A invasão da Ucrânia e o fluxo migratório na comunidade europeia

A invasão da Ucrânia e o fluxo migratório na comunidade europeia

Breve histórico sobre a Ucrânia

A Ucrânia é um país situado na Europa Oriental. Em termos de extensão, é o segundo maior país da Europa, o que torna a sua fronteira muito extensa. Ao norte, seus limites territoriais fazem divisa com a Bielorrússia e a Rússia; ao leste e ao sudeste, com a Rússia; ao sul, com a Moldávia e a Romênia, sendo ainda banhado pelos mares mares Negro e de Azov; ao oeste, com a Eslováquia e a Polônia, ao sudoeste, com a Hungria.

Em questão de etnia, a população é composta principalmente por ucranianos (77,8%) e russos (17,3%).1 Ao longo da sua história, a Ucrânia foi invadida por diversos povos, como godos, hunos, búlgaros, magiares, mongóis e russos. E, além disso, integrou as ex-repúblicas soviéticas entre os anos de 1922 e 1991.2 Apesar de os ucranianos terem declarado sua independência após a Revolução Russa em 1918, ela só foi reconhecida internacionalmente após o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991.

Mesmo com a independência, a Ucrânia sofreu diversas invasões. Dentre elas, invasões russas que resultaram na perda da Crimeia e de duas áreas étnicas russas autônomas desde o ano de 2014.3 A mais atual tem sido uma nova invasão da Rússia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, chamada também de Guerra na Ucrânia. Em todas essas situações, existem alguns ucranianos que se manifestam de maneira separatista pró-Rússia, reivindicando toda a região oriental das províncias.

Entendendo a invasão da Ucrânia

Desde a sua independência, a maior parte da população e os governos ucranianos têm manifestado interesse em uma aproximação com o Ocidente, representado mais recentemente pela ambição em integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A OTAN tem como principais fundadores os Estados Unidos da América (EUA), o Reino Unido e a França.

Esta manifestação nunca agradou à Rússia, que já exerceu poder sobre a Ucrânia durante a Guerra Fria, enquanto governante da URSS. Primeiro, porque a integração do território ucraniano na OTAN representaria sua adesão oficial ao Ocidente em termos políticos e econômicos. Além disso, porque tornaria a Rússia vulnerável geograficamente, uma vez que não existem elementos naturais que funcionem como barreira para uma suposta invasão territorial ou, ainda, ataque nuclear. Outrossim, porque o governo russo alega que, em 1990, os norte-americanos realizaram um acordo informal, o qual garantia que a OTAN não aceitaria a adesão de países fronteiriços com a Rússia.4 E, por fim, porque a invasão da Ucrânia representa para Vladimir Putin, Presidente da Rússia desde 2012, o início da (re)ascensão do país no cenário internacional.5

Com isso, ainda em 2008, quando George W. Bush anunciou que apoiava o pedido da Ucrânia e da Georgia para ingressarem na OTAN,6 a Rússia se sentiu ameaçada, principalmente porque outros países da Europa Oriental já haviam aderido à aliança, como Estônia, Letônia e Lituânia. E, desde então, vem analisando os movimentos políticos neste sentido. Como consequência, tem realizado uma série de ameaças aos países do Leste Europeu, que demonstram o mesmo interesse. Por exemplo, em 2008, invadiu a Georgia por motivos semelhantes.7

Em novembro de 2022, a Rússia posicionou cerca de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia e sugeriu um acordo em favor do recuo das tropas caso a OTAN se comprometesse a nunca aceitar os ucranianos no bloco. Como a exigência não foi atendida, o governo russo invadiu o país, a fim de demonstrar o exercício do seu poder militar e bélico. Durante a invasão, algumas dessas cidades na região oriental da Ucrânia foram “recuperadas”, como Lugansk e Donetsk.8

Fluxo migratório proveniente da invasão da Ucrânia

Por um lado, a instauração de uma guerra representa o poder político, militar e bélico de uma nação em detrimento de outra. Por outro lado, com um peso valorativo muito maior, o ato de invadir um terceiro país gera consequências graves para o território, o governo e, principalmente, os civis residentes no Estado. Além do constante temor e das inúmeras perdas humanas, há também a dificuldade de locomoção interna, de comunicação, de manutenção alimentar e o abandono do lar.

Durante uma invasão, a urgência é constante. Neste sentido, ao tomar a difícil decisão de abandonar o lar, muitos pertences são deixados para trás. Na brevidade do processo de saída, até mesmo documentos podem ser esquecidos ou, pior, terem sido destruídos em bombardeios ou confiscados pelas autoridades invasoras. Assim, ao ingressar em um novo Estado, sua condição inicial pode vir a ser de um migrante internacional ilegal. Por exemplo, por ausência de identificação civil.

Nestes casos, para regularizar a situação, um dos caminhos mais adotados é o pedido de refúgio, conforme o Estatuto do Refugiado de 1951.9 Porém, é importante lembrar que, independentemente do país receptor, este é um processo lento, longo e desgastante. Como se não bastasse o sentimento de não pertencimento10 que causa incômodo à maioria dos migrantes em situação de vulnerabilidade, há também as restrições normativas impostas a migrantes ilegais, como a impossibilidade de estudar e de trabalhar, bem como a dificuldade em ter acesso à moradia digna e ao lazer.

No caso da Ucrânia, houve uma grande divulgação midiática da saída de ucranianos das suas mais diversas cidades. Para aqueles que vivem em regiões menores e fronteiriças, o processo de saída foi mais rápido. Para aqueles que vivem em regiões mais populosas e centrais, como Kiev, o movimento foi mais lento. Porém, sem dúvidas, em ambos os casos, a situação foi urgente e forçada.

Até o momento, estima-se que cerca de 368.000 pessoas já tenham realizado a migração para outros países.11 Além desse número, avalia-se que a situação irá gerar cerca de 4 milhões de refugiados ucranianos,12 espalhados por todo o globo. Desde a Segunda Grande Guerra, este é um dos primeiros eventos que proporcionam uma mobilidade forçada com um número tão expressivo de possíveis refugiados.

Inclusive, o fluxo migratório é devastador não só para os ucranianos, mas também para residentes de outras nacionalidades, como é o caso dos brasileiros. No dia da invasão, o Itamaraty se pronunciou acerca da ausência de condições de evacuar brasileiros da Ucrânia de maneira imediata,13 o que gerou um espanto em toda a comunidade internacional. Afinal, um pronunciamento como este gera uma certa tensão e incerteza quanto à proteção das vidas brasileiras em território ucraniano. Embora a abordagem tenha sido alterada dois dias depois do pronunciamento,14 a manutenção do posicionamento poderia ter gerado uma mobilidade internacional a qualquer custo (por exemplo, de maneira ilegal) para países vizinhos que tivessem promovido uma acolhida mais célere do que o próprio governo brasileiro.

Diante dos fatos instaurados nos últimos dias, a invasão em território ucraniano gerou e continuará a gerar um aumento considerável do fluxo migratório de residentes da região para Estados vizinhos da comunidade europeia. Portanto, para além da situação vivenciada na própria Ucrânia, é necessário que a comunidade internacional comece a tomar providências quanto a esta consequência.15 Uma das principais ações a serem adotadas se apresenta no sentido de facilitar e agilizar procedimentos referentes à migração internacional em situação de vulnerabilidade, principalmente na modalidade de migração indocumentada e refúgio.

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Márcia Carolina Santos Trivellato

 

Referências

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1. UCRÂNIA. Infopédia: Dicionários Porto Editora, Porto, [s.d.]. Disponível em https://bit.ly/3vqFn6k. Acesso em: 26 fev. 2022.

2. ENTENDA qual o objetivo da Otan e por que a Rússia não quer a Ucrânia no bloco. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3K6tlmH. Acesso em: 26 fev. 2022.

3. SARNEY, José. O lado oculto da Crimeia. El País, [s.l.], 11 mar. 2014. Disponível em: https://bit.ly/3tfjKU2. Acesso em: 26 fev. 2022.

4. ENTENDA qual o objetivo da Otan e por que a Rússia não quer a Ucrânia no bloco. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3Hop6RL. Acesso em: 26 fev. 2022.

5. STUENKEL, Oliver. Ucrânia, Ucrânia 2, Ucrânia 3, Ucrânia 4. 4 vídeos (s.t.). Disponível em: https://bit.ly/3Hsnqa8. Acesso em: 27 fev. 2022.

6. SPETALNICK, Matt. Bush vows to press for Ukraine, Georgia in NATO. Reuters, Kiev, 01 abr. 2008. Disponível em: https://reut.rs/3vkLLMC. Acesso em: 26 fev. 2022.

7. HERITAGE, Timothy. Georgia started war with Russia: EU-backed report. Reuters, Brussels, 30 set. 2009. Disponível em: https://reut.rs/342EOoc. Acesso em: 26 fev. 2022.

8. ENTENDA qual o objetivo da Otan e por que a Rússia não quer a Ucrânia no bloco. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3KktB1V. Acesso em: 26 fev. 2022.

9. Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Genebra: ONU, 1951.Disponível em: https://bit.ly/3hnLxfp. Acesso em: 28 fev. 2022.

10. TRIVELLATO, Márcia Carolina Santos. Complexo de refugiados em Dadaab: estado de exceção em caráter permanente? Belo Horizonte: Dialética, 2020, p. 45-46, 51, 93, 126, 156.

11. UKRAINIAN refugee outflow hits 368,000, still rising – UN. Reuters, Zurich, 27 fev. 2022. Disponível em: https://reut.rs/3poTuW8. Acesso em: 27 fev. 2022.

12. LANGRAND, Michelle. UNHCR: escalation of war in Ukraine could drive 4 million refugees. Geneva Solutions, Geneva, 25 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3K8DM9H. Acesso em: 27 fev. 2022.

13. ITAMARATY diz que não há condições de evacuar brasileiros na Ucrânia. Exame, [s.l.], 24 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/33Yk9l1. Acesso em: 26 fev. 2022.

14. TUVUCA, Marcelo. Quarenta brasileiros deixam Kiev e embarcam em trem rumo à Romênia, diz Itamaraty. CNN Brasil, São Paulo, 26 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3C1SBaU. Acesso em: 26 fev. 2022.

15. UN refugee agency urges countries to give fleeing Ukrainians safe heaven. Reuters, Geneva, 24 fev. 2022. Disponível: https://reut.rs/3hlYuXc. Acesso em: 27 fev. 2022.

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