Tendo-se o Direito como “um sistema cuja a função social é reduzir a ocorrência de comportamentos definidos politicamente como socialmente indesejáveis”1 é ideal um mínimo entendimento do que seria o comportamento humano e o seu funcionamento. Há algum tempo venho tentando escrever sobre isso, algumas versões desse texto foram rascunhadas, mas, findo o processo, o resultado não era satisfatório. Parecia sempre que faltava algo; e faltava mesmo.
O comportamento humano é muito amplo e em vários aspectos ainda inexplicável. Atualmente na psicologia existem teorias das mais diversas, e por vezes contraditórias, destinadas a estudar as ações humanas. Assim, notei que o “erro” dessa tentativa era pretender sintetizar todas essas teorias em um só texto a fim de concluir o assunto. Ao aceitar essa insuficiência, surgiu a ideia dessa série, inaugurada hoje, que abordará o comportamento humano em pequenos ensaios sob a perspectiva de diferentes teorias sem nenhuma pretensão de esgotar os assuntos.
O primeiro tópico dessa serie pretende abordar o comportamento em uma perspectiva Behaviorista. Conforme os ensinamentos de Schultz, o Behaviorismo foi um movimento revolucionário da psicologia norte-americana desencadeado no final do século XX pelos pensamentos de John B. Watson, Pavlov, Thordike, Skinner e outros. Inicialmente a escola buscava a fundamentação de uma psicologia científica que lidasse exclusivamente com atos comportamentais passíveis de observação, diferentemente de teorias pretéritas. O movimento behaviorista possui bases positivistas, influenciada por Descartes e Augusto Comte, fundado em uma filosofia objetivista e mecanicista, assim como na psicologia animal e funcional. Sendo assim, inicialmente não se atinha a aspectos subjetivos como consciência, mente e alma.
Retornando ao ponto de partida dessa reflexão, se tratando o Direito de um sistema complexo de normas destinado a regulação comportamental, a expectativa é que haja algum tipo de estratégia por trás de sua formatação. Todavia, conhecendo minimamente o nosso processo legislativo, percebe-se que não há exatamente um plano utilizado ou uma sistemática aplicada para conformação de um ordenamento coeso. Periodicamente atos normativos são criados, reformados e revogados sem critérios específicos além de conveniência e oportunidade.
Mas, ainda assim, existe uma espécie de racionalidade auferível desse processo. As normas proibitivas em uma sociedade regida aos moldes do Estado Democrático de Direito visam coibir a prática de determinadas condutas que inviabilizariam a vida em sociedade, justificando-se pela sua necessidade. Com essa perspectiva a lei estabelece uma norma de caráter geral que vincula todos os cidadãos tutelando os bens jurídicos elegidos pela ordem constitucional como os primordiais para promoção do modelo de estado vigente.
Principalmente na área penal é perceptível a existência de uma lógica punitivista em que são prescritas regras e sanções aplicáveis no caso de seu descumprimento, espelhando o que ocorre cotidianamente com as normas sociais.
Como exemplo da influência das normas sociais, podemos citar o experimento social do elevador, famoso na internet2 , em que um grupo de atores permanece no elevador de costas para a porta durante o seu funcionamento. Quando o sujeito observado entra no cubículo e percebe todos os sujeitos organizados de forma distinta do convencional, normalmente começa a se sentir desconfortável e adere a posição da maioria virando de costas para a porta, apesar de isso não fazer nenhum sentido prático. Nesse sentido, a norma social pode ser interpretada como:
(…) padrões de comportamentos do grupo que controlam os comportamentos de seus membros mediante a apresentação de consequências reforçadoras (i.e., que aumentam a probabilidade do comportamento que as produziu) e punitivas (i.e., que diminuem a probabilidade do comportamento que as produziu).3
Assim, denota-se que apesar de não ter uma inteligência própria destinada a esse fim, o Direito parece se apropriar de um esqueleto normativo social pré-existente para induzir comportamentos.
A perspectiva destacada encontra correspondência na teoria Behaviorista proposta por Skinner. Conforme o modelo analítico-comportamental desse autor,4 o comportamento humano, dentro de um contexto, é consequência de uma série de fatores (reforçadores e punitivistas) eventuais ou não do ambiente social circundante. Como exemplo, podemos citar o caso do motorista que dirige sem cinto de segurança, mas, ao menor sinal de fiscalização (sirenes, luzes, apitos), em um contexto em que há uma norma proibitiva e uma punição por seu descumprimento, imediatamente se lembra de colocá-lo. Nesse caso, os signos referentes a fiscalização ficaram atrelados a ideia de punição5 por algum tipo de associação anterior que, quando ativada, desencadeia uma resposta comportamental desencorajando o indivíduo a permanecer sem o equipamento de segurança.
Normalmente, em um nível organizacional (empresas, famílias, grupo de amigos, sala de aula) o controle por parte de um líder, de fundador de um reforçador primário6 ou condicionador generalizado (como o dinheiro), no qual esse controla o comportamento de várias pessoas em torno de um objetivo de seu interesse. Esses eventos sociais isolados entrelaçam-se, formando padrões estáveis em cadeias complexas, e constituem um sistema social funcionalmente especializado. Nessa esteira, o Direito se configura como um “indutor de comportamentos desejáveis com base no redesenho das contingências sociais pelas normas jurídicas”7 e as regras como um padrão de comportamento verbal ou escrito que prescreve consequências reforçadoras ou punitivas.
A priori a teoria parece coesa e funcional, porém Skinner prevê que a regulação do comportamento humano pelas agencias controladoras com o uso de punição e ameaças pode gerar efeitos colaterais denominados de subprodutos. Segundo o lecionado por Cassas,8 os subprodutos dividem-se em: “fuga, pelo qual o indivíduo foge do controlador por meio do distanciamento; revolta, em que o indivíduo ataca o agente controlador; e a resistência passiva, quando o indivíduo permanece se comportando de forma distinta do imposto.” Exemplificando os subprodutos destacados podemos citar o vício em drogas, o vandalismo, comportamento excessivamente restrito (timidez excessiva) ou excessivamente rigoroso.
Os comportamentos listados são considerados nocivos ao indivíduo e a sociedade em geral, tendo em vista o risco que que apresentam para manutenção do status quo. Ainda assim, o sistema de normas estabelecido atualmente, tanto jurídico quanto social, parece ser o mais efetivo desenvolvido até então, a julgar por sua duração e estabilidade.
Como destacado inicialmente, o presente artigo não pretende encerrar o assunto, visando apenas ampliar o campo subjetivo de análise do fenômeno jurídico. Existem diversas teorias que se contrapõe ao viés apresentado e que serão trabalhadas posteriormente.
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Referências
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1. Conforme a análise comportamental do Direito.
2. PRADO, Fernanda. O Poder da Influência Social – Experimento do Elevador. Youtube. Disponível em: https://bit.ly/3b5N3Q4. Acesso em: 22 out. 2021.
3. SKINNER, Burrhus Frederic Skinner. Ciência e Comportamento Humano. Brasília:
Ed. UnB/ FUNBEC, 1953, apud OLIVEIRA-CASTRO, Jorge M.; OLIVEIRA, Adriana de; AGUIAR, Julio C. Análise comportamental do direito: Aplicação de sanções pelo Tribunal de Contas da União a gestores com contas irregulares. Revista de Estudos Empíricos em Direito. v. 5, n. 2, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3B6613J. Acesso em: 23 out. 2021.
4. AGUIAR, Júlio César de; CHINELATO, João Marcelo Torres. Interpretação do Direito e comportamento humano. Revista de Informação Legislativa, v. 51, n. 203, p. 111-125, jul./set. 2014. Disponível em: https://bit.ly/30Txqto. Acesso em: 23 out. 2021.
5. Estimulação aversiva: “A estimulação aversiva funciona então como punidor, quando a apresentação da mesma faz com que um comportamento que antecedeu tal apresentação se torne menos provável” (AGUIAR, Júlio César de. O direito como sistema de contigências sociais. Revista da Faculdade de Direito da UFG. v. 37, n. 2, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3b4FdGA. Acesso em: 22 out. 2021.)
6. Reforçador ou punidor primário é aquele cuja capacidade de, respectivamente, reforçar ou punir (ou motivar aversivamente) um comportamento é inato, isto é, não depende de aprendizado por parte do agente (SCHNEIDER, 2012).
7. AGUIAR, Júlio César de. O direito como sistema de contigências sociais. Revista da Faculdade de Direito da UFG. v. 37, n. 2, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3b4FdGA. Acesso em: 22 out. 2021.
8. CASSAS, Fernando Albregard; DE LUNA, Sergio Vasconcelos de. Aspectos históricos da Terapia Analítico-comportamental a partir da contribuição de Skinner e Ferster. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 20, n. 4, p. 63-80, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3b3eFW3. Acesso em: 23 out. 2021.