Existe uma diferença fundamental entre os termos ouvir e escutar.
Christian Dunker e Cláudio Thebas (2019) contam a história do médico austríaco Josef Leopold Auenbrugger (1722-1809), o qual desenvolveu uma técnica de bater suavemente no peito dos pacientes ouvindo e interpretando o ruído produzido. Apesar da publicação da descoberta, a medicina não considerou suas implicações até a criação do estetoscópio por René-Laennec (1781-1826) em 1816. A história exemplifica bem as noções de ouvir, habilidade sensorial de identificar variações nos sons, e escutar, conectar sentidos e conceitos.
Para Reinaldo Passadori (2013), ouvir está associado à função do aparelho auditivo, é receber um estímulo sonoro, sem necessariamente dar atenção aos dizeres. Distintamente, escutar está além do mero ouvir, é dar atenção, demonstrar interesse na mensagem em si e na linguagem não verbal a ela associada. Escutar requer que a pessoa se coloque de lado, a fim de evitar preconceitos e uma postura defensiva, para então perceber o que o outro verdadeiramente quer transmitir, e através dessa percepção poder visualizar problemas, sugerir alternativas, e propor ideias.
Ao falar de escuta, Freire (1996) comenta que escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. Isto não seria escuta, mas autoanulação. A verdadeira escuta não diminui em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de opor-se, de posicionar-se. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor colocar-me, ou melhor, situar-me do ponto de vista das ideias. (CERQUEIRA, 2006, p.33)
Essa escuta para além do mero ouvir também pode ser denominada como escuta ativa, que para Maria Suzana de Souza Moura e Valéria Giannella (2017, p. 11) normalmente está “associado à psicoterapia e à psicologia”, sensível, empática, reflexiva, mediadora, profunda ou transformadora.
Para Christian Dunker, em entrevista concedida para a Casa do Saber, (2017) a psicanalise ensina importantes lições sobre a escuta e sobre uma escuta transformativa, sendo que alguns passos são requeridos para que se constitua: o primeiro movimento seria sair de si mesmo, ou seja, ser contra narcisista, renunciar a sua identidade e ao ensejo colonizador dessa identidade para abrir-se para o outro. Isso porque é contra produtivo escutar o outro a partir da sua própria noção, dos seus próprios valores e interesses, essa escuta diz mais sobre a própria pessoa do que sobre o que foi dito; o segundo movimento é o de se colocar no lugar do outro e se abrir para um sentido que não está todo posto – muitas vezes o outro não sabe o que quer dizer, e a verdade não é binária, na maior parte das vezes ambos os interlocutores estarão errados, ou somente com fragmentos de razão –; o terceiro movimento seria o de se abrir para o fracasso da comunicação, isso porque a comunicação sempre possui um resíduo, deixa algo entredito, mal dito, não concluído, não resolvido, então é necessário suportar a incerteza e renunciar a telepatia – a vontade de presumir o que o outro está pensando ou querendo dizer em determinado momento –.
Uma vez apresentados os significados dos termos ouvir e escutar, demonstra-se a premente necessidade em realizar um aprofundamento na escuta, uma competência negligenciada, mas, indubitavelmente, importante.
Segundo Reinaldo Passadori (2013) a escuta pode ser aperfeiçoada ou perdida ao longo do caminho e corremos o risco de perdê-la no dia a dia corporativo, com a velocidade dos acontecimentos e demandas, com as constantes informações, o tempo curto e até mesmo por nossa ansiedade.
Por esse motivo, é essencial que no dia-a-dia todas as pessoas tenham em mente a relevância da competência da escuta, assim como sua capacidade de minimizar a complexidade de diálogos e situações que potencialmente poderiam ocasionar grandes problemáticas aos interlocutores, em razão da incompreensão do outro e das ideias que exprimiu.
* Para os interessados na temática, o texto acima é um recorte do livro: Comunicação Assertiva: oratória e escutatória, disponível na Amazon, através desse link.
Referências
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CERQUEIRA, Teresa Cristina Siqueira. O professor em sala de aula: re-flexão sobre os estilos de aprendizagem e a escuta sensível. Psic: revistada Vetor Editora, v. 7, n. 1, p. 29-38, 2006. Disponível em: link. Acesso em: 22 abr. 2022.
DUNKER, Christian; THEBAS, Cláudio. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
MOURA, Maria Suzana de Souza; GIANNELLA, Valéria. A Arte De Escutar: Nuances De Um Campo De Práticas E De Conhecimento. Revista Terceiro Incluído, Goiânia, v. 6, n. 1, p. 9–24, 2017. Disponível em: link. Acesso em: 5 maio. 2022.
PASSADORI, Reinaldo. O Líder precisa ouvir ou escutar?. Catho Comunicação. 2013. Disponível em: link. Acesso em: 02 maio 2022.