Atento ao que foi discutido no texto anterior, o qual se ateve a questão da justiça em termos platônicos, fazer uma interlocução com a noção colocada e a função social do advogado, me pareceu algo sensível e diretamente ligado aos tempos de litigio que o Brasil vive, não só na esfera jurídica, mas também no espaço comum da vida cotidiana, nas suas mais variadas formas de expressão e interação.
Considerando que à função jurisdicional do Estado não cabe propriamente fazer justiça, mas sim mitigá-la, o mesmo é de se dizer do advogado no exercício diário de seu ofício. A vã e ilusória ideia de um Direito e de um Advogado pacificador, que busca uma justiça irreal, ficcional, que nem em conceito delimita-se, é talvez um obstáculo para que se compreenda a real tarefa de um advogado.
O advogado não difere muito de um operário, de um artesão, de um trabalhador cotidiano, assim como todos os indivíduos que assumem esses papeis funcionais dentro de uma sociedade, o advogado está impregnado da técnica, e primordialmente de uma ordem científica adstrita ao que se denomina como ciência social aplicada.
O Direito é o seu instrumento, e é a partir dele que externaliza e concretiza a profissão. Sem a pretensão de querer salvar o mundo, ou resolver problemas sociais que por vezes são circulares, afetando uma gama de indivíduos e coletividades, deve pautar pela evitação do litígio, pela atenuação da beligerância entre indivíduos, pela mitigação da injustiça.
Talvez esse seja um dos maiores deveres do advogado, buscar o consenso e desfazer os indivíduos, e porque não, a sociedade, da constante necessidade do litígio. Apoiado na lei 8.906 de 1994, conhecida como o Estatuto da Advocacia, mais especificamente em seu art. 2º e parágrafo 1º, é notória essa asserção, ao se levar em conta a advocacia enquanto função social.
Como bem destacado no texto anterior, o Brasil, em termos de prestação do serviço jurisdicional é extremamente sobrecarregado. Diante disso, faz-se cada vez mais presente nas discussões acadêmicas e entre os profissionais do Direito a necessária implementação de mecanismos que se dirijam para o consenso, deixando como última alternativa a judicialização.
Institutos como o da mediação, da conciliação e da arbitragem, seguem sendo implementados, contudo, ainda dão uma resposta bem tímida a uma tendência que parece não acabar. O ajuizar uma ação virou sinônimo do preciso de uma advogado, sendo que por vezes, ao ser privilegiada uma advocacia preventiva, especialmente a nível contratual, muitos impasses poderiam ter sido evitados.
Talvez esta seja a maior e mais necessária tarefa do Advogado, quando se lança a ideia de função social, ou seja, tornar-se um profissional que evita o litígio, e não pelo contrário, que busca a peleia. Óbvio que por vezes, a judicialização de demandas é impossível de não ser feita, haja vista o clima entre as partes, e até mesmo a complexidade da causa, precisando de um processo a nível judicial para um melhor desenrolar instrutório. Mas até para esses casos a legislação trouxe uma possibilidade primorosa, todavia passível de crítica.
Faço referência a Ação autônoma de produção de prova (Art. 381 e seguintes do Código de Processo Civil), a qual demonstra em juízo a inteligência de se preconizar o serviço advocatício preventivo. Há críticas quanto ao procedimento dessa ação, mais especificamente no que concerne a impossibilidade de defesa e de recurso das decisões que deferirem ou indeferirem o pleito de provas a serem produzidas, salvo se for o caso de indeferimento integral da produção da prova requerida (Art. 382, §4º do CPC), mas deixemos isso para uma outra hora.
O fato que nos interessa é que essa prevenção no exercício da advocacia, talvez seja a realização da função social tratada no Código de Ética dos Advogados, visto que implica diretamente numa regular administração da justiça em sua forma essencial, isto é, enquanto justiça propriamente dita, haja vista que tem por norte a evitabilidade do conflito.
Esse esforço técnico, e principalmente ético do advogado, talvez seja um passo no sentido oposto da condição de beligerância, que por vezes o próprio Estado, em suas funções, promove sobre os indivíduos e a coletividade, conforme dados do próprio CNJ, no canal chamado Justiça em números.
Além de se postar como um dos grandes litigantes, o Estado em razão de ser uma instituição deficitária em várias setores básicos, como saúde e educação, ao precarizar a vida do cidadão, o leva a creditar como saída para enfim exercer plenamente seus direitos, a função jurisdicional. Esta, como ponderado no texto anterior, ao contrário de perseguir a justiça, é por si só uma demonstração de que a justiça já falhou nas questões mais mínimas quando se trata de uma sociedade.
Como colocado nesta coluna reiteradamente, a educação é vital para a emancipação do indivíduo e para que esse possar exercer e reivindicar direitos prescritos no texto constitucional e demais legislações infraconstitucionais. O simples fato de não saber se expressar, não tendo um mínimo arcabouço teórico, talvez seja uma das questões que levam os indivíduos, não só ao conflito, mas ao confronto, ao embate físico, nutrindo um sistema vicioso, indiferente com a possibilidade de prevenir e presa a noção capenga do remediar.
O Advogado, dentro desse quadro lança-se sobre um desafio que implica não só em atenuar a injustiça gerida em vários âmbitos sociais e pela figura do próprio Estado, mas também democratizar o Direito, apresentando-o não como um instrumento de pacificação, mas como uma ferramenta voltada a alcançar a democraticidade jurídica, seja pelos princípio norteadores do processo, contraditório, ampla defesa e isonomia, seja pela constante tentativa de implementação de direitos fundamentais num cenário “político” (da pólis) desjudicializado.
____________________
Referências
________________________________________
BRASIL. Lei nº 8.906/1994 – Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
BRASIL. Lei nº 13.105/2015 – Código de Processo Civil.
CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Disponível em: https://bit.ly/3ruzfHc