Nos dois artigos anteriores, tenho me dedicado a falar sobre o consentimento para contratar, elemento primordial na celebração de negócios jurídicos. Trouxe as particularidades sobre a contratação por crianças e adolescentes e, agora, trarei algumas observações sobre a capacidade civil de pessoas idosas. Como conceito, no Brasil, adota-se o critério etário, ao considerar idosos àqueles com idade igual ou maior que sessenta anos.
Ao contrário da limitação para contratar que se dá em razão da idade de jovens, o mesmo não se dá com idosos. Um critério restritivo não deveria ocorrer na hipótese de idade avançada, uma vez que essa, por si só, não reduz a capacidade jurídica para contratar, uma vez que não há ligação necessária, sine qua non, entre senilidade e perda da capacidade cognitiva. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves, explica que “… à velhice ou senilidade, por si só, não é causa de limitação de capacidade, salvo se motivar um estado patológico que afete o estado mental e, em consequência, prive o interditando do necessário discernimento para gerir o seu negócio ou cuidar da sua pessoa.”1
Há que se deixar claro que existem outras limitações impostas por lei, como o voto facultativo a partir dos setenta anos, a aposentadoria compulsória de servidores públicos e a exigência do regime de separação obrigatória na união com um nubente septuagenário. Mesmo que em princípio tais disposições possam ter um caráter protetivo, por serem aplicadas de forma indiscriminada, tem sua constitucionalidade questionada por uma parcela da doutrina a qual acredita ser uma limitação da capacidade civil.
Esse segmento defende que casos isolados de redução da capacidade devem ser tratados pelo Poder Judiciário com granularidade, ou seja, uma eventual interdição deve ocorrer apenas para os fatos que a pessoa é vulnerável e não para todos os atos da vida civil por completo.
A opção pela capacidade como regra tem que ser discutida em razão do envelhecimento da população brasileira. O qual se deve pela melhoria da expectativa de vida e das condições de vida oferecidas. Fato o qual propicia maior conhecimento sobre a vivência em sociedade e permite que a pessoa idosa tenha capacidade de decidir sobre sua própria vida, seu patrimônio e seus sentimentos. Podendo gerir sua vida contratual conforme lhe conviver, desde que consiga expressar sua vontade e fazer escolhas de modo livre e consciente.
Assim, idosos podem se manter lúcidos ainda que nonagenários e centenários, no entanto, como falamos na última coluna, a respeito de adolescentes, algumas particularidades correspondentes a sua idade podem acontecer. Como a falta de conhecimento específico para certos atos da vida civil, a exemplo de contratação pela internet, dificuldade de gerenciamento de crédito bancário e tratativas com planos de saúde. Atos comuns da vida civil que se popularizaram e massificaram em um passado recente.
Considerando que idosos não foram nativos digitais e que uma gama de produtos somente se massificou após a sua vida adulta, ao escrever contratos que visem esse nicho de pessoas há que se tecer considerações, especialmente em uma relação de consumo. Quanto a isso o artigo 39, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor dispõe ser vedada a prática abusiva de “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir- lhe seus produtos ou serviços”.
Com relação ao consumidor idoso Bruno Miragem aduz:
A hipervulnerabilidade do consumidor idoso é demonstrada a partir de dois aspectos principais: a) a diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que o torna mais suscetível e débil em relação à atuação negocial dos fornecedores; b) a necessidade e atividade em relação a determinados produtos ou serviços no mercado de consumo, que o coloca numa relação de dependência em relação aos seus fornecedores. Em relação ao primeiro aspecto, note que as mesmas regras de proteção da criança e do adolescente se projetam também para a proteção do consumidor idoso. Em relação ao segundo aspecto, é evidente que uma maior necessidade em relação a produtos ou serviços de parte do idoso, faz presumir que eventual inadimplemento por parte do fornecedor de causa a danos mais graves do que seriam de se indicar aos consumidores em geral.2
No tocante aos contratos de saúde, essa deve ser preservada não apenas por ser um direito fundamental, mas pela perda de dignidade e autonomia que ocorre em momentos de enfermidade. Mesmo em contratos de plano de saúde coletivo há uma mitigação da autonomia da vontade das partes ao proibir que empresas desliguem um plano ofertado se o usuário se encontra em tratamento médico garantidor da sobrevivência e/ou incolumidade física.
Por fim, os algozes dos idosos, os empréstimos consignados com desconto na folha de pagamento sofreram algumas limitações, como a proibição da contratação por telefone. Tais procedimentos financeiros com ausência de transparência, falta de informação sobre taxas de juros e demais encargos do usuário maculam a vontade do indivíduo a qual, a nosso ver, pode requerer sua anulabilidade.
Na intenção de proteger os idosos do superendividamento, existe o limite sobre a porcentagem dos recebíveis que pode ser descontada. Para segurados do INSS, o quantum é de 30%, enquanto que para servidores públicos o montante chega a 35%.
Resta certo que idosos tem plena capacidade para negociar em todas as searas sempre visando sua autonomia pessoal, no entanto, é possível que um magistrado declare a invalidade do negócio jurídico, caso haja prejuízo em razão do desconhecimento daquele idoso com o que ele estava contratando, bem como intenção de lesar da outra parte.
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Referências
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1. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v.1. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
2. MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.