A cláusula raio e sua validade jurídica nos contratos de locação em shopping centers

A cláusula raio e sua validade jurídica nos contratos de locação em shopping centers

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A chamada cláusula raio, tem esse nome, por instaurar qual o raio de atuação de cada unidade da parte locatária, de forma que se crie uma interdependência entre elas, sem privar o sucesso dos empreendimentos.

Sílvio de Salvo Venosa entende que essa cláusula de exclusividade deverá ser referente a um território, justamente para evitar que sejam instaladas lojas da mesma rede de franquias próximas demais a ponto de fazerem concorrência entre si. Age de forma garantidora para todas as unidades abertas, para não criar concorrência na própria vizinhança.

Vale ressaltar que, a escolha dos locatários, consiste em um estudo prévio baseado nas necessidades de uma localidade, o qual define o conjunto de lojas e franquias, bem como sua disposição e organização dentro do centro comercial ali disposto.

Nesta seara, levando em consideração que o contrato de locação seja típico, devendo observar os princípios do Código Civil, além de possuir regulamentos previstos na Lei de Inquilinato, este negócio jurídico pode utilizar das perspectivas da liberdade contratual das partes, assim como ocorre nos contratos atípicos.

Para tanto, a própria Lei nº 8.245/2013, que se refere a Locação de Imóveis Urbanos, tutela, em seu artigo 54, que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente compactuadas nos contratos de locação respectivos”.

Como supracitado, leva-se a entender que existe validade jurídica a cláusula raio, devendo observar os princípios da liberdade contratual, da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda e que havendo conflito entre a lei e as condições previstas no instrumento celebrado, a própria legislação específica preceitua que o acordado deve prevalecer nos casos dos shoppings centers, tendo em vista que a estruturação do complexo de lojas visa atender a um objetivo econômico, o qual ambas as partes (empreendedor e lojistas) estão de acordo no momento da celebração do contrato.

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar a validade da cláusula de raio constante na escritura declaratório de normas complementares ao contrato de locação de um shopping center de Porto Alegre/RS, entendeu que “a cláusula de raio inserta em contratos de locação de espaço em shopping center ou normas gerais do empreendimento não é abusiva, pois o shopping center constitui uma estrutura comercial híbrida e peculiar e as diversas cláusulas extravagantes insertas nos ajustes locatícios servem para justificar e garantir o fim econômico do empreendimento“.

Além disso, o STJ entendeu ainda que “o controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos de cunho empresarial é restrito, face a concretude do princípio da autonomia privada e, ainda, em decorrência da prevalência da livre iniciativa, do pacta sunt servanda, da função social da empresa e da livre concorrência do mercado” (Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, REsp 1535727/RS, relator: Ministro Marco Buzzi, data de julgamento: 10/5/2016).

Num outro entendimento, em 2021, o TRF-1 manteve a condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao shopping de São Paulo, que decidiu que este não poderia impedir os lojistas de abrirem filiais em shopping centers concorrentes, mesmo que o contrato de locação vedasse tal ação expressamente, bem como o proibiu de exigir a cláusula de raio em seus contratos com os lojistas (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Processo nº 0010504-07.2008.4.01.3400, data de julgamento: 28/1/2021).

Para o Cade, conforme dispõe o Processo Administrativo nº 08012.006636/1997-43, a cláusula raio, naquele caso, lesou os lojistas de shopping centers concorrentes, além dos interesses dos consumidores, que foram privados de escolher o local mais conveniente para a realização das suas compras.

O entendimento do TRF-1 corrobora com o eventual limite ao exercício empresarial, diante dos princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e das normas infraconstitucionais que reprimem o abuso de poder econômico, justificando, assim, a invalidade da cláusula.

Diante da inexistência de entendimento pacificado sobre o tema, a análise da utilização da cláusula raio deve obrigatoriamente passar pela apreciação das circunstâncias fáticas de cada caso concreto, sua abrangência para aquele caso e a racionalidade nos parâmetros de tempo, espaço e objeto estabelecidos nos documentos firmados. Importante ressaltar que a cláusula raio é prática utilizada amplamente em todo o mercado, inclusive externamente, e não é exclusiva dos contratos firmados por shoppings centers.

Ademais, nos julgados acima citados, há a menção de que a cláusula deve ser analisada conforme as particularidades do caso que será utilizada, não podendo a cláusula de raio ser julgada como abusiva de uma forma generalizada.

Por fim, é importante que, antes da sua utilização, as partes discorram e negociem os temos da cláusula, se baseando nas características específicas daquela contratação que pretendem criar, levando em consideração as circunstâncias econômicas e territoriais aplicáveis.

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Lucas Ambrosio de Almeida

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