O eixo “S” do ESG: o papel das empresas na promoção da Justiça Social

O eixo “S” do ESG: o papel das empresas na promoção da Justiça Social

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A promoção de algo que pode ser chamado de “justiça social”, não mais cabe somente ao Poder Público e à sociedade civil organizada. As empresas possuem um papel cada vez mais importante, seja pela relevância econômica das grandes corporações ou pelo próprio sentido do trabalho na contemporaneidade.

Inicialmente, é necessário traçar breves linhas do que seria uma ideia de justiça social. Segundo Azevedo,1 a justiça social trataria de políticas de promoção de igualdade e equidade, em busca de uma sociedade mais justa. Então, seria uma forma de afastar o indivíduo das amarras e mazelas do mercado, altamente competitivo e injusto, para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Nancy Fraser,2 autora estadunidense e um dos maiores expoentes no estudo de justiça social, sugere uma abordagem bifocal do tema: por um lado, a justiça é uma questão de distribuição justa; por outro perfil, seria uma questão de reconhecimento recíproco. Somente a combinação desses dois elementos, será capaz de promover uma sociedade justa.

Os dois posicionamentos acima servem apenas para situar a problemática desse artigo, dentro de um contexto muito maior. Contudo, a ideia de justiça social é demasiado ampla, complexa e com uma grande gama de doutrinadores discutindo o tema, logo, impossível de se exaurir nessa coluna.

Porém, é possível se afirmar que o debate da justiça social busca discutir a problemática de como se criar uma sociedade mais justa e igualitária, do ponto de vista substancial. Ou seja, não é suficiente a igualdade formal (perante à Lei, já assegurada a todo brasileiro e estrangeiros), mas a igualdade material, com as devidas compensações por retrocessos sociais presenciados no processo histórico de formação do Brasil.

Mas o que empresas, ESG e compliance tem a ver com isso? Simplesmente tudo. O mercado vem assumindo um papel cada vez mais preponderante na modelação da sociedade global. O neoliberalismo tem o poder moldar o sujeito e suas relações interpessoais, ditando regras de consumo e trabalho.

Ademais, grandes corporações estão se tornando maiores que muitos Estados (entendido aqui no sentido político, não de Unidade Federativa), com poderes mais amplos que muitos países soberanos. Com esse poder excessivo, a responsabilidade social das pessoas jurídicas aumentam.

Aqui não está se afirmando algo como um comunismo radical, de abolição de propriedade privada, e socialização do patrimônio empresarial. Mas alertar, mais uma vez, que a lógica da busca incessante e desmedida por lucros está sendo superada.

A própria da Constituição da República de 1988, já traz uma noção da importância da responsabilidade social empresarial: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]”. Ou seja, promover justiça social é um dever das empresas, constitucionalmente previsto.

Do ponto de vista do ESG, o social trata da adoção de práticas que melhoram a qualidade do ambiente empresarial, bem como, promovem o trabalho digno dos seus empregados.   Essa constatação vai admitir dois modos de ação das empresas: um negativo e outro positivo.

Pela modalidade negativa, trata-se da empresa adotar práticas antidiscriminatórias, que promovam um ambiente empresarial saudável, em que haja inclusão e respeito entre todos os empregados. Isso é uma questão delicada, inclusive, do ponto de vista do direito trabalhista, pois é exigida muita sensibilidade dos gestores de recursos humanos, bem como, um pulso firme da alta direção, para não tolerar nenhuma prática depreciativa entre os funcionários. E não é somente na relação com empregados que o social deve ser respeitado, visto que deve incluir clientes, prestadores de serviços, parceiros, etc.

Por exemplo, teve o episódio do homicídio, por espancamento, de um homem em um supermercado em Porto Alegre, ainda no ano de 2020. No caso, estava envolvido um gigantesco grupo empresarial, de abrangência mundial, cujo social, de seu ESG, falhou vergonhosamente com um cliente.3 A situação teve ampla cobertura midiática, com atuação de órgãos da justiça, para evitar que a situação se repetisse.

Mas, a análise do social não para somente com humanos. O mesmo supermercado, em 2018, se viu obrigado a pagar o valor de um milhão de reais, por um segurança ter espancado até a morte um cachorro.4 Em tempos de mídias sociais e alta exposição, nenhum deslize ou atrocidade passam impunes. A cultura do cancelamento não poupa ninguém.

Para sair de exemplos apenas brasileiros, a gigantesca Tesla foi processada, na Califórnia, por ex-funcionários que acusam a empresa de não coibir práticas racistas, tampouco, promover atitudes antirracistas.5 Então, o ponto de vista social do ESG não se exaure em humanos, tampouco no Brasil, sendo algo relevante no mundo todo.

O local de trabalho é onde a maioria das pessoas passam a maior parte de seu tempo, logo, precisa ser um ambiente saudável, inclusivo e pacífico, em que todos se sintam bem-vindos e acolhidos. O trabalho, em si, não é dignificante, o que dignifica é como ele é feito – de forma livre e com uma remuneração justa, principalmente.

Por isso, que as empresas devem enxergar a sua responsabilidade, e impedir que episódios como os exemplos acima ocorram. Basicamente, do ponto de vista negativo, o social do ESG, visa coibir qualquer tipo de prática discriminatória, degradante e cruel, com qualquer ser, dentro da atividade empresarial, em sentido amplo.

Do ponto de vista positivo, as empresas precisam promover ações de responsabilidade social. Nesse aspecto, não basta que as empresas coloquem o filtro de arco-íris no mês LGBTQI+ nas fotos de perfis das redes sociais, ou exaltem a cultura negra no dia 20 de novembro, uma vez por ano. Isso é importante sim, um excelente primeiro passo, mas nem de longe o suficiente.

A empresa precisa promover práticas de conscientização de seus empregados, lembrar que é papel do homem respeitar a mulher, que nenhum tipo de discriminação será tolerada, que todos devem ser tratados de forma digna e respeitosa, não importando raça, cor, sexo/gênero, religião ou posição política.

Além disso, as empresas devem utilizar da força empresarial para moldar uma sociedade mais justa. Por exemplo, muitas empresas possuem plataformas midiáticas poderosas, que podem ser utilizadas para divulgar políticas antirracistas ou que promovam o respeito às mulheres. Ainda do ponto de vista do marketing, a empresa deve atentar para quais pautas sua marca está dando endosso, bem como, qual a postura das pessoas que levam a mensagem ao público – nesse aspecto, destaca-se o caso do rompimento da Adidas com o Kanye West, por recentes manifestações racistas e antissemitas.6

Outro exemplo é utilizar de programas que busquem a contratação de profissionais negros ou portadores de deficiência (como a própria Lei[vii] já exige o respeito a cotas, no caso de PCD’s). Afora a paridade de contratação, deve ser observada a igualdade salarial, e as mesmas chances de ascensão interna dentro da empresa. Conselhos Deliberativos e diretorias ainda são extremamente brancas e masculinas, não refletindo a realidade do Brasil.

O compliance nesse caso, entra como uma estrutura de prevenção que esse tipo de ilicitude aconteça. Os episódios relatados como exemplos ocasionaram em severas consequências financeiras às empresas, além do dano à imagem e possível responsabilização pessoal dos diretamente envolvidos no caso.

Embora episódios de corrupção e lavagem de dinheiro, não sejam questões próprias do ponto de vista social, o compliance pode e deve impedir esse tipo de prática de ilícitos. Inclusive, um bom código de ética dentro da empresa, pode coibir muitas práticas discriminatórias, de assédio moral ou sexual, além dos próprios crimes que acontecem dentro do ambiente empresarial.

Portanto, já tarda que as empresas utilizem de seu poderio econômico para promover a justiça social. Não se trata de substituir o Estado em políticas públicas inclusivas, mas de utilizar da força do capital a fim de promover mudanças saudáveis, para a formação de uma sociedade mais justa.

O final de ano se aproxima, e gostaria desse momento de agradecer o Portal Jurídico Magis, pela oportunidade de manifestar opiniões e escrever nessa coluna. Desejo a todos um Feliz Natal e um próspero Ano Novo, e nos vemos ano que vem, na coluna de janeiro, já de 2023.

 

Referências

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1. AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Igualdade e equidade: qual é a medida da justiça social?. In. Avaliação (Campinas) 18 (1) • Mar 2013. P. 131. https://bit.ly/3UA7R6z

2. https://bit.ly/3P4xUSm

3. http://glo.bo/3uvnjq1

4. https://bit.ly/3h1CKDx

5. https://bit.ly/3HhLksw

6. https://bit.ly/3iIpXGs

7. Art. 93, da Lei nº 8.213/91.

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