E Fora Dos Stories, Tá Tudo Bem? O status de pertencimento ao consumidor moderno à luz dos lifestyle influencers e da felicidade paradoxal

E Fora Dos Stories, Tá Tudo Bem? O status de pertencimento ao consumidor moderno à luz dos lifestyle influencers e da felicidade paradoxal

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O mercado de consumo perpassa por transformações de forma hodierna, adaptando-se às evoluções sociais e, ao mesmo tempo, consegue promover novos padrões e modelos comportamentais, de modo a satisfazer os insaciáveis desejos de consumo.

Em décadas passadas, o desenvolvimento de novos conteúdos tecnológicos a disposição do consumidor ampliou as formas de comunicação e entretenimento para os indivíduos, de modo não apenas a promover melhorias ao estilo de vida, mas, também, de impulsionar o consumo de novos produtos capazes de proporcionar conforto e inovação àquele tempo, bem como a mudança no próprio estilo de vida daqueles que fazem parte de determinado corpo social.

Com o advento da World Wide Web, caracterizado como o novo paradigma tecnológico, ocorre constantemente grande evolução no campo tecnológico e informacional, ocasionando o espaço digital – ciberespaço –, que veio a se tornar meio propício para divulgação e venda de produtos e serviços.

Atrelado ao contexto da facilidade de promoção de bens, encontra-se a hiperconectividade, que surge a partir da celeridade encontrada pelo indivíduo do século XXI ao inserir-se em determinada plataforma digital. Uma vez que mais de metade da população mundial possui acesso à internet, as redes sociais se exteriorizam, contemporaneamente, como uma das maiores fontes de utilização da internet, conferindo protagonismo ao indivíduo e aos seus pensamentos.

A figura do influenciador digital,1 nesse contexto, é atrelada ao (excessivo) compartilhamento de seu lifestyle, oscilando entre o cotidiano corriqueiro que lhes aproxima de seus seguidores, mas também alçando ideais para que as pessoas possam almejar e se inspirar. Através dos Stories, os influenciadores expõem desde o momento em que acordam até o momento em que vão dormir. Nesse ínterim, mostram rotinas de exercício, alimentos que estão preparando ou comendo em diferentes locais, fazem “tours” em lojas, etc.

A vida pessoal do influencer é compartilhada com seus seguidores, que, por sua vez, buscam se inspirar no ideal protagonizado pela figura que buscam se espelhar, contribuindo, nesse sentido, para o consumo desenfreado para alcançar o status de pertencimento moderno.

O filósofo Pierre Lévy2 discorre sobre uma sociedade conectada pela cibercultura, em que as pessoas são conectadas por meio da internet, ocasionando um fenômeno de inclusão com caráter participativo e socializante. Destarte, é intrínseca aos seres humanos a busca pela aceitação e reafirmação de seu papel social nas plataformas digitais. Encontrar-se conectado se transformou em sinônimo de inclusão social, e, em sentido, consumir o que está em voga se equipara ao pertencimento.

Em consonância, Yuval Noah Harari:3

Durante milhões de anos, os humanos adaptaram-se a viver em pequenos bandos de não mais de algumas dezenas de pessoas. Mesmo hoje em dia, para a maioria de nós é impossível conhecer de fato mais de 150 indivíduos, não importa quantos amigos no Facebook alardeamos ter. Sem esses grupos, os humanos sentem-se solitários e alienados.

Na conjuntura de uma sociedade hiperconectada, pautada por esse novo parâmetro comunicacional, o qual prioriza o volume de relação em detrimento da qualidade das mesmas, decorre e se potencializa o conceito de sociedade do hiperconsumo, em que os atos de consumo – cotidianos na acepção capitalista atual vivenciada – são aptos a provocarem felicidade, ainda, que de forma paradoxal, termo cunhado por Gilles Lipovetsky.4

A lógica do consumismo atualmente se encarrega de assumir um viés emocional e se atrela, nesses termos, na busca por uma função identitária. Atos de consumo provocariam uma dita felicidade paradoxal – encaradas como um aumento na qualidade de vida e pertencimento às novas tribos –, e o desejo seria satisfeito a partir do consumo.

Explica Zygmunt Bauman5 que “o consumo é um investimento em tudo que serve para o ‘valor social’ e a autoestima do indivíduo”. O consumidor moderno molda seus hábitos de consumo para que possa ser aceito socialmente, mas, também, para que ocorra em seu âmago a sensação prazerosa de satisfação, resultando na felicidade paradoxal.

Deslinda Luiz Edson Fachin que:

A subjetivação do consumo nada mais é que uma feérica busca pela concretização de experiências ainda desconhecidas. A novidade é o combustível do hiperconsumidor, é com ela que esse novo “homo consumericus” intentará renovar, de modo cíclico e incessante, o agora.6 

Assim, o consumismo hipermoderno é afetado pelo ciclo inerente às pessoas de busca pela renovação, impulsionado, principalmente nesse contexto, pelo panorama quase perfeito do estilo de vida social criado pelos influenciadores. Afinal, tais personalidades possuem considerável alcance ao público amplo, que pode ser facilmente convencido que anúncios veiculados se perfectibilizam como um “must” para o estilo de vida que pretendem seguir, aproximando-os do influenciador através desse status de pertencimento, uma vez que “social media influencers promote brands through their personal lives, making them relatable to the average consumer”.7

Ocorre que a busca desenfreada por esse ideal de vida perfeita é utópico e nunca poderá ser atingido por completo pelos consumidores. A distinção entre o que mostrado por tais influenciadores e sua vida real não é nítido para os seguidores, que se espelham em tais figuras de modo a endeusa-las, seguindo fielmente suas dicas de consumo, alcançando a felicidade efêmera para, depois, reiniciar o ciclo.

Os influenciadores podem até bradar estilos de vida saídos da Disneylândia, onde tudo são flores e os lucros aumentam com o engajamento, mas é preciso que existam parâmetros regulamentadores para que seja possível clarificar, o máximo possível, uma distinção entre o que é mostrado e o que é a realidade, a título de responsabilidade social, sob pena de aumentar vícios cíclicos que afetam a saúde mental e autoestima de seus seguidores.

No campo consumerista, para além das disposições contidas de forma legal pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e de modo infralegal pelo Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR), em seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), em que os influenciadores são obrigados a demonstrar que a divulgação de produtos e serviços está sendo patrocinada, é necessário que se alerte aos seguidores (potenciais consumidores) todo o contexto informacional que permeia o anúncio patrocinado.8

Afinal, o corpo social hodierno é movido a acreditar, em um viés de confiança, que o que é exposto por tais personalidades em suas redes sociais é um retrato autêntico da vida pessoal, sem filtros, o que não ocorre de verdade. A consequência lógica, nesse sentido, é o impulso desenfreado ao consumo, para preencher vazios sentimentais, criados, por vezes, pelos ideais de perfeição veiculados pelos próprios influenciadores. Quando a felicidade passa (afinal, é efêmera em sua essência), ela só é preenchida novamente por novos atos de consumo.

Portanto, é necessário se idealizar meios – éticos e regulamentadores – que possam, em certa instância, quebrar a roda. Lado contrário, seremos movidos de forma não intencional pelo mercado e seus avatares, levando a crer que podemos comprar, por certo tempo, a felicidade, quando, em verdade, não a encontraremos de forma plena. E fora dos Stories, está tudo bem?

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Caio César do Nascimento Barbosa

 

Referências

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1. Sobre os influenciadores digitais, ver: BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. Publicidade Ilícita e Influenciadores Digitais: Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 2, p. 01-21, mai.-ago./2019.

2. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34. 1999. Disponível em: <https://mundonat

ivodigital.files.wordpress.com/2016/03/cibercultura-pierre-levy.pdf> Acesso em: 12 jul. 2021.

3. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

4. Sobre a felicidade paradoxal, ver: LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

5. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 76.

6. FACHIN, Luiz Edson. Da Felicidade Paradoxal à Sociedade de Riscos: Reflexões sobre Risco e Hiperconsumo. In: LOPEZ, Teresa Ancona; LEMOS, Patrícia Faga Iglecias; JUNIOR, Otavio Luiz Rodrigues. Sociedade de Risco e Direito Privado: Desafios normativos, Consumeristas e Ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, v. 1, p.380-393, p. 385.

7. Tradução nossa: “os influenciadores das redes sociais promovem marcas através de sua vida pessoal, fazendo com que o consumidor normal se relacione”. In: GLUCKSMAN, Morgan. The rise of social media influencer marketing on lifestyle branding: A case study of Lucie Fink. Elon Journal of undergraduate research in communications, v. 8, n. 2, p. 77-87, 2017, p. 75.

8. Nesse sentido, ver: BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais em tempos de coronavírus. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; LONGHI Rozatti, João Victor; GUGLIARA, Rodrigo (Coords.). Proteção de Dados na Sociedade da Informação: entre dados e danos. Indaiatuba: Editora Foco, 2021 p. 321.

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