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A audiência de conciliação e sua utilização como mero procedimento processual

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O Sistema Multiportas foi instituído factualmente ao judiciário brasileiro com o Código de Processo Civil de 2015 e seu ideal de constitucionalização do processo. Diante do cenário da constitucionalização, tem-se como objetivos processuais a primazia do mérito e o acesso à justiça qualitativo.

No campo da primazia do mérito, em suma, a relevância do procedimento é relativizada em pró da resolução integral do mérito, ou seja, a demanda judicial deve tencionar o julgamento com resolução do mérito possibilitando a correção de vícios sanáveis e efetivando sempre que possível a triangularização processual, baseando-se na instrumentalidade das formas e convalidação dos atos processuais (MONTANS, 2021).

No que tange ao acesso à justiça qualitativo, observa-se a ideia de não apenas efetivar o acesso ao judiciário mas o acesso ao resultado final do processo, ou seja, alcançar uma decisão que envolva resolução do mérito.

Relacionando o acesso à justiça diretamente ao sistema multiportas, tem-se na atualidade o objetivo de incentivar as partes que integram o processo a utilizar instrumentos que viabilizem a ruptura com o formalismo do processo bem como da crença social de eleger o judiciário como fonte exclusiva apta a resolver conflitos.

Nesse contexto, há de se mencionar a conciliação, instrumento do Sistema Multiportas mais afamado socialmente. Na Audiência conciliação, as partes são desconhecidas e o terceiro poderá impulsionar o andamento sugerindo eventuais propostas, aproximando as partes para facilitação do acordo.

Visando a segurança processual na realização das conciliações, a resolução nº 125/2010 do CNJ assegurou a segurança e padronização da Conciliação. Na supracitada resolução, encontram-se além da citação dos princípios normas de conduta que concretizam estes princípios no âmbito processual cível, entre elas: respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.

Nesse diapasão, insta salientar que entre os princípios norteadores da conciliação, tem- se a confidencialidade, resguardando as partes do sigilo das informações e fatos apontados durante a realização da audiência.

No entanto, na pratica processual se observa em verdade um demérito na audiência de conciliação. É comum nos corredores e nos grupos a manifestação de frases como ‘’não tem nenhum problema, é só uma audiência de conciliação, sentou levantou e tchau’’ e a realização de audiências com tempo máximo de 05 (cinco) minutos, não tendo as partes interesse no seu uso de forma efetiva e eficiente.

Mesmo diante das previsões normativas, resoluções e incentivos do poder judiciário como a Semana da Conciliação, realizada pelo CNJ, observa-se uma resistência ou ainda, propensão das partes que integram o processo pelo litigio e a crença de que a ‘’justiça’’ só será feita através da Sentença proferida pelo Juiz de direito.

Outro ponto a ser observando é a existência dos excessos ou insuficiência monetária na realização das propostas, em verdade, tem-se propostas contendo valores irrisórios e contrapropostas com valores excessivos, inviabilizando a realização de acordos.

Ainda, há de se observar que o CPC/2015 no § 3º do art. 3º assegura que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, todavia, pouco se fala sobre o cumprimento ou descumprimento desse dever apontado de forma expressa no Código.

Segundo Justiça em Números 2021, ‘’na fase de conhecimento dos juizados especiais, o índice de conciliação foi de 15,8%, sendo de 17,7% na Justiça Estadual e de 11,6% na Justiça Federal. Nos juizados especiais a conciliação é um pouco maior que na justiça comum, que alcança 12,5% na Justiça Estadual e apenas 2,2% na Justiça Federal. No primeiro grau, a conciliação foi de 11,7% considerando todos os segmentos de Justiça. No segundo grau, a conciliação é praticamente inexistente, apresentando índices muito baixos em todos os segmentos de justiça’’.

Ante o exposto, em que pese a Conciliação integre o Sistema Multiportas e configure um meio seguro e efetivo para resolução de conflitos a pratica processual demonstra a sua utilização como mero procedimento processual, resultando na sua desconsideração enquanto objeto capaz de solucionar a lide. Assim, se faz necessária a reflexão das partes que integram o processo acerca do posicionamento adotado diante da audiência, incluindo na atividade de elaboração de propostas e contrapropostas, visando sua realização de modo a proporcionar a resolução de conflitos.

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Bianca Cardoso de Medeiros

*Pós-graduanda em Penal e Processo Penal ”stricto sensu” pelo Centro Universitário Nobre (UNIFAN). Graduada em Direito pelo Centro Universitário Nobre (UNIFAN). Advogada OAB/BA.

 

Referências

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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2021. Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3rRjTNa. Acesso em: 06 out 2022.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 125, de 29/11/2010. Portal do CNJ. Disponível em: https://bit.ly/3Mpr6xn. Acesso em: 05 out 2022.

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