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A elasticidade do nexo causal: Uma visão do fortuito interno à luz da jurisprudência do STJ (Parte II)

pilha de livros

Tendo trazido, em meu artigo anterior, os contornos de questão julgada pelo STJ relativamente à responsabilização de prestador de serviços por danos causados ao consumidor, resta, neste artigo iniciar a analise dos dogmas que vêm sendo utilizados por esse E. Tribunal para aumentar a envergadura do instituto da responsabilização civil, nas relações que são abrangidas pelo sistema de proteção ao consumidor.

 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Em primeiro, importante trazer a definição de responsabilidade civil baseada em base doutrinária sólida. A Professora Maria Helena Diniz a conceitua como:1

“(…) a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.”

Rui Stocco, expõs que responsabilidade civil se conceitua como:2

“A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana”

O principal ponto e objetivo da responsabilidade civil é o do regresso ao “status quo ante”, reparando-se a vítima do dano causado por algum ilícito praticado por ato culposo violador do dever legal ou estipulado em contrato.

Com a evolução das relações humanas, empresariais e tecnológicas, houve uma evolução do conceito, trazendo à cena o instituto da responsabilidade civil objetiva que prescinde do elemento culpa, bastando, para sua caracterização, apenas o dano e o nexo causal.3

Em nosso sistema de proteção ao consumidor, esse instituto se encontra nos artigos 12 e 14, do CDC4 e se funda no risco da atividade empresarial exercida pelo fornecedor do serviço (no caso, o pacote de turismo)

OFERTA E NATUREZA DO SERVIÇO

 Nota-se que os Ministros do STJ se utilizaram, como ponto central de sua fundamentação, na natureza do produto e do serviço prestado pela agência de turismo, ou seja, um “pacote” de viagem, que incluiu transporte, hospedagem, alimentação e passeios, tudo isso, com a disponibilização de um guia turístico que, pela sua presença, oferecida aos consumidores, uma sensação de segurança normalmente decorrente da natureza da atividade desse profissional.

Esse “pacote”, ainda na interpretação dos Ministros, constituiu uma contratação para além da mera intermediação entre a agência de turismo e todos os demais prestadores de serviços com os quais o usuário teria contato durante o tempo da viagem (empresa de transportes, hotelaria, restaurantes, etc.).

Assim é que por ter oferecido um serviço com o qual estava diretamente envolvida em termos de qualidade, informação e segurança, a agência avocou para si a responsabilidade de garantir o bem-estar de todos os que com ela contrataram e se responsabilizou, de forma solidária com o prestador de serviços direto, por todos e qualquer dano derivado, ainda que indiretamente, da atividade empresarial desses prestadores.

Com efeito, em relação à oferta, estabelece o Código Consumerista que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”(art. 30).

Destaca, ainda, que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31).

Por outro lado, o Código Civil, em seu art. 393, prevê que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.

Nessa ordem de ideias, verifica-se que, de acordo com a interpretação do STJ,5 houve a formalização de um liame pré-contratual entre o recorrente e o recorrido, que deve ser fielmente cumprido, conforme amplamente ofertado pelo fornecedor, dando-se concretude à boa-fé objetiva e aos deveres anexos de confiança, proteção, informação e cooperação.

Colocados esses conceitos, no próximo artigo abordarei, dentro desse contexto, os conceitos de nexo de causalidade e fortuito interno e, no último artigo da série, serão trazidos casos análogos ao presente, para a apresentação de um conjunto de julgados, demonstrando a inclinação do STJ voltada à elasticidade da responsabilidade civil.

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Fabiano Cardoso Zakhour

 

Referências

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1. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – vol. 7 – responsabilidade civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p 34.

2. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 114.

3. “Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa”. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012, p. 137.

4. “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

5. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. PANFLETOS PUBLICITÁRIOS PROPAGANDA ENGANOSA POR OMISSÃO. NÃO CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO 1. No presente caso, trata-se da legalidade de multa imposta ao Makro Atacadista S/A em razão de publicidade enganosa por não ter veiculado em seus encartes promocionais distribuídos aos consumidores o preço nos produtos. 2. A propaganda comercial, consubstanciada em panfletos comerciais, para que atenda aos preceitos encartados no CDC, deve levar ao conhecimento do consumidor – a título de informação essencial do produto ofertado – o preço, podendo esse englobar custo, formas e condições de pagamento do produto ou serviço. 3. O artigo 30 do CDC confere à oferta – tida como espécie de publicidade apta a veicular uma forma de informação – caráter vinculante e, como tal, disposta a criar vínculo entre fornecedor e consumidor, surgindo uma obrigação pré-venda, no qual deve o fornecedor se comprometer a cumprir o que foi ofertado. 4. No caso do encarte publicitário in comento, verifica-se duas formas distintas de publicidade. Uma delas – que ora se examina – denominada de “uma super oferta de apenas um dia”, apesar de não expor expressamente o preço numérico da promoção, afirmou o compromisso de garantir o menor preço nos produtos ali mencionados, sendo esses apurados com base em pesquisa realizada em concorrentes. 5. A veiculação de informação no sentido de que o valor a ser praticado seria menor do que o da concorrência, somado à fixação na entrada do estabelecimento de ampla pesquisa de preço, são elementos aptos a fornecer ao consumidor as informações das quais ele necessita a despeito do numerário a ser utilizado para adquirir a mercadoria, podendo, a partir de então, fazer uma opção livre e consciente quanto à aquisição dos produtos. 6. O encarte em tela, apesar de não especificar o preço, não é capaz de se consubstanciar em propaganda enganosa, pois traz outra informação, igualmente prevista na norma, que o substitui, qual seja, forma de aquisição do produto pelo menor custo. 7. Recurso especial provido. (REsp 1370708/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 01/07/2015)

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