“Arquitetura hostil” – Primeira parte: O que é?

“Arquitetura hostil” – Primeira parte: O que é?

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Desde o início deste ano de 2021, o Pe. Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, vem denunciando em suas redes sociais a existência de várias estruturas construídas no espaço urbano que podem ser consideradas como exemplos da prática comumente chamada de “arquitetura hostil”.

Antes de aprofundar no tema, destaca-se que o mesmo é complexo e envolve questões acerca da construção e garantia da cidadania, assim como do uso e ocupação do espaço público. Por estas razões, ele será abordado ao decorrer desta e das próximas colunas, de modo que possamos tratá-lo com a profundidade devida.

Assim, o objetivo desta matéria é, inicialmente, trazer a prática arquitetônica mencionada à luz e também explicá-la de forma inicial.

O termo “arquitetura hostil” ganhou maior destaque na imprensa em junho de 2014, após uma reportagem do jornal britânico The Guardian relatar a existência de bancos em áreas públicas especialmente projetados para impedir que pessoas em situação de rua os utilizassem para se deitar e também para coibir que jovens se aproveitassem dos mesmos para praticar manobras de skate.1

Em consulta ao historiador da arquitetura Iain Borden, a matéria do jornal The Guardian destaca que construção de travas e picos nos peitoris mais baixos de janelas, ou mesmo o encurtamento de marquises e varandas cobertas nos prédios comerciais têm como objetivo a limitação do espaço público para todos aqueles que o ocupem sem alguma finalidade imediata. O mencionado historiador assim conclui que não haveria problema em “ficar sentado enquanto você estiver em um café ou em um local designado onde certas atividades relaxantes, como beber um frappucino, devem ocorrer, mas não atividades como cantar, protestar ou andar de skate”.2 (tradução nossa)

De forma complementar, os editores Eduardo Souza e Matheus Pereira, em matéria contida no site ArchDaily, também trazem muitos outros exemplos de práticas que evidenciam essa “arquitetura hostil”. A utilização de “cercas elétricas, arames farpados, grades no perímetro de praças e gramados, bancos públicos com larguras inferiores ao recomendado pelas normas de ergonomia, lanças em muretas e guarda-corpos, traves metálicas em portas de comércios, pedras em áreas livres”, dentre outros, são práticas que objetivam, na visão dos autores, “de alguma forma afastar ou excluir pessoas ‘indesejáveis’ dos locais públicos urbanos.”3

Assim, em resumo, e nas palavras de Shayenne Barbosa Dias e Cláudio Roberto de Jesus pode-se entender que “quando a arquitetura se reveste de formas limitadoras – visuais, físicas e sociais – essa arquitetura é hostil”.4 Hostil, cabendo aqui um destaque, somente a parcelas da sociedade que se encontrem em estados de vulnerabilidade.

A existência destas formas e estruturas defensivas é um reflexo direto da influência de políticas de segurança pública pouco inclusivas e até segregacionais no espaço público urbano. E é a partir desta premissa que o tema será retomado nas próximas colunas.

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Sthenio Paulo Freitas Silva

 

Referências

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1. QUINN, Ben. Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of ‘hostile architecture’. The Guardian. 2014. Disponível em: https://bit.ly/316hHaz. Acesso em: 26 nov. 2021.

2. QUINN, Ben. Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of ‘hostile architecture’. The Guardian. 2014. Disponível em: https://bit.ly/316hHaz. Acesso em: 26 nov. 2021.

3. SOUZA, Eduardo e PEREIRA, Matheus: Arquitetura hostil: A cidade é para todos?. ArchDaily, 2018. Disponível em: .https://bit.ly/3I0d4Qk Acesso em: 26 nov. 2021.

4. DIAS, Shayenne Barbosa, JESUS, Cláudio Roberto: Cidade Hostil. Revista GEOgrafias, 2019, p. 26. Disponível em: https://bit.ly/3nYsvAg. Acesso em: 26 nov. 2021.

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