Imagine ser escolhido em um processo seletivo e, dentre as declarações a serem apresentadas aos responsáveis você precisa preencher se é uma pessoa com deficiência e qual seria a sua. Como poderíamos imaginar esse dado? Seria ele um dado geral ou sensível? Poderia ser um dado de saúde?
Essa questão se levanta frente a alguns pontos presentes na Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) e a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015), bem como o histórico de cada uma delas. Quanto à LGPD juristas traçam seu nascimento da privacidade, seu posterior aprimoramento e autonomia frente àquele,1 alcançando hoje autonomia enquanto direito fundamental dos cidadãos. A proteção da pessoa com deficiência, por sua vez, decorre de uma mudança de paradigma: da relação não ser apenas uni, mas bilateral,2 em que não somente o indivíduo deve se posicionar, mas também o Estado deve tomar medidas a fim de melhorar a qualidade das pessoas.
Nesse sentido, inspirado pela Convenção da ONU de 2011, nossas leis que tratavam com a pessoa com deficiência apresentam também, dentre outras, a retirada do caráter meramente médico e demonstram uma abordagem biopsicossocial, afastando a deficiência de uma questão eminentemente “laboratorial”, abordando também a relação com o meio. Na Lei Brasileira de Inclusão a definição de deficiência, conforme art.2º, caput, é o “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Essas garantias, conforme destacam Heloisa Barbosa e Victor Almeida, não permitem tratar a deficiência como uma questão de minorias, tendo em vista ser ela parte da condição humana na qual todos nós, em algum momento, seremos confrontados.3 Contudo alguns pontos deixam em aberto como classificar o dado pessoal da deficiência.
Primeiramente porque parte da doutrina entende que um dado é sensível por estar ligado à resposta antidiscriminatória jurídica, em que serão não haverá uma postura passiva que espera o ilícito acontecer, mas de uma postura positiva que busca encontrar as discriminações ilícitas e buscar meios de garantir a igualdade.4 A problemática se instaura frente às possibilidades de utilização discriminatória que um dado referente a uma deficiência possa ser submetido, especialmente quando nos referimos ao capacitismo, compreendido como a prática discriminatória contra pessoas com deficiência por elas serem assim.
Há, assim, certa base principiológica comum entre elas, mas por si não permitem chegar a uma conclusão se o dado pessoal de deficiência será remetido enquanto dado “geral” ou dado sensível. Defende-se nessa sede a extensão do regime restrito dos dados sensíveis, por permite abarcar parte da história que esse grupo (muito plural) de situações jurídicas passíveis de extensão.
Referências
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1. Doneda, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Thompson Reuters, São Paulo. 2021.
2. HELENA BARBOZA, H.; DE AZEVEDO ALMEIDA JUNIOR, V. Reconhecimento e inclusão das pessoas com deficiência. Revista Brasileira de Direito Civil, [S. l.], v. 13, n. 03, p. 17–38, 2018. Disponível em: link. Acesso em: 26 abr. 2024.
3. HELENA BARBOZA, H.; DE AZEVEDO ALMEIDA JUNIOR, V. Reconhecimento e inclusão das pessoas com deficiência. Revista Brasileira de Direito Civil, [S. l.], v. 13, n. 03, p. 17–38, 2018. Disponível em: link. Acesso em: 26 abr. 2024
4. Cf: Teffé. Chiara de. Dados Sensíveis: qualificação, tratamento e boas práticas. Indaiatuba: Foco. 2022; Mulholland, Caitlin Sampaio. Dados pessoais sensíveis e a tutela de direitos fundamentais: uma análise à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18). Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 19, n. 3, p. 159-180, 2018.