É incômodo quando alguém não é escutado, seja por ignorarem a fala, seja por ignorarem o conteúdo da fala, em ambas as situações se cria uma sensação de que a presença da pessoa na interlocução não tem importância alguma. Nesses casos não há um diálogo, mas sim um monólogo.
(…) Por exemplo, lembro-me quando criança fazia uma pergunta e a professora dava uma ótima resposta, porém a uma pergunta inteiramente diferente. Nessas circunstâncias eu era dominado por um sentimento intenso de dor e angústia. Como reação, eu tinha vontade de dizer: “Mas você não a ouviu!”. Sentia uma espécie de desespero infantil diante da falta de comunicação que era (e é) tão comum. (ROGERS, 1983, p. 4-5)
Apesar do incômodo gerado quando alguém não é escutado, porque insistimos em fazer isso? Em linhas gerais é porque é complexo escutar alguém, não basta estar presente de corpo, é necessário despender atenção, esvaziar-se da arrogância e da vaidade e, sobrepujar o impulso de responder imediatamente a fala do outro.
Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. “Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. (…) Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas. “Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos… (ALVES, 2004)
Nesse mesmo sentido:
Saber ouvir, portanto, é ter respeito pelo outro; é uma oportunidade de aprender e de se encontrar consigo mesmo. Se saber escutar é tão importante, por que alguns indivíduos não escutam? Entre os vários motivos estão a vaidade, o orgulho, a arrogância e até mesmo o fato de muitos não terem consciência da importância de escutar, de dedicar-se a ouvir o outro. (POLITO; POLITO, 2015, p. 51)
E a sociedade tem ido em direção diametralmente oposta, as pessoas têm se tornado cada vez mais vaidosas e arrogantes, tanto que se pode identificar uma cultura da indiferença, bem como o fenômeno do viés da confirmação. Demonstra-se, portanto, ser necessário romper com esses comportamentos para que seja possível que as pessoas comecem a escutar uma as outras.
Cultura da indiferença
Segundo Tânia da Silva Mayer (2017): “Vivemos uma cultura da indiferença. Questões gerais, comuns a grande número de pessoas, não nos provocam e nem nos movem para além de nossos umbigos. Também os problemas dos outros não nos dizem respeito”.
Para Christian Dunker, em entrevista concedida para a Casa do Saber (2017), diante dessa cultura da indiferença e da hiperindividualização não deveria ser uma surpresa que as pessoas tem uma incapacidade em escutar o outro.
A falta da escuta cria uma barreira intransponível entre as pessoas. Assim, faz-se necessário identificar a origem dessa dificuldade em escutar.
Parte dessa dificuldade em escutar pode ser atribuída ao processo de formação, notadamente focar-se estritamente com na fala, e isso é preocupante, uma vez que segundo Christian Dunker (2020, p. 15): “Nunca houve um processo colonizador que deixou de começar pelo ato de propor ao outro: fale a minha língua, porque assim a gente se entende. Por isso, se queremos outra coisa que a domesticação da barbárie, é preciso começar a pensar uma educação para a escuta e uma educação pela escuta”.
Então, para atender a demanda de aprender a escutar, tem de se perpassar, necessariamente, pela inclusão dessa competência no currículo escolar, ainda que não como uma matéria individualizada propriamente dita.
Sengundo Christian Dunker, em entrevista concedida para a Casa do Saber (2017):
E aí vem essa demanda mais ou menos espontânea de como que a gente aprende a escutar o outro. Mas, isso devia ser assim, uma matéria para o currículo escolar, de certa forma verdade, não uma matéria constituída, mas isso vem da nossa formação política, isso vem da nossa formação para o debate, que no Brasil é muito pobre, isso vem de experiências em que a escuta do outro seja de fato relevante. Na formação do nosso país, essa habilidade, esse valor, ele realmente não recebeu muita atenção, a ideia de que a diversidade, a diferença, ela se torna produtiva na medida em que eu consigo escuta-la.
Os docentes ao visar ensinar a competência da escuta, também devem exercê-la, posto que é através do exemplo de colocar-se à disposição da sala para escuta-los que os discentes serão capazes de adquirir essa competência e, por conseguinte, aprimorar todas as demais competências relacionadas à aprendizagem.
Viés da confirmação
O Viés da Confirmação também ajuda a explicar essa dificuldade em escutar o outro, sobretudo quando a fala apresenta contrariedade com crenças e entendimentos anteriormente adquiridos.
Para a neurocientista cognitiva Tali Sharot, em entrevista para a revista o Globo (2018), a teoria do viés da confirmação explica que o cérebro busca confirmar as crenças pretéritas e resiste a evidências contrárias. Associado à teoria do viés da informação tem-se ainda o aspecto social, pelo qual a adesão social tem mais influência no processo cerebral de validar uma informação do do que mecanismos críticos e científicos de difícil compreensão. Portanto, em maior grau, a percepção da realidade por parte do indivíduo é construída mediante processos de socialização que nos reafirmam como membro de uma coletividade.
Segundo Clayton Guimarães e Michel Silva (2021, p. 205): “Por intermédio do viés da informação e do aspecto de necessidade de inserção social cria-se um autoritarismo de interpretação, tornando-se dificultoso ao indivíduo romper com o paradigma vigente em seu grupo e buscar alcançar a verdade por meio de mecanismos críticos”.
Por fim, deve se esclarecer que se torna ainda mais complexo escutar o outro quando a fala corresponde a uma ideia que contraria uma noção pretérita do indivíduo ou que atenta contra a ideologia do grupo à qual pertence.
* Para os interessados na temática, o texto acima é um recorte do livro: Comunicação Assertiva: oratória e escutatória, disponível na Amazon, através desse link.
Referências
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ALVES, Rubem. Escutatória – ou o silêncio como alimento. 2004.
DUNKER, Christian. Paixão da Ignorância: a escuta entre Psicanálise e Educação. São Paulo: Contracorrente, 2020.
GUIMARÃES, Clayton Douglas Pereira; SILVA, Michael César. Repercussões do exercício da liberdade de expressão e da disseminação de fake news no contexto da sociedade da informação. In: EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; LOBO, Fabíola Albuquerque; ANDRADE, Gustavo (coords.). Liberdade de expressão e relações privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 201-216.
MAYER, Tânia da Silva. A Cultura da indiferença. Dom Total. 2017. Disponível em: link. Acesso em: 03 maio 2022.
O GLOBO. Neurocientista explica porque as pessoas nunca mudam de opinião nas redes sociais. 2018. Disponível em: link. Acesso em: 27 dez. 2020
POLITO, Reinaldo; POLITO, Rachel. 29 minutos para falar em público e conversar com desenvoltura. Rio de Janeiro: Sextante, 2015.
ROGERS, Carl Ramson. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.
SABER, Casa do. Como Aprender A Escutar O Outro? | Christian Dunker. Youtube. 2017. Disponível em: link. Acesso em: 25 abr. 2022.