Este é um texto dividido em quatro partes, a primeira introduz o tema e dá panoramas gerais, a segunda traz as classificações das constituições, a terceira traça uma linha histórica acerca das principais constituições no mundo, enquanto a quarta introduz conceito de supremacia da Constituição e conclui sua definição. Recomenda-se uma leitura conjunta dos capítulos, que serão publicados sucessivamente e disponibilizados de forma gratuita. Abordaremos agora as classificações das constituições, boa leitura!
Aprendidos os conceitos iniciais poderemos finalmente entender o que é uma Constituição. Conforme estudamos até aqui, a primeira função de qualquer Constituição é a de delimitar os contornos do Estado e do poder. Nesse sentido, ela é o embrião dos direitos, porque a partir dela nascem todos os demais.
O contrato social – ou a junção de humanos para viverem em grupo – exige uma série de consensos. O primeiro deles vem da própria vontade dos seres individuais de se unirem, vez que renunciam a certas liberdades individuais. Dessa forma, em busca de proteção ou qualquer outro benefício da vida em grupo os homens abrem mão de atos que poderiam fazer se estivessem sós.
Por isso, tem razão a famosa frase dita por muitos filósofos ao longo da história humana: a liberdade de um acaba onde começa a liberdade do outro. Surge então a necessidade de delimitar e garantir as necessidades dos cidadãos (recorda-se que cidadão é o ser humano pertencente a um grupo, consequentemente, dotado de direitos políticos). Se o direito surge para regular e proteger a vida em sociedade, nesse caso, também poderá ser sinônimo de Constituição.
O direito tem seu pontapé inicial com uma Constituição e com o constitucionalismo, isso por si só já diz muito, entenderemos o porquê. Ao menos nos últimos dois ou três mil anos o homem passou a ter sistemas jurídicos cada vez mais complexos de defesa/tutela dos direitos, o que exige atos normativos gradativamente mais elaborados. Surgiram constituições escritas e códigos (um conjunto ou compilado de disposições sobre o mesmo ramo do direito) que tratam de assuntos cada vez mais específicos, com o objetivo de regular todos os atos da vida humana, como o código civil, penal, trabalhista etc.
A partir disso o homem passou a lidar com problemas cada vez mais difíceis, não somente diante de casos fáticos pontuais, mas também de dúvidas quanto à aplicação das próprias normas. Assim explica muito bem o professor André Ramos Tavares:
Pode-se identificar pelo menos quatro sentidos para o constitucionalismo. Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira acepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades.1
O papel do Poder Legislativo é o de tentar prever todas as situações que podem vir a ocorrer na nação, mas antes que ocorram devem produzir leis e atos normativos para regular o fiel funcionamento de literalmente tudo. Todavia, sabe-se que o homem falha, logo, é impossível fazer uma lei perfeita. Como então resolver um caso que suscita dúvida, seja pelo fato de a lei ter sido imprecisa, ambígua, ou que haja mais de uma lei que trate do assunto?
Tendo em vista a complexidade do direito e os inúmeros casos reais que possam surgir é razoavelmente possível que haja dúvidas por parte dos aplicadores do direito. A resposta para esse problema é incrivelmente simples: como o direito se iniciou com uma constituição, ela sempre deverá ser consultada. Portanto, deve-se seguir sempre a Constituição, o que ela disser deverá prevalecer, ainda que haja outra lei ou ato normativo em sentido oposto.
Dessa maneira surgiu o princípio da supremacia da constituição:
Já a supremacia da Constituição é o postulado sobre o qual se assenta o próprio direito constitucional contemporâneo, tendo sua origem na experiência americana. Decorre ela de fundamentos históricos, lógicos e dogmáticos, que se extraem de diversos elementos, dentre os quais a posição de preeminência do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional (v. supra), o conteúdo material das normas que contém e sua vocação de permanência. A Constituição, portanto, é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como consequência, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se for com ela incompatível.2
É possível que agora surja no leitor a seguinte dúvida: mas e se a falha estiver na própria Constituição, pode o legislador ter errado inclusive na sua elaboração? A princípio ficaremos com a resposta de que a Magna Carta está menos suscetível a erro que as demais normas do sistema jurídico, mas isso não a impede de ter certos equívocos. Reservamo-nos a entender essa questão em momento posterior, em outro texto.
Finalizando os estudos sobre O que é uma Constituição?, aprendemos que todo povo tem uma Constituição; que hoje o poder um dia exercido por um único governante autoritário foi substituído por uma carta suprema de direitos; que um dos seus principais papeis é o de prever e defender os direitos mais básicos dos cidadãos, a dignidade da pessoa humana, dentre ela os direitos e garantias fundamentais; que a Constituição é responsável por delinear o Estado e impor limites ao poder; por fim, que ela é o parâmetro para todas as outras leis e normas do país.
Aprender é sempre bom, compreender como se formou o direito e o Estado é melhor ainda, mas saber dos seus direitos é iluminador. Continuem seguindo as próximas colunas de Direito Constitucional Popularizado!
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Referências
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1. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Pág. 72.
2. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2020. Pág.101-102.