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A Cidade como Início da Crise Ambiental

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Na clássica obra A Política, Aristóteles testifica a origem do que hoje se designa como Estado. Nas muitas traduções que existem acerca dessa obra, os termos Estado e cidade aprecem de maneira sinônima, e traduzem uma sofisticada organização social criado pelo ser humano.

No desenrolar de sua escrita, infere que esse artefato criado pelo homem, isto é, a pólis, separou os indivíduos humanos das bestas no sentido espacial, tecnológico. Sem dúvida não só essa literatura, mas a própria realização da pólis grega é um marco para a cisão entre “homens” e natureza, em que passa-se a considerar, ao menos o ambiente natural, como questão alheia as preocupações, interesses e relações percebidas no âmbito da cidade.

Nesse sentido, a ética, disciplina cara para a trajetória da humanidade no que é atinente a maturidade do indivíduo e da coletividade, as restringir-se ao escopo dos indivíduos humanos, talvez tenha determinado a atuação do ser humano perante a natureza, até contemporaneidade. Essa inferência, por sua vez, encontra base no que discorre Hans Jonas em se livro O Princípio Responsabilidade – o ensaio para uma ética na civilização tecnológica, em que faz uma evidente associação da acepção que os gregos tinham da natureza, percebida como divindade, e a ação humana frente a ela no transcorrer das eras até a contemporaneidade.

Jonas, apoiado na tese de uma cisão da pólis com a natureza a partir da Atenas do século VI, a interpreta como o início de uma tentativa humana de superar as demandas do universo que o abarca, inclusive as demandas do ambiente selvagem. Isso, ao que permite-se interpretar das suas asserções, reverberou ao longo das eras do desenvolvimento da civilização humana, desembocando no que hoje se trata como crise ambiental, a qual pode ser exemplificada por problemas ambientais globais como o aquecimento global e a pandemia de covid-19, ambos uma realidade presente na cotidianidade humana.

Essa crise, lançada como problemática de repercussão mundial, haja vista que é afeta ao meio ambiente, é decorrente da tardia preocupação com a prospecção excessiva e degradação ambiental.

Tão somente no séc. XX, que a humanidade, globalizada não só a nível comercial e cultural, mas sobretudo a nível informacional, que se deu conta da gravidade da ação expropriatória humana sobre os recursos naturais e de igual modo da influência negativa dos seres humanos sobre ecossistemas, biomas, e existência de outros seres vivos.

A atenção para esse tema, se deu especialmente através de encontros internacionais, os quais resultaram em convenções com vistas a explicitar uma adequada convivência entre natureza e seres humanos. Em uma dimensão mais alargada, com vistas a ratificar a ideia de um todo ecossistêmico no qual o ser humano é parte, a noção de natureza deu espaço para uma acepção mais genérica, lançando o meio ambiente como sendo pauta de importância, não só para a prosperidade da vida em suas múltiplas facetas, mas para resguardar a sobrevivência dos seres humanos.

Todavia, a cidade em sentido restrito, ou seja, entendida como o locus da manifestação e realização humanas, repercute o sintoma grego delineado por Jonas, sobretudo quando se coloca como fator contributivo, a técnica como possiblidade de socorrer o ser humano das intempéries do meio ambiente.

Essa perspectiva de que a tecnologia do agora é capaz de conter as demandas do meio que nos cerca e que concomitantemente nos mantem em certas condições adequadas de sobrevivência, é, para esse autor, mais do que temerária e pode, inversamente ao que se pensa, ser o gatilho para o fim do que hoje se considera um ser humano. A tese de Jonas caminha justamente nesse sentido, numa perspectiva de destacar o “ser/existir” que se verifica em cada ser vivo e por consequência no equilíbrio, na função sistêmica cabível a cada indivíduo.

Essa talvez, seja o ponto alto de sua justificativa para se estabelecer a responsabilidade, enquanto princípio, enquanto métrica da ação humana frente o meio ambiente. Admitir que a existência humana não se resume ao espaço construído é a reviravolta necessária, para nos entendermos, não só como animais, mas como interdependentes de toda uma conjuntura que nos fornece uma sadia qualidade de vida.

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Felipe Gomes Carvalho

 

Referências

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ARISTÓTELES. A política. Lisboa: Vega, 1998.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

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