKE, André Felipe. Discussões sobre a aplicação das bases legais para crianças e adolescentes. 27 mar. 2023. Portal Magis. Disponível em: bit.ly/43en7LF. Acesso em: 25 mai. 2023.
2. ENUNCIADO CD/ANPD Nº 1, DE 22 DE MAIO DE 2023. Disponível em; bit.ly/43c3RhS. Acesso em: 24 maio 2023.
3. INTERNETLAB. Contribuição à Tomada de Subsídios da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD): Tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. 2022. Disponível em: bit.ly/43vDbZ1. Acesso em: 25 maio 2023
4. DATA PRIVACY BRASIL. Contribuição à tomada de subsídios sobre o tratamento de dados de crianças e adolescentes da autoridade nacional de proteção de dados. 2022.
5. FERNANDES, E.; MEDON, F. Proteção de crianças e adolescentes na LGPD: desafios interpretativos. REVISTA ELETRÔNICA DA PGE-RJ, [S. l.], v. 4, n. 2, 2021. DOI: 10.46818/pge.v4i2.232. Disponível em: bit.ly/45wdqtD. Acesso em: 25 maio. 2023
6. ANPD divulga enunciado sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. 24 maio. 2023. Disponível em: bit.ly/434jlEy. Acesso em: 24 maio 2023.
7. ANPD divulga enunciado sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. 24 maio. 2023. Disponível em: bit.ly/434jlEy. Acesso em: 24 maio 2023.