A proteção de dados no contexto brasileiro vem caminhando. Ora em passos mais ágeis, ora em passos mais lentos. Seja na construção e promulgação da própria LGPD, seja na crescente conscientização de pessoas e empresas sobre a importância desse direito, seja sua inserção enquanto direito fundamental na Constituição. A ação de atores sociais como movimentos sociais, associações e autarquias também pode ser destacada como caminho. Uma recente contribuição nesse sentido tem sido a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em um processo sobre marcas.
A marca é considerada o sinal distintivo visualmente perceptível, conforme dicção do art.122, caput da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9279/1996). Em termos de negócio se trata de um importante ativo, pois é por ela que há a associação do produto/serviço a uma determinada qualidade e renome. Contudo, não é todo nome e logo que podem vir a ser registrados junto ao INPI. O art.124 da LPI determina algumas restrições, como nomes que vão contra a moral e os bons costumes ou que atentem à liberdade de consciência e crença (inciso III), nomes civis que não os próprios (inciso XV), reprodução do todo ou parte de marca já registrada que possa causar confusão ou associação (inciso XIX) entre outras. Uma delas está sendo alvo de processo judicial entre a ANPPD e o INPI como autores e a Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados, a ANPPD como ré.
Com a criação da ANPD pela Medida Provisória nº 869, de 2018, convertida na Lei nº 13.853, de 08 de julho de 2019, foi sendo estabelecido o papel dessa importante agente do cenário da proteção de dados. Em data próxima, conforme site do INPI, foi aberto pedido de registro de marca da ANPPD, em específico no dia 21/08/2019. Com a concessão alguns meses depois recebeu seu titular esse direito de exclusividade.
Contudo, como destacado na ação em questão, o juiz, decidindo liminarmente, acatou os argumentos da ANPD e do INPI sobre alguns riscos da continuação do nome ANPPD, não só pela impossibilidade legal de registrar sinal que o requerente não poderia alegar desconhecimento em razão de sua atividade (Art.124, XXIII), mas pelo risco de prejudicar o próprio cenário de proteção de dados no país.
A escolha da Ação Civil Pública, conforme Processo nº 1075728-44.2023.4.01.3400, para interromper o uso do nome aponta para defesa de interesses além daqueles adstritos às autarquias, mas também da coletividade.1 Isso também aparece quando na decisão liminar o juiz aponta o risco de creditarem a associação funções da autarquia, vindo a causar confusão não só entre os titulares, mas também entre os profissionais da proteção de dados e de entidades públicas. Esse último ainda é corroborado pelo fato do TCE de Mato Grosso e o Banco da Amazônia serem induzidos ao erro, acreditando que profissionais deveriam estar inscritos na ANPPD como um possível requisito.
A atuação constante de uma autoridade independente e proativa é um ponto primordial para garantia de um fluxo de dados justo e igualitário. Duas atribuições elencadas por Rodotà às autoridades esbarram nessa situação do registro da marca conflitante: ser um órgão consultivo aos agentes públicos e privados e facilitadora de práticas consensuais e de fixação de procedimentos.2
Eleger determinada entidade para proteção dos interesses individuais e coletivos precisa também que profissionais e titulares saibam encontra-la, sem que tenham sua atenção dividida. Desta forma, existindo pessoa jurídica com nome semelhante, atribuições que passam imagem de órgão oficial, ao mesmo tempo que estabelece procedimentos que também emulam atos de entidades públicas podem prejudicar o sistema de proteção de dados brasileiro. Para tanto podemos resgatar a fala do juízo quanto
A decisão é ainda em sede liminar, de forma que o debate ainda será extenso e com reviravoltas, mas não deixa de ser relevante à medida que demarca ainda mais o papel da autarquia e no alinhamento de seus objetivos institucionais.
Referências
____________________
1. ROQUE, André Vasconcelos. As ações coletivas no direito brasileiro contemporâneo: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos? Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. v. 12, n. 12, 2013.
2. RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância: a privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação: Maria Celina Bodin de Moraes. Trad. Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Renovar, Rio de Janeiro, 2008. p. 87.