Tema bastante polêmico no judiciário é se os planos de saúde são obrigados a cobrir procedimentos não previstos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde). Por todo o país, existem milhares de ações contra planos de saúde que se recusam a custear determinados tratamentos por não estarem previstos nesse rol. A discussão é polêmica, pois a todo momento surgem novos tratamentos e procedimentos e esse rol muitas vezes não é atualizado na constância que deveria.
Para se ter uma ideia, esse rol era atualizado a cada 2 anos e agora passou a ser atualizado a cada 6 meses. Na atualização, são levadas em consideração análise técnicas e de impacto orçamentário, além de receber sugestões de órgãos públicos e da sociedade civil. O rol da ANS contém procedimentos mínimos obrigatórios para tratar doenças catalogadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que devem, necessariamente, ser oferecidos pelas operadoras de planos de saúde.
O tema já foi objeto de intenso debate no Superior Tribunal de Justiça e foi julgado nesta quarta-feira, dia 08 de junho de 2022, no julgamento do EREsp n. 1.886.929, na segunda seção desse mesmo tribunal. A segunda seção entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS), não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. Na opinião da maioria dos julgadores, a mera recomendação médica para tratamento não basta para obrigar o custeio pelas operadoras. Nessas hipóteses, os planos de saúde devem permitir contratação de cobertura ampliada ou de aditivos contratuais para a cobertura de eventuais procedimentos não incluídos. Contudo, o colegiado fixou parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
Por maioria de votos, a seção definiu as seguintes teses:
- O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
- A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
- É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
- Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidadepassiva ad causam da ANS.
No tocante as quatro condicionantes do item “4”, a seção citou os enunciados 23, 33 e 97 das Jornadas de Direito em Saúde. Prevaleceu a posição do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que incorporou em seu voto acréscimos trazidos em voto-vista pelo ministro Villas Bôas Cueva, apresentado nesta quarta. Também votaram com o relator os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze. Ficaram vencidos no julgamento a ministra Nancy Andrighi, e os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro, para os quais o rol da ANS teria caráter meramente exemplificativo.
Mas se o rol é taxativo, como ele admite exceções? Veja-se o que diz o dicionário Michaelis da Língua Portuguesa sobre a expressão taxativo:
taxativo
ta·xa·ti·vo
adj
1 Que taxa, que limita, que restringe.
2 Que fixa com precisão e em nome da lei ou regulamento; limitativo, restritivo: Na repartição, o diretor baixou algumas regras taxativas, no que se refere a cumprimento de horário.
3 FIG Que não possibilita objeção ou resposta; categórico: “Aquilo me deixou indignada. A pobre Mikol agonizando e o cara a quem ela tinha dado sua vida preocupado com audiências e cerimônias. Possessa, fui taxativa: – Nada disso. Tu vais lá” (MS). 1
Ora, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, taxativo é aquilo que limita, que restringe, não possibilita objeção, é categórico. Então, ao decidir que o rol da ANS é taxativo, o entendimento seria de que o mesmo não admite exceções. Mas não foi isso que foi decido no julgamento em análise. O próprio STJ afirmou que essa taxatividade não pode ser absoluta, ela deve ser mitigada, em situações excepcionais. Em situações excepcionais, o Judiciário pode impor o custeio de tratamentos quando comprovada a deficiência estrutural e sistêmica da lista preparada pela autarquia responsável pela saúde complementar no Brasil. Essa situação é exatamente a do caso concreto julgado nos embargos de divergência. O autor do processo é um paciente com depressão grave e esquizofrenia, com recomendação médica de estimulação magnética transcraniana que foi negada pela operado de plano de saúde.
O tratamento não está no rol da ANS, mas é reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina e há nota técnica de recomendação emitida pelo NatJus, especialmente porque o paciente não respondeu a outras terapias anteriores, como medicamentos antidepressivos. Assim, o plano de saúde deve custeá-lo.
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, que foi voto vencido nesse julgamento, “Soa incoerente falar em taxatividade de um rol que é periodicamente alterado para inclusão e exclusão de tecnologias em saúde. A existência de uma lista aberta, se é que pode ser assim chamado, não significa obrigatoriedade de cobertura”, defendeu ela, em aditamento ao voto feito na terça-feira (7/6). 2
Essa tese da taxatividade mitigada já foi adotada em outro julgamento recente do próprio STJ, em 2018, no Recurso Especial 1.704.520, sob o rito dos recursos repetitivos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o conceito de taxatividade mitigada do rol previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil (CPC), abrindo caminho para a interposição do agravo de instrumento em diversas hipóteses além daquelas listadas expressamente no texto legal.
Aqui, no julgamento do rol taxativo da ANS ocorreu a mesma situação. No item 3, admitindo que o consumidor contrate cobertura ampliada, e no item 4, ao afirmar que não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente.
O problema desse tipo de decisão é a imensa insegurança jurídica que ela provoca, tanto para os consumidores quanto para os fornecedores, já que taxativo é aquilo não admite extensão e a expressão taxatividade mitigada não contribui em nada para a pacificação do problema. Deve-se ressaltar que o consumidor é parte vulnerável da contratação de serviço de saúde, e nos casos desse tipo especificamente de serviços, é na verdade hipervulnerável, já que são paciente de doenças crônicas de difícil tratamento. Infelizmente, parece que o Superior Tribunal de Justiça não quis se posicionar de forma concreta, na expressão popular, “ficou em cima do muro”, já que de certo modo, não atendeu nem os consumidores nem os fornecedores, pois taxatividade mitigada é na verdade um rol exemplificativo como sempre defendeu a Ministra Fátima Nancy Andrighi.
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Referências
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1. MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em: https://bit.ly/3aGngB6. Acesso em: 09 jun. 2022.
2. VIDAL, Danilo. Rol da ANS é taxativo, mas pode ser superado em casos excepcionais, diz STJ. Disponível em: https://bit.ly/3tnNiPZ. Acesso em: 09 jun. 2022.