Lei 15.270/25 e a Bitributação dos Lucros e Dividendos no Brasil

Lei 15.270/25 e a Bitributação dos Lucros e Dividendos no Brasil

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1. Introdução: o marco tributário e o fim da isenção histórica

A Lei nº 15.270, de 26 de novembro de 2025, representa uma das maiores mudanças no sistema tributário brasileiro dos últimos 30 anos ao restabelecer a tributação dos lucros e dividendos distribuídos por pessoas jurídicas a acionistas e sócios, regra que vigorará a partir de 1º de janeiro de 2026. Até então, a legislação brasileira dispensava esses rendimentos da incidência do Imposto de Renda, mecanismo que visava evitar a tributação dupla sobre a mesma renda e, com isso, estimular o investimento e a produtividade.

A nova lei altera de forma estrutural o tratamento fiscal dado aos resultados distribuídos pelas empresas, impondo retenção na fonte de 10% sobre dividendos pagos a pessoas físicas residentes no Brasil e a beneficiários no exterior e estabelecendo um Imposto de Renda Mínimo Individual Progressivo para contribuintes com rendimentos elevados.

2. Conteúdo normativo da Lei 15.270/25

Embora o texto integral da lei seja extenso e técnico, algumas das principais mudanças incluem:

  • Tributação dos lucros e dividendos pagos ou creditados a pessoas físicas com retenção na fonte de até 10%, especialmente quando os valores excedem determinados limites mensais e anuais;
  • Estabelecimento do chamado IRPFM (Imposto de Renda Pessoa Física Mínimo), com progressividade para rendimentos altos;
  • Tributação de dividendos pagos a não residentes com retenção na fonte de 10%;
  • Regime de transição que preserva a isenção para resultados apurados até 2025, desde que a distribuição seja formalizada até 31/12/2025, com pagamento até 2028.

Essas regras alteram substancialmente a lógica que vigorava desde 1996, quando a isenção de imposto de renda sobre dividendos foi consolidada na legislação brasileira.

3. A bitributação econômica como argumento central da crítica jurídica

3.1. Conceito de bitributação

A bitributação ocorre quando a mesma base econômica é tributada mais de uma vez por diferentes tributos sem mecanismo de compensação efetiva, infringindo princípios constitucionais como a capacidade contributiva, a progressividade e a não confiscatoriedade.

No sistema tributário brasileiro, a renda empresarial é inicialmente tributada pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A isenção sobre a distribuição de lucros historicamente buscava evitar que esse mesmo lucro fosse tributado novamente na pessoa física do sócio ou acionista, configurando uma integração tributária que evita a dupla tributação econômica.

3.2. A tributação de dividendos como bitributação econômica

A Lei 15.270/25, ao tributar dividendos já tributados na pessoa jurídica, pode se configurar como bitributação econômica, pois:

  • Tributa duas vezes o mesmo ganho econômico — primeiro na empresa (IRPJ/CSLL) e depois ao distribui-lo ao sócio.
  • Não há compensação plena que neutralize integralmente a carga adicional sobre o sócio, tornando a incidência tributária cumulativa e desproporcional.
  • A medida onera especialmente os empresários de menor porte e os sócios que remuneram seu trabalho por meio da distribuição de lucros, e não por pro labore, distorcendo a equidade fiscal.

Sob a ótica da Teoria Geral do Direito Tributário, a bitributação é considerada indesejada do ponto de vista econômico e jurídico, pois afeta a neutralidade tributária e compromete a lógica distributiva da carga fiscal.

4. Implicações constitucionais e princípios tributários violados

4.1. Capacidade contributiva e isonomia

O princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º da CF) e da isonomia (art. 150, II da CF) impõem que a carga tributária seja proporcional à aptidão econômica do contribuinte e que contribuintes em situação equivalente sejam tratados de forma equivalente.

Tributar lucros já tributados pelas pessoas jurídicas sem uma integração adequada fere esses princípios, pois:

  • cria uma tributação cumulativa e desproporcional;
  • desestimula o investimento produtivo e a formalização de atividades econômicas;
  • impacta tanto investidores nacionais quanto estrangeiros, afetando a atratividade do ambiente de negócios no Brasil.

4.2. Não confiscatoriedade e segurança jurídica

A vedação ao confisco (art. 150, IV, CF) impõe limites à tributação de forma que ela não se torne confiscatória. A cobrança de um novo imposto sobre rendimentos já tributados pode ser interpretada como excesso de encargo fiscal, sobretudo na combinação de IRPJ/CSLL mais 10% na distribuição sem mecanismo de compensação eficaz.

Além disso, a exigência de aprovação da distribuição até 31/12/2025 para manter a isenção — quando os atos societários normalmente seguem prazos contábeis e de assembleias previstas em lei — coloca em risco a segurança jurídica e a previsibilidade normativa, abrindo espaço para litígios judiciais.

5. Consequências econômicas e legais da bitributação

A bitributação econômica pode gerar efeitos adversos:

  • Desestímulo ao investimento e ao reinvestimento no mercado interno por reduzir a rentabilidade líquida dos acionistas;
  • Reorganização de estruturas societárias e planejamentos tributários para minimizar a carga fiscal (por exemplo, retenção de lucros ou outros mecanismos);
  • Impacto negativo sobre pequenas e médias empresas, que dependem mais da distribuição de lucros como forma de remuneração dos sócios.

6. Conclusão: bitributação e a necessidade de debate técnico profundo

A Lei 15.270/25 representa um salto importante na política fiscal brasileira, com potencial de ampliar a base tributária e promover justiça fiscal percebida em termos distributivos. No entanto, sob a perspectiva jurídica, a tributação dos lucros e dividendos pode se configurar como bitributação econômica, violando princípios constitucionais, como a capacidade contributiva, a isonomia e a não confiscatoriedade.

Para que a tributação dos dividendos seja compatível com a Constituição e com a lógica tributária integrada, torna-se imprescindível discutir mecanismos de compensação que neutralizem a dupla tributação econômica, bem como a calibragem da carga tributária total (empresa + sócio), garantias de segurança jurídica, e prazos adequados para que os contribuintes possam se adaptar às novas regras.

Esse debate, além de técnico, exige atenção legislativa e judicial contínua — inclusive no STF — para assegurar que a evolução do sistema tributário brasileiro respeite tanto os princípios constitucionais quanto a eficiência econômica e a competitividade do país no cenário global.

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