A constitucionalidade e limitações das medidas executivas atípicas

A constitucionalidade e limitações das medidas executivas atípicas

direito, balança da justiça, sopesamento de direitos

O Código de Processo Civil emerge no âmbito processual com significativo enfoque na eficiência e efetividade objetivando garantir as partes que integram o processo um andamento célere e que ao fim se verifique a integral satisfação ao direito pretendido. Em especial no que tange ao andamento processual na Execução, se tem uma tradição processual de morosidade e inefetividade dos meios e procedimentos previstos dificultando ao credor a satisfação da demanda.

Nesse contexto, no procedimento de execução, analisando o caso concreto e visando a resolução integral da lide é facultado ao Juiz a aplicação de medida nomeadas como “meios típicos e atípicos da execução’’ que foram asseguradas no art. 536 e inciso IV do art. 139 do Código de Processo Civil de 2015 que dispõe acerca das medidas típicas e atípicas da execução.

No que tange as medidas atípicas, que foram viabilizadas a partir da redação do art. 139 do CPC/2015, a sua imposição gera discussões e contradições no âmbito processual diante da subjetividade concedida ao seu texto que dispõe: ‘’ determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária’’.

Inicialmente, insta apontar a discricionariedade concedida ao dispositivo mencionado, assim, se faz necessária a observância, pelo magistrado, de pressupostos para sua eventual concessão, quais sejam: proporcionalidade, razoabilidade, vedação do excesso e menor onerosidade da execução além de observar se é possível o cumprimento por parte do devedor bem como se foram esgotados os meios típicos para a satisfação do crédito.

Tais pressupostos foram apontados em julgamento do REsp 1.864.190 julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), tendo apontado a Terceira Turma que os meios de execução indireta possuem caráter subsidiário devendo o juízo observar pressupostos sua autorização.

O doutrinador Alexandre Câmara se posiciona arguindo que:

Além disso, é preciso ter claro que a aplicação dessas medidas não pode ser vista como uma punição ao devedor inadimplente. São elas mecanismos destinados a viabilizar a satisfação do direito do credor, e nada mais. Por isso são inaceitáveis decisões que determinam a apreensão de passaporte do devedor (que ficaria, com isto, impedido de viajar a trabalho) ou a suspensão da inscrição do devedor no cadastro de pessoas físicas – CPF –, o que impediria o devedor de praticar atos corriqueiros no cotidiano das pessoas, como se inscrever em um concurso público ou fazer a declaração de imposto de renda.1 

Por outro lado, Daniel Amorim Assumpção Neves descreve essas medidas da seguinte forma:

[…] a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas, […] são apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação.2

Assim, observa-se que as medidas utilizadas pelo Juiz não deverão ser aplicadas sem o preenchimento dos requisitos, ou ainda, resultar na limitação dos direitos fundamentais.

Nesse diapasão, verifica-se a necessidade de ponderação e aplicação estratégica das medidas atípicas para que haja a garantia da efetividade processual sem consequentes violações ao devedor.

Ao citar a ponderação, é necessário observar que o CPC/2015 elencou princípios basilares como boa fé e cooperação, que devem ser chamados e imputados de maneira incisiva nos casos onde há aplicação das medidas atípicas.

Atualmente, com a expansão tecnológica, tornou-se mais simples transferir a titularidade de bens e ocultar patrimônio. Esse esvaziamento resultou no aumento do não cumprimento de decisões judiciais, endossando o sentimento social de “ganhou, mas não levou”.

De acordo com o CNJ, dos pouco mais que 70 milhões de processos (excluídos todas ações de conhecimento e execuções penais), quase 40 milhões se encontra em fase de execução. Na seara trabalhista, por exemplo, onde a maioria dos processos são de natureza pecuniária, observa-se a alta frustração quanto a efetividade da concretização dos direitos reconhecidos, onde aproximadamente 1 em cada 2 processos se encontram na fase exaustiva de execução.3

Essa ausência de concretude das decisões judiciais, resultaram no sentimento de reformulação executória, tanto da classe judiciária, quanto dos advogados e doutrinadores, resultando na expansão em massa do uso das ferramentas executórias atípicas.

O cenário de execução como um todo, trata-se de crise executiva na qual se restringe direitos do devedor em face de outro direito fundamental do credor, por exemplo, o direito à propriedade do executado em face do direito fundamental a tutela jurisdicional concreta e efetiva assegurada ao exequente, no caso da execução por quantia certa.

Para Assis,4 na sociedade em que vivemos, o mecanismo fácil para resolução de problemas, inclusive no processo, é a punição, que precisa ser rejeitada. É nessa linha que a corrente que defende a inconstitucionalidade das medidas atípicas, invocando violação a dignidade da pessoa humana, liberdade de locomoção, devido processo legal e outros princípios de natureza constitucional.

No STF, a ADI de n° 5.941, discute a constitucionalidade do art. 139, IV do Código de Processo Civil, e de certa forma, representa o centro da discussão quanto a constitucionalidade das medidas executivas e suas limitações.

Se por um lado, os que defendem a inconstitucionalidade argumentam existir violações aos direitos fundamentais do executado, em razão de se ultrapassar a propriedade e avançando no corpo do devedor, além de se considerar tais medidas, como suspensão da CNH e Passaporte, como medidas sem fins práticos que satisfaçam o crédito exequente. Por outro lado, entende-se que tais medidas buscam a maior efetividade e concretude das decisões judicias, objetivando aproximar o indivíduo da tutela jurisdicional efetiva. De certo modo, essas “novas medidas atípicas representam uma resposta as novas camadas de blindagem patrimonial utilizadas pelos devedores.

Tendemos pela constitucionalidade da execução atípica. Tais medidas, quando de natureza coercitiva, não ultrapassam a esfera patrimonial do devedor, fazendo com que seu corpo responda pela dívida, mas tão somente causam desconforto ao executado forçando-o ao cumprimento voluntário. Inclusive, a inclusão do devedor no banco de dados do SERASAJUD e do BNDT, são medidas psicológicas sem fins “práticos” que geram um desconforto na vida do executado.

Em época em que se discute a ampliação do acesso à justiça, nada adianta, discutir gratuidade de justiça, honorários sucumbenciais, a acessibilidade da justiça fomentada pela tecnologia ou refletir sobre celeridade processual, quando na verdade, o essencial da tutela jurisdicional, a concretude da decisão judicial, encontra-se ineficaz e vazia, resultando na sensação de injustiça e fracasso do sistema judiciário em entregar a sociedade a efetiva prestação jurisdicional.

Partindo dessa premissa, o que devemos discutir são as limitações à essas medidas e a gravidade delas. Para Gajardoni,5  só é possível a aplicação após o uso das ferramentas tradicionais, respeitado o rol de preferência previsto no art. 835 do CPC. É nessa linha que o STJ, se posiciona.

Quanto a gravidade das medidas aplicadas, a ministra Nancy Andrighi, no julgado do Resp. 1.864.190, reflete sobre a existência de medidas típicas mais gravosas que as consideras atípicas, por exemplo, o despejo forçado e até mesmo a penhora de bens imóveis, quando se tem como possibilidade, a suspensão do passaporte e o bloqueio de cartões de crédito.

Em breve reflexão, observamos que o devedor que não se encontra qualquer patrimônio capaz de satisfazer execução, em regra, por um lado, entende-se que este não tem condições de fato de cumprir com o pagamento da dívida, por outro, trata-se de devedor ocultando patrimônio e com cartões de crédito livres para uso e com histórico de sair do país por mero lazer, sem qualquer desconforto que o faça satisfazer o crédito devido voluntariamente.

Não é surpresa que a medida atípica coercitiva de suspensão da CNH e do Passaporte se alastraram por todo o sistema judiciário rapidamente, porém, obtiveram grande resistência, devido ao mau uso das ferramentas.

De fato, não faz qualquer sentido o deferimento de tais medidas, de forma que não seja subsidiária, pelo menos, não sem alterações legislativas, ainda assim, apesar da suspensão do Passaporte, de alguma forma, ser entendida como possível, por se considerar sair do país um “luxo”, a suspensão da CNH é perigosa e de certa forma colide de forma grave com o direito fundamental a locomoção.

Ante o exposto, observa-se que em que pese tenha grande impacto na efetividade processual a aplicação das medidas atípicas de execução ao proceder com a sua concessão se faz necessário uma maior observância a ponderação dos direitos que serão limitados e as garantias fundamentais que envolvem o caso concreto, evitando condutas que violem direitos garantidos e resultando na efetividade processual.

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Bianca Cardoso de Medeiros*

John Juan Tayrone Santana da Silva**

*Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal – UNIFAN. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Nobre (UNIFAN). Advogada (OAB/BA). E-mail: b.med112233@gmail.com.

**Pós-Graduando em Direito Previdenciário – CERS. Bacharel em Direito pelo Centro Universo Salvador. E-mail: AdvocaciaJohn@gmail.com

 

Referências

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1. CÂMARA, A. O Novo Processo Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 123. Disponível em: https://bit.ly/3AeayDY. Acesso em: 10 jun.2022.

2. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa — artigo 139, IV, do novo CPC. São Paulo: Revista de Processos RePro, 2017, p. 107, grifo nosso.

3. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ESTATÍSTICAS DO PODER JUDICIÁRIO. Disponível em:  https://bit.ly/3PxsfDb. Acesso em: 10 de ago. de 2022.

4. ASSIS, Araken de. Cabimento e adequação dos meios executórios “atípicos”. In: TALAMINI, Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. Medidas atípicas executivas. Salvador: JusPodivm, 2018.

5. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Gilberto Melo. 07 de set. de 2015. Disponível em: https://bit.ly/3AiKBU1. Acesso em: 09 de ago. de 2022.

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