É possível compreender a Constituição?

É possível compreender a Constituição?

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Muito se discute sobre a Constituição, a sabedoria popular comumente a coloca como principal fundamento para apaziguar as discussões. Nesse sentido, a velha frase “é assim porque está na Constituição” já é falada por força do hábito, virou clichê desde conversas à beira dos bares, até debates de alto nível na televisão. Entretanto, pouco se sabe realmente sobre a Constituição, a população brasileira em geral – seja por não ter contato direto com as leis, ou por realmente não entender o que o legislador diz – não conhece as principais normas que regem seu Estado.

Uma vez regidas, dentre outros, pelo princípio da eficiência,1 as leis brasileiras são elaboradas com as melhores técnicas legislativas possíveis, mas há de se questionar: melhores para quem? Os aplicadores da lei certamente devem estudá-las, conhecê-las e a partir delas fundamentar seus atos, por isso, o legislador deve sempre ser norteado pelo inequívoco objetivo das leis, o de basear todos os atos dos agentes de quaisquer dos três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Todavia, não é de se admirar ao encontrar em qualquer texto legislativo o uso de português extremamente arcaico ou de difícil entendimento, notavelmente diante da inscrição de mesóclises como “conceder-se-á,2 far-se-ão,3 compor-se-á”.4

Assim, faça-se a crítica de que o legislador não verifica a didática de seus textos, de maneira a desrespeitar o princípio da eficiência, consequentemente, dificulta ou quase sacrifica o entendimento das leis pelo povo. Conforme ensina a doutrina: presente no art. 37 da Constituição Federal de 1988, tal princípio também deve ser chamado de princípio da máxima efetividade, traduzindo-se que deve ser buscada “a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social”.

Tutelar significa defender, nesse contexto, devem as normas assegurarem a real realização dos interesses da população em geral, que deve não somente ter seus direitos defendidos por quem entende de lei, mas deve também conhecer dos seus direitos escritos nas leis. Afinal, para que serve um livro feito por representantes do povo, a serviço do próprio povo, se ele não puder lê-lo e compreendê-lo? Respondemos de forma clara e precisa: nada!

As gerações brasileiras nascidas após o final do século XX provavelmente não se lembram, mas na educação brasileira já foram obrigatórias as disciplinas de Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), conforme dizia o preâmbulo do Decreto-Lei nº 869, publicado em 12 de setembro de 1969: “Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências.”. Um dos principais objetivos desse estudo foi introduzir o “desenvolvimento de hábitos democráticos, movimentos de juventude, estudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extra-classe e orientação dos pais.”5

Extinto com o término dos governos militares, diga-se de passagem que as disciplinas foram posteriormente criticadas por pedagogos, ao dizer que “No Brasil consubstanciou-se como um nacionalismo de vontade coletiva, senso de reponsabilidade de elevar a nação, salvaguardando os objetivos nacionais a qualquer preço.”6 Críticas à parte, fato é que a Constituição não somente deve ser lida, mas compreendida pela população.

O Direito Constitucional não somente estuda a Constituição, mas se traduz no “conjunto de princípios e normas que regulam a própria existência do Estado moderno, na sua estrutura e no seu funcionamento, o modo de exercício e os limites de sua soberania, seus fins e interesses fundamentais, e do Estado brasileiro, em particular.”7  Portanto, compreender a Constituição significa também entender o funcionamento do Estado e os princípios e normas que o regulam. Por isso, não é somente possível, mas a população deve obrigatoriamente enfrentar a difícil tarefa de entender o conteúdo da maior lei do país.

Para tanto, as pessoas devem se politizar, continuar discutindo o que está escrito na lei, assistir programas televisivos educativos ou buscar conhecimentos na internet, debates são de suma importância, pois educação é a melhor forma de entender e conquistar direitos. Ler deve ser algo prazeroso, mas ler sobre os seus direitos será iluminador, ainda que demande mais esforços, pois a recompensa será maior: um país forte exige uma população forte, e vice-versa.  Deve também o povo acompanhar as obras dos seus políticos eleitos, não se esquecendo de cobrar eficiência das leis e seu fácil entendimento, mas sobretudo deve sempre procurar entender a Constituição; essa busca pelo conhecimento será muito incentivada por esta Coluna de Direito Constitucional Popularizado.

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Jordano Paiva Rogério

 

Referências

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1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 37, caput. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 5º, incs. LXVIII, LXIX, LXXI, LXXII, da CF/88. Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

3. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 18, §4º, e art. 100, caput, da CF/88. Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

4. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 111-A, caput, art. 119, caput, art. 120, §1º, e art. 123, caput, da CF/88. Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

5. BRASIL. Decreto-Lei 869/69. Art. 2º, parágrafo único, alínea “b”. Disponível em: https://bit.ly/3hd29qL. Acesso em: 01 set. 2021.

6. ALMEIDA, Djair L. Educação Moral e Cívica na ditadura militar: um estudo de manuais didáticos, p. 09-10. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos, 2009.

7. Teixeira, José Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.

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