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A figura do dano moral por ricochete no evento morte

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O Código Civil Brasileiro é enfático ao elucidar, em seus artigos 186, 187 e 927 que condutas e atos considerados ilícitos são aptos a gerar o dever de reparação, mote da responsabilidade civil contemporânea. Assim, se alguém é ofendido/lesado por outrem, este ofensor será obrigado a indenizá-lo na proporção do dano em si, considerando ainda a extensão do evento danoso.

A princípio, a titularidade para exigir a reparação pelos danos é da própria pessoa ofendida, salvo exceções contidas no texto legal. Contudo, figura na jurisprudência e doutrina que chama atenção refere-se ao dano moral reflexo (ou por ricochete), oriundo de situações como a morte de um ente querido, ocasião na qual terceiros (parentes da vítima) podem exigir a indenização pelo evento danoso.

Neste sentido:

O  dano  moral  por  ricochete  é aquele sofrido por um terceiro (vítima  indireta)  em  consequência  de um dano inicial sofrido por outrem  (vítima  direta),  podendo  ser  de  natureza patrimonial ou extrapatrimonial.  Trata-se  de  relação  triangular em que o agente prejudica  uma  vítima  direta  que, em sua esfera jurídica própria, sofre  um  prejuízo  que  resultará  em  um  segundo dano, próprio e independente, observado na esfera jurídica da vítima reflexa.1

O dano moral por ricochete, assim, refere-se a um prejuízo emocional ou psicológico que atinge pessoas que não foram diretamente envolvidas na ação prejudicial, mas que estão próximas à vítima. Em outras palavras, é a extensão do dano moral para além da vítima imediata, afetando aqueles que têm uma relação próxima com ela, como familiares, amigos ou pessoas emocionalmente vinculadas.

No contexto jurídico civil, o dano moral por ricochete reconhece a possibilidade de compensação para aqueles que sofrem consequências emocionais devido a danos causados a outra pessoa. Esse conceito destaca a importância de considerar o impacto não apenas na vítima direta, mas também nas pessoas que mantêm laços afetivos ou familiares próximos com ela. É o chamado, no direito francês, de préjudice d’affection, que atinge de forma reflexa terceira pessoa (vítima por ricochete).

O próprio Código Civil legitima, em seu artigo 943, “o direito de exigir reparação”, que se transmite com a herança, pelo que, nos termos do próprio Enunciado 454 da V Jornada de Direito Civil, “o direito de exigir reparação a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela vítima”. O entendimento sumulado pelo STJ (Súmula 642/STJ) é o mesmo, conferindo ao herdeiro a possibilidade de pleitear em juízo compensação pelos danos sofridos. Ainda, prediz o Enunciado nº. 400 do Conselho de Justiça Federal que “os parágrafos únicos dos artigos 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos parentes, cônjuge ou companheiro para a tutela contra a lesão perpetrada post mortem.”

Destarte, percebe-se que é plenamente possível, no ordenamento jurídico pátrio, que parentes (terceiros) da vítima adentrem com ação judicial apta ao requerimento de reparação em decorrência dos danos e abalos oriundos do evento morte. Tal entendimento é consolidado, inclusive, pelo precedente do STJ REsp 239.009, em que foi reconhecida a legitimidade dos sobrinhos para pleitear indenização por danos morais decorrentes do falecimento do tio, que compartilhava a mesma residência.

Yussef Said Cahali assim destaca, referente aos danos morais reflexos pela morte de parentes:

Seria até mesmo afrontoso aos mais sublimes sentimentos humanos negar-se que a morte de um ente querido, familiar ou companheiro, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção. Por ser de senso comum, a verdade desta assertiva dispensa demonstração: a morte antecipada em razão do ato ilícito de um ser humano de nossas relações afetiva, mesmo nascituro, causa-nos um profundo sentimento de dor, de pesar, de frustração, de ausência, de saudade, de desestímulo, de irresignação. São sentimentos justos e perfeitamente identificáveis da mesma forma que certos danos simplesmente patrimoniais, e que se revelam com maior ou menor intensidade, mas que existem. No estágio atual de nosso direito, com a consagração definitiva, até constitucional, do princípio da reparabilidade do dano moral, não mais se questiona que esses sentimentos feridos pela dor moral comportam ser indenizados; não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo.2

A evolução do conceito da figura do dano moral certamente proporciona que o dano moral reflexo ganhe cada vez mais espaço em nossos tribunais, mas a limitação de estudos jurídicos sobre a temática acaba por gerar interpretações certamente equivocadas de que a propositura de ações deste tipo seriam atos de “vingança” (o que não ocorre, como visto acima, dada a legitimidade dos parentes da vítima), ou que a figura esbarraria na doutrina dos punitive damages.

Sendo o dano moral por ricochete figura própria e legitimada pelo Direito Civil contemporâneo, certo é que parentes diretos, bem como cônjuges, possuem a legitimidade direta para propositura da ação, sendo que a questão relativa ao quantum reparatório deve, certamente, ser balizado pelo artigo 944 do CCB, medindo-se pela extensão do dano.

Neste toar, a morte de uma pessoa próxima é irreparável, causando diversos prejuízos de ordem psíquica aos mais próximos. Assim, a indenização deve ocorrer como forma de compensação, de modo a diminuir os transtornos causados, e também, em ordem material, deverá ser arbitrado quantum que satisfaça as necessidades dos parentes próximos como se não tivesse ocorrido o evento morte (através de pensões e afins, considerando fatores como a renda da vítima, despesas futuras, perda de suporte financeiro, custos com funeral, dor e sofrimento dos familiares, entre outros elementos).

Ademais, as indenizações associadas a essa circunstância deve ser substancialmente significativa. Isso se justifica pela considerável extensão dos impactos emocionais e psicológicos sobre os familiares e pessoas próximas da vítima. A imposição de indenizações em quantias que representem o verdadeiro abalo emocional não apenas reflete adequadamente a profundidade do sofrimento experimentado, mas também serve como um meio de reconhecimento da importância de mitigar os danos emocionais e proporcionar uma compensação efetiva diante da perda irreparável de um ente querido.

Por fim, entende-se que o dano moral reflexo pelo evento morte não necessita de comprovação, uma vez que ostenta caráter presumido (in re ipsa), mormente o abalo psíquico que se instaura nas pessoas próximas. Inclusive, precedente do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Cível  1.0702.12.002244-8/001).

É crucial considerar, com base na razoabilidade, o reconhecimento dos direitos dos potenciais legitimados de maneira tão equitativa quanto possível. O reconhecimento desse tipo de dano amplia a compreensão da extensão dos impactos nas relações familiares e sociais, destacando a importância de considerar não apenas o sofrimento imediato da vítima, mas também os efeitos colaterais que reverberam em seu círculo mais amplo. Reconhecer o dano moral por ricochete relacionado à morte é, portanto, um passo significativo para uma abordagem mais abrangente e compassiva em questões legais e judiciais envolvendo eventos trágicos.

 

Referencias

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1. RECURSO ESPECIAL Nº 1.734.536 – RS (2014/0315038-6), Relatoria do Minsitro Luís Felipe Salomão.

2. CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

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