O que significa dizer que enfrentamos uma estrutura racista? Ademais, quais são os alcances dessa política que se compromete, da modernidade até aqui, em arruinar sujeitos negros? Quando pensamos no racismo estrutural, nós identificamos a fabricação do negro pelo maquinário de destruição alocado no sistema (e na memória) colonial que, na interface de poderes econômicos, morais, jurídicos, estéticos e epistêmicos, faz com que, desse modo, sujeitos negros sejam empurrados para um não lugar.
Nessa direção, identificamos as implicações políticas e ideológicas que pavimentam o racismo, justificando, nas micro e macroagressões, as violências contra sujeitos negros. Quando tratamos dos aparatos ideológicos do racismo, levamos em consideração que ela, a ideologia, diz respeito aos sistemas de representação e de ação que nos permitem perceber a nós mesmos/as e o mundo que nos cerca. Logo, um sistema ideológico é constituído imbricado aos instrumentos de poder que não só criam narrativas, mas modelam as nossas percepções e ações para que elas reverberem uma descrição unilateral de mundo. Segundo Chauí, as ideologias “prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer”.1
São incontestes os esforços institucionais, jurídicos e epistêmicos, por exemplo, para fundamentar a suposta inferioridade de sujeitos negros, reverberando, assim, as percepções hierarquizantes que pavimentaram o processo de colonização do mundo moderno. É importante, no entanto, grifar que esses sistemas que gerenciam as percepções, bem como as ações, chegam até nós, na contemporaneidade, como um coro para essa memória colonizadora e degradante no que tange aos sujeitos negros e demais corpos alijados da definição de humanidade, erigida na modernidade.
A denúncia do racismo estrutural leva em consideração múltiplos processos de naturalização das violências contra sujeitos negros. Assim, a tentativa de normatizar a violência resulta em processos desiguais, nos silenciamentos, nas intolerâncias, bem como no apagamento de saberes negros nos espaços. Esses apagamentos são parte de um processo articulado de genocídio que regula as experiências sociais nessas dicotomias: saber versus não saber, presença versus ausência, humanidade versus desumanidade.
O que me impede de perceber essa realidade? O que me leva a “naturalizar” a ausência de pessoas negras em escritórios de advocacia, tribunais, parlamentos, cursos de medicina e bancadas de telejornais? O que nos leva — ainda que negros e brancos não racistas — a “normalizar” que pessoas negras sejam a grande maioria em trabalhos precários e insalubres, presídios e morando sob as marquises das calçadas? […] todas essas questões só podem ser respondidas se compreendermos que o racismo, enquanto processo político e histórico, é também um processo de constituição de subjetividades, de indivíduos cuja consciência e afetos estão de algum modo conectados com as práticas sociais.2
O racismo estrutural se constitui e se beneficia da ideologia, pois ela retroalimenta as imagens de mundo, bem como ações políticas, sociais, culturais e morais — porque reproduzem padrões de um costume vigente — orientadas a subordinar sujeitos negros. Assim, na direção de uma reação ética, é preciso que questionemos os parâmetros que alicerçam as nossas compreensões de mundo, bem como as ações que empreendemos por meio desses padrões.
A fim de construir um projeto político de subordinação, as ideologias de superioridade e de oposição radical entre sujeitos mantêm lugares sociais destinados aos sujeitos negros como se, de modo incontestável, essas zonas de abjeção fossem um destino. As perspectivas críticas, pós-coloniais e antirracistas se orientam na denúncia dessa estrutura, na desarticulação dos seus poderes e, sobretudo, na constituição de um novo pacto civilizatório.
____________________
Referências
________________________________________
1. CHAUÍ, Marilena. A ideologia da competência. Organização de André Rocha. Belo Horizonte: Autêntica; São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2016, p. 53.
2. ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p. 63. (Grifo do autor)