O apelo às novas formas comunicacionais na sociedade midiática, notavelmente tecnológica, é marcado principalmente pelo desenvolvimento informacional com a incessante busca pela relevância social, mote das plataformas digitais que protagonizam o ambiente virtual.
Neste sentido, relevante é o destaque das figuras humorísticas conhecidas como memes, termo cunhado originalmente por Richard Dawkins e disseminado no contexto da cibercultura de Pierre Levy. Em suma, os memes são conceituados como uma forma de linguagem lúdica, sendo sua definição “texto, vídeo ou ideia de caráter humorístico que é copiado e se espalha rapidamente, geralmente com ligeiras alterações em relação à versão original”.1
Na realidade jurídica, contudo, os memes ainda não se encontram necessariamente protegidos pelo ordenamento pátrio, ainda que tais figuras permeiem por diversos campos, em especial quanto ao Direito Civil.
Destarte, por meio de breves linhas, objetiva-se traçar panoramas sobre os aspectos controvertidos dos memes em relação ao Direito Civil, abordando pontos paradigmáticos relacionados aos direitos da personalidade, aos direitos de propriedade e direitos autorais e à responsabilidade civil.
Inicialmente, salienta-se que quanto ao regime da proteção autoral pela Lei nº 9.610/1998,2 é perfeitamente possível que os memes se enquadrem, de forma analógica e extensiva, ao rol do artigo 7º da referida lei, desde que autênticos e, portanto, com imagens disponibilizadas pelo próprio autor do meme, o que não é a regra.
Assim, como a maioria dos memes utilizam imagens ou obras de terceiros, sem prévia autorização contida no artigo 29 da Lei de Direitos Autorais, análises particulares devem ser conferidas, proporcionando uma hermenêutica jurídica que permita a coexistência de direitos sob a referida ótica.
Portanto, considerando que os memes, em princípio, são considerados figuras humorísticas – como paródias –, desde que não desmoralizem a obra original, nem que obtenham proveito econômico com base nela, poderiam ser encampados pela exceção prevista nos artigos 46 e 47 da destacada lei,3 bem como alcançariam a proteção constitucional da liberdade de expressão, desde que não configurem nenhum outro ilícito civil.
Em suma, o criador do meme pode atrair para si a garantia autoral de sua criação, conquanto no caso concreto não viole os próprios direitos autorais de outrem, situação em que, mesmo com a proteção constitucional resguardada, não poderia ultrapassar os direitos do autor original.4
No campo dos direitos da personalidade, é essencial ponderar as garantias constitucionais aos direitos de imagem, honra e dignidade humana, pois, ainda que o meme possua declarado fim humorístico, os direitos da personalidade não podem ser violados.
Assim, se é utilizada imagem de uma pessoa – seja pública ou não –, com intuito jocoso, ofendendo, em princípio, sua dignidade humana e sua honra, temos que a liberdade de expressão deve dar espaço aos direitos da personalidade, que devem prevalecer, sendo que o ofendido poderá manejar ação de reparação por danos morais.
Se o autor do meme auferir lucros com imagens de terceiros, a aplicação do disposto na Súmula 403/STJ é mister, existindo precedentes jurisprudenciais que corroborem que o ofensor deverá ressarcir o ofendido pelo uso não consentido de sua imagem, como no caso do administrador de uma página humorística que foi condenado a indenizar em R$ 100 mil um homem que teve sua foto usada para outros fins.5
Contudo, poder-se-ia imaginar uma extensão analógica do entendimento sumulado para que, mesmo sem proveito econômico auferido pelo ofensor, o ofendido não necessite de demonstrar a prova de prejuízo em sua esfera pessoal, garantindo maior eficácia normativa à disposição contida no artigo 20 do Código Civil.
Ainda que não seja utilizada a imagem de terceiros em um meme, caso o conteúdo nele presente indique meios concisos de identificação à pessoa ofendida, também seria possível manejar ação de indenização por danos extrapatrimoniais por violação à honra, nos termos do artigo 5º, X, da Constituição Federal.
Destarte, se determinada situação for ridicularizada através de memes, em que restem como cristalinas tanto as ofensas proferidas à honra de terceiro quanto ao ofendido, vislumbra-se possível o manejo de tal ação, devendo, neste cenário, ser comprovado efetivamente a prova de prejuízos.
Insta apontar que, por previsão sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 227), pessoas jurídicas também podem sofrer dano moral, ocasião em que se o meme ostentar imagens da empresa ou seus administradores, ou apenas fazer menção que viole os valores da pessoa jurídica, a legitimidade ativa restaria preenchida.
Quando a situação que dá ensejo à elaboração da figura do meme for falsa ou circunstanciada por eventos inverídicos, cabe a obrigatoriedade de retratação do autor, bem como a necessidade de se ampliar a responsabilidade civil, majorando a indenização em decorrência das inverdades proferidas, sendo que o mesmo vale para os casos de discurso de ódio.
Glayder Daywerth Pereira Guimarães e Michael César Silva deslindam que “o dano ocasionado pelas Fake News é, objetivamente, pessoal, sendo que, a notícia falsa, usualmente, causa prejuízos à dignidade da pessoa, a sua honra, atingindo assim direitos pessoais”,6 sendo, portanto, mister a responsabilização civil dos que propagam tais inverdades, mesmo que por memes.
A responsabilidade civil, contudo, não poderia se estender aos usuários (terceiros) que apenas compartilharam o meme, posto que não seria possível averiguar o nexo causal entre a conduta de compartilhar e o eventual dano causado, bem como não poderia ser considerada a ilicitude do ato de compartilhamento, ao menos em primeiro momento.
Os provedores, em seu turno, poderão ser responsabilizados caso não retirem o conteúdo após decisão judicial, conforme destaca a regra geral da responsabilidade civil (subjetiva) estampada no artigo 19 do Marco Civil da Internet.7
Contudo, em todos os casos, deve haver uma ponderação entre valores e princípios jurídicos, colocando-os em uma balança para que possa ser conferida uma resposta adequada aos novos danos advindos da internet, algo que a jurisprudência brasileira ainda precisará, de forma consistente, traçar parâmetros que correspondam aos avanços da temática, garantindo que as redes sociais não são “terra sem lei”, mas não conferindo margem à censura prévia.
O que pode ser encarado como um sinuoso caminho por uma zona gris, reflete a mais pura face do Direito Civil ante a célere propagação de possíveis novos danos no contexto digital, fruto de um ordenamento jurídico que, mesmo com notáveis avanços, demonstra-se em constante atraso com a amplitude das novas tecnologias, permitindo, neste ínterim, lacunas no vácuo normativo brasileiro, consequentemente cedendo espaço aos danos de agora.
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Caio César do Nascimento Barbosa
Referências
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1. Porto Editora – meme no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. Disponível em: https://bit.ly/3tHqoV4. Acesso em: 12 nov. 2021.
2. BRASIL. Lei 9.610/1998. Disponível em: https://bit.ly/3nG3adP. Acesso em: 17 out. 2021.
3. Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
4. Nota-se, ainda, que o meme pode adentrar ao conceito de propriedade, por meio dos chamados “bens digitais”, atraindo para si a proteção constitucional devida, bem como as garantias estampadas na legislação civil.
5. CONJUR. Juiz condena administrador de página a indenizar idoso por memes. Disponível em: https://bit.ly/3fGu3tL. Acesso em: 12 nov. 2021.
6. GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Fake News à luz da responsabilidade civil digital: o surgimento de um novo dano social. Revista Jurídica da FA7, Centro Universitário 7 de Setembro, v. 16, n. 2, p. 99-114, 2019, p. 106.
7. Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.